25 DE SETEMBRO DE 1898 - RIO DE JANEIRO: UMA TARDE ATRIBULADA NA PRAÇA DAS LARANJEIRAS COM NIÑAS TOUREIRAS, PALHAÇOS E MAIS ARTISTAS DA PENÍNSULA IBÉRICA... (na imprensa brasileira)


 

Biblioteca nacional do Brasil

A tourada de hontem

Emfim, o tempo abriu um espaço para a tourada; hontem apresentou-se um domingo, bello, primaveril, e a população elegante da cidade do Rio de Janeiro condensou-se na elegante praça das Laranjeiras.

D’ahi uma enchente real, uma praça replecta como nunca; para se ter idéa da concurrencia, bastará dizer-se que houve contendas e disputas para a obtenção de logares.

Ha o maldito costume de amontoaer-se gente na proximiddade das entradas, de sorte que fica um aperto enorme noss pontos que servem de passagem; e é um trabalho que demanda intrepidez como a de Serpa Pinto atravessando Africa, o esforço de alcançar na praça das Laranjeiras, um ponto dos mais afastados, onde se póde encontrar assento e commodidade.

A policia não se occupa com isso que é objecto de ordem publica; convidar os que chegam a não se deterem perto da porta...

Diante de uma enchente assim, o que esteve em maré de vasante foi a musica. Que pobreza! Os emprezarios da praça foram roubados. Meia duzia de figuras! Era uma charanga... não era a banda da brigada policial.

Eram 3 horas e 45 minutos quando se apresentou a quadrilha na praça. Formaram las niñas a direita, e os infantes a esquerda. Cortezias irreprehensiveis.

A’s 4 horas sahia o 1º touro para Alfredo Tinoco. Torrado, muito matreiro, conhecendo cavallo e cavalleiro, ah! fez suar o dennotado Tinoco para lhe metter... dois ferros.

Mas, assim como na adversidade se conhecem os amigos, assim com os touros velhacos se conhecem os bons toureiros. Alfedo Tinoco, arrancou sortes da féra sabida, e tratou-a com galhardia.

O 2º touro para Calabaça e Rocha, um touro preto, que ensarilhava terrivelmente offereceu a um e outro dos bandarilheiros occasião para fazerem figura. El Pechuga passou-o de capa, e tirou uma navarra limpinha. Dado o signal de forcados, Cabeça atirou-se á cabeça do bicho e fez-lhe uma péga sem brilhantismo.

O 3º foi para Morenito, Xavier e Cruz, que se houveram galhardamente na lide.

Adelino de Almeida Raposo lidou a 4ª féra, um touro negro, alentado.

Raposo viu-se doido para enfeital-o. Eram tantos os capotes a distrair o animal, que, quando o cavalleiro o conseguia em posição de ser affrontado, via logo a posição desmanchada pelos movimentos dos peões a que o touro dava grande attenção. Muitos vcapotes na praça. Afinal, metteu-lhe um ferro á meia volta, sem grande brilho; outro á meia volta, superior; os malditos capotes comprometteram varias sortes, e um ferro largo á estrilheira, e mais um curto, esplendido, á meia volta remataram a faena.

Após um intervallo em que os carpinteiros da praça collocaram os refugios destinados ás señoritas que não saltam trincheiras, reappareceram as ditas, que até então haviam ficado encobertas.

O tempo não nos permitte dizer aqui, já, alguma coisa a respeito do trabalho que exhibiu a quadrilha feminina. O intelligente cá de casa dirá aos povos amanhã como se houveram las niñas diante dos garraios que lhes soltaram. Nós, diante das niñas, ficamos apenas... admirados.

Deixemos as toreras guapas em seus calções multi-côres. Boas niñas, a outrem o vosso elogio.

Xavier esperou diante do curro o 7º touro, effectuando com extrema destreza e felicidade o salto da vara larga. El Pechuga, em seguida, bandarilhou-o com valor. Era um touro que ensarilhava, e um pouco parado, negando-se ás sortes e arrancando mal quando citado. Ainda assim, porém El Pechuga tratou-o com maestria.

Depois houve uma péga tão fraca como a primeira.


O 8º touro, negro, de muito pé, foi para José Bento (de Araújo). Pareceu-nos o melhor da tarde, José Bento (de Araújo) farpeou-o com ousadia; perdeu o 1º ferro, mas em uma meia volta farpeou-o bem, e logo terminou á garupa uma sorte bem iniciada á estribeira. Mais um á  meia volta, e dois curtos muito bem postos, sendo o cavallo colhido por ultimo, ainda que bem guiado para escapar-se.

O ultimo touro foi para a troupe pai Paulino. A pandega do costume. Apenas pai Antonio foi ligeiramente contundido na cabeça, mas voltou á lide com o mesmo denodo. A tourada findou com uma extraordinaria péga, effectuada de costas, pelo intrepido Zé Cabeça.

Foi uma péga quasi que acccidental, porque elle fugia ao touro, mas foi uma péga soberba, rara que deve ter feito... inveja a pai Paulino, o velho armazem de marradas.

A’s 5 3, 4 despejava-se a praça. A rua des Laranjeiras ficou por mais de meia hora apinhada de bonds, carros, cavalleiros e milhares de homens, zsenhoras e crianças que regressavam do esplendido divertimento.

In O PAIZ, Rio de Janeiro – 26 de Setembro de 1898

NOTA: A presença das 3 señoritas toureiras espanholas e das 2 francesas no Brasil não passou despercebida. 

Ver, por exemplo, estes posts sobre o mesmo assunto:

https://corridasportugalespanafrance.blogspot.com/2023/09/26-de-outubro-de-1898-rio-de-janeiro-as.html

https://corridasportugalespanafrance.blogspot.com/2023/09/27-de-outubro-de-1898-rio-de-janeiro.html