11 DE DEZEMBRO DE 1903 – LISBOA: A VISITA OFICIAL DO REI DE ESPANHA AFONSO XIII A PORTUGAL INCLUIU UMA TOURADA COM SEIS GRANDES CAVALEIROS (na imprensa brasileira)


 


O REI DE HESPANHA EM PORTUGAL

Tourada de gala

A tourada, que seria um dos mais bellos numeros do programma, se não estivessemos em pleno inverno, teve que ser adiada por causa do máo tempo, e só se realizou dous dias depois do dia marcado e estando ainda em risco de ter que se eliminar do programma.


O temporal que desencadeou em Lisboa na noite de 11 para 12, destruiu quasi por completo a brilhante e original ornamentação da praça, que foi substituida por outra, á ultima hora.

Ainda assim, apezar de tantos contratempos, a praça offerecia um aspecto encantador, com os seus centenares de colchas de varias côres, em setim, velludo e damasco a guarnecerem os varandins dos camarotes e dos fauteuils, com seus monstruosos leques, cuja pintura representava detalhes de lides á hespanhola e á portugueza, e umas enormes pandeiretas com a effigie de Affonso XIII, guarnecendo a praça em toda a volta. Fitas com as côres nacionaes e hespanhola pendiam destas pandeiretas, davam graciosas voltas pelas cornijas da praça, e iam cahir em molhadas ao longo das columnatas.

A tribunal real de uma simplicidade encantasdora estava decorada com festões de verdura, e a varanda toda coberta de rosas brancas, amarellas e vermelhas., formando á frente uma corôa real sobre um fundo de verdura.

Em pouco tempo não se podia fazer nada de melhor, de mais original e com mais accentuado cacher hespanhol.

Quando a familia real portugueza e o seu real hospede, deram entrada no camarote, as musicas toccaram o hymno hespanhol, ouvido de pé pelo milhares de espectadores, que enchiam á cunha a nossa elegante praça, fazendo-se em seguida uma enthusiastica recepção ao monarcha hespanhol que agradecia effusivamente.

Neste momento o golpe de vista era soberbo, e assim o comprehenderam os photographos amadores e não amadores, que en grande profusão se achavam na praça, assestando as objectivas para o camarote real e outros pontos.

Pouco antes de começar a corrida, um abundante chuveiro fez com que a praça apresentasse outro original aspecto, ainda não visto, pois me parece ser esta a primeira tourada, que temos e em pleno inverno, foram os milhares e milhares de guarda-chuvas que se abriram ao mesmo tempo, parecendo a praça um enorme campo coberto de cogumelos escuros. Uma gargalhada unisona seguida de grandes oh! e ah! admirativos poz toda a gente alegre e bem disposta.

As cortezias, pela profusáo dos lidadores, luxo e garbo com que se apresentou toda a quadrilha, foi um espectaculo, que a nós já não nos surprehende, mas que devia causar a mais deslumbradora impressão no Rei niño.

As cortezias duraram 12 minutos, findas as quaes se seguiu a lide.

Os touros não primaram pela braveza, o que não é para espantar em dezembro com o frio e a pouca abundancia de bons pastos, mas o primeiro cornupeto não quiz deixar o credito por mãos alheias e mostrou o que valia derrubando o cavallo de José Bento (de Araújo), que se desmontou na quéda e atacando de tal fórma a casa da guarda, isto é, grupo de oito forcados que se acha na praça ???? barreira, que ???, para melhor se defenderem, se viram na necessidade de lhe fazer uma pega de recurso. Foi o cabo de forcados Carraça quem o pegou rijamente de cara, aguentando-lhe os derrotes e logo auxiliado pelos companheiros, safou-se da cabeça do touro, recebendo uma extraordinaria ovação pela sua valentia.


Foi este o melhor boi da tarde prestando-se á lide e dando realce ao trabalho de Fernando de Oliveira e José Bento (de Araújo).

Os outros nove bichos sahiram malessos e covardes, todos com vontade de fugir ao castigo fugindo da arena. Um delles pullou a trincheira oito vezes, fazendo tambem pular em sentido contrario os photographos, que ahi estavam com as suas machinas, o que produziu grande hilaridade na assistencia.

A tourada pois, não como tourada, mas como espectaculo deslumbrante e pelos episodios engraçados que se deram, foi um dos numeros, que mais divertiu Affonso XIII.

A’ saida, o povo fez manifestações de sympathia ao monarcha hespanhol, que agradecia tirando repetidas vezes o chapéo.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 3 de Janeiro de 1904

FOTOS DE ILUSTRAÇÃO: Alfonso ou Alfonso Sánchez García, salvo erro meu - La Ilustración Española y Americana (Madrid - 30 de Dezembro de 1903).

NOTA: Publiquei neste blogue muitos artigos sobre esta corrida que teve lugar na praça do Campo Pequeno, referindo sempre esta mesma data (11 de Dezembro de 1903).