29 DE JULHO DE 1894 - LISBOA: O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO



Biblioteca nacional de Portugal

JOSÉ BENTO D'ARAUJO

Mais uma gloria do toureio a cavallo honra sobremaneira a galeria dos retratos publicados n'este jornal.

José Bento d'Araujo que todos conhecem e que todos admiram pela correcção e luzimento do seu trabalho pertence ao numero d'aquelles a que a arte tauromachica muito deve, porque elle tem sabido engrandecel-a de uma maneira notavel, pela fórma como se tem distinguido na arte que ha annos cultiva com tanto explendor. A sua fórma de lidar é incontestavelmente baseada nos mais reconditos preceitos da arte, não cita e nem remata uma sorte sem vêr que ella pode ter o resultado desejado. Nas sortes de gaiola que faz com todo o brilhantismo é eximio, como o tem demonstrado nas corridas em que tem trabalhado na praça do Campo Pequeno. Bom pulso e consentindo muito os touros o seu trabalho é sempre o mais correcto e luzido possivel e raro é vêr-se um ferro collocado pelo applaudido cavalleiro, que não esteja no seu logar. Dotado de uma coragem que vae além dos limites e que não é vulgar, para elle não há touros que se não possam lidar. Faz-lhe tanta diffrença ter que tourear um touro puro como um com 8 ou 9 praças. Para elle é a mesma cousa.

José Bento (de Araújo) nasceu em 1852 e conta portanto 42 annos. Apresentou-se pela primeira vez na praça da Junqueira em 1874, tomando parte n'uma corrida de vaccas, tornando-se logo notavel n'aquella tarde. Mais tarde tomou parte n'uma corrida em Sacavem, apresentando-se depois na extincta praça do Campo de Sant'Anna, toureando sempre com geral agrado ao lado de Manuel Mourisca, José Monteiro e Antonio Monteiro. Correu depois todas as praças das provincias, aonde era recebido com applausos por todo o publico e de dia a dia ia alcançando os mais assignalados triumphos e a sua carreira gloriosa de artista ia sempre progredindo a passos gigantescos.

Extincta a praça do Campo de Sant'Anna, José Bento (de Araújo) ainda se conservou entre nós muito tempo e mais tarde partiu para o estrangeiro, toureando em Paris, Nimes, Avignon, Marselha e em outras praças, alcançando ali os mais assignalados triumphos e a estima e consideração de todos os francezes. Os jornaes d'aquella localidade teceram-lhe os maiores elogios, considerando-o um dos toureiros mais valentes e notaveis da tauromacha portugueza.


Depois de 2 annos de ausencia voltou o anno passado á sua patria, sendo acolhido com o maior enthusiasmo, como se viu na primeira corrida a que assistiu no Campo Pequeno, sendo acclamado por todo o publico com palmas e bravos.

Já trabalhou em diversas praças hespanholas, entre ellas na de San Sebastián, matando n'uma corrida um touro a rejoncillo.

Pouco depois realisou n'aquella praça uma tourada promovida por elle e pelo fiscal da empreza, aonde n'essa tarde teve a prova cabal de quanto era estimado ainda por todo o povo portuguez. Esta época tem trabalhado de uma maneira notavel na praça do Campo Pequeno, sendo alvo das maiores ovações.

José Bento d'Araujo possue além d'isso todos os dotes que exornam um caracter franco, sincero e generoso e por isso é estimadissimo por todos: amigos e admiradores.

A Tourada portanto na tarde da sua festa artistica não podia deixar de render-lhe a homenagem justa a que tem direito, quer como artista, quer como homem, acompanhando o seu retrato d'estas poucas palavras, que não representam mais que a expressão sincera do nosso pensamento.

D. JOSÉ TENORIO


O jornal tauromachico de Nimes, Le Picador, publicou, no seu numero de 28 de maio de 1893, a seguinte poesia dedicada ao applaudido cavalleiro José Bento d'Araujo, cujos dotes artisticos ali pôz em evidencia de uma fórma notavel, tecendo-lhe todas as folhas francezas os mais rasgados elogios:


MADRIGAL AU CABALLERO EN PLAZA

BENTO D'ARAUJO


Voyons! Caballero, sois toujours admirable
Et fais que pour longtemps tu sois incomparable!
Ton royal coursier et toi, si ravissant,
Vous savez mériter les applaudissements!
Ton jeu superbe et grand, d'une grâce infinie,
Du sang-froid, de l'adresse, entretient l'harmonie!
Tu es l'enfant gâté des spectateurs nimois,
Redouble donc d'ardeur, car pour eux, tu le vois,
Il faut non seulement planter tes javelines
Mais leur montrer aussi ce que chacun devine:
Le goût parfait de l'art, qui fait seul leur régal,
Pour que tu puisses d'euxe parler en Portugal!

L. S.

In A TOURADA, Lisboa - 29 de Julho de 1894