19 DE AGOSTO DE 1894 - LISBOA: UMA CORRIDA MEMORÁVEL NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO




CHRONICA DAS TOURADAS

Campo Pequeno

21.ª corrida da epoca - Festa artistica do bandarilheiro João Roberto - Touros: 6 de Manuel dos Santos Correia e 6 pertencentes a Roberto & Irmão

Em consequencia de não ter podido assistir a esta corrida, por incommodo de saude, o nosso illustre chronista D. José Tenorio, tomo eu hoje a pena para suprir a sua falta. Desculpem-me pois os leitores.

Com uma enchente completa, realisou-se no domingo, n'esta praça, a festa artistica do estimado bandarilheiro João Roberto, rapaz modesto e muito estimado do publico que sempre corre pressuroso ás suas festas, não só attendendo aos attractivos que ellas encerram como tambem, para com o seu auxilio o coadjuvarem.

Foi o que se pode chamar uma corrida puramente nacional, uma d'aquellas que talvez fizessem chorar os antigos afficionados do Campo de Sant'Anna, ao verem ali reunidos Sancho, Calabaça e os notaveis Vicente Roberto e Roberto da Fonseca, a gloria do toureio portuguez, os artistas correctos e cheios de arte, para poderem ensinar ainda a alguns espadas que aqui costumam vir, o que se chama tourear.

Biblioteca nacional de Portugal
A corrida foi uma das melhores que aqui se tem visto, reinando por vezes o enthusiasmo. Vou ver se comsigo dar um pequeno resumo do que ella foi:

CAVALLEIROS

José Bento (de Araújo), no seu primeiro touro enfeitou-o com cinco ferros e rematou com meio par de bandarilhas, se o seu trabalho não foi d'uma verdadeira mestria, foi por que o bicho se tapava e mostrar-se um refinado malesso. Ainda assim foi o cavalleiro applaudido pela vontade que mostrou.

No segundo touro que lhe coube lidar e que era o 7.º da corrida, o celebre Caracol, que ha talvez dez annos na praça do Cartaxo, occasionou a José Bento (de Araújo) a sua maior colhida, mostrou ainda ser um bom touro, apezar da sua avançada edade, pois conta a bagatella de 14 annos. N'este bicho teve este artista um toureio alegre, enfeitando o cachaço do seu inimigo com cinco ferros bem apontados e rematando a lide com dois soberbos pares de bandarilhas, que lhe mereceram uma justa ovação.


N'este touro teve Vicente Roberto um bom quite.

Manuel Casimiro lidou o quinto touro a ferros curtos, porém o seu trabalho não foi luzido pela razão do bicho ser mando, ainda assim, e depois de bastantes esforços, que lhe valeram merecidas palmas, enfeitou-o com cinco pares de bandarilhas.

No 11.º este cavalleiro mostrou quanto vale, citando e rematando as sortes com toda a mestria; finalisou a lide com um par de bandarilhas magnifico e que lhe valeu uma justa e prolongada ovação.

BANDARILHEIROS

Em primeiro logar, fallarei do trabalho dos insignes Robertos.

Vicente Roberto, depois de pedir licença á auctoridade para bandarilhar, pois que não figurava no programma, foi para a gaiola esperar o 2.º da corrida e o 1.º para a lide a pé; o animal deu uma saida pessima, não podendo por isso Vicente consumar a sorte, ainda que o seu cite fosse d'um verdadeiro mestre.

O touro era manso e era preciso citar muito de perto para que elle arrancasse, ainda assim Vicente poz meio par n'um relance bem aproveitado.

No sexto touro, este artista, aproveitou uma bella occasião, deixando-lhe um bom par, porém com a força do embate e não se podendo suster nas pernas, pois que se acha bastante doente, caiu no solo.

No oitavo touro, collocou um par magnifico, o melhor da tarde, grandes ovações ao velho artista.

Roberto da Fonseca, que possue ainda disposições physicas para o toureio, o que infelizmente já não succede a seu irmão, conservou o seu toureio alegre e que tantas e tantas vezes enthusiasmou o publico.

Tanto no segundo como no oitavo touro, este artista empregou ferros de muito merecimento.

Com o capote tirou bons passes, distinguindo-se n'um magnifico pharol.

Com a muleta, no sexto, tirou bons passes, tanto naturaes, altos, de peito, e um regular molinite.

Os dois artistas, durante a tarde tiveram continuas ovações, que lhes devem ficar gravadas, como prova de muita estima que lhe consagra o povo portuguez.

João Roberto andou bem, principalmente no sexto, em que teve magnificos pares.

Na breja andou incansavel.

Minuto teve egualmente magnificos pares e com o capote bastante activo.

Calabaça, lembrou-se dos velhos tempos e encheu-se de enthusiasmo trabalhando com vontade, no 8.º touro que teve uma boa gaiola e depois d'uns pares bons, marcou um quiebro deixando um bom par, sendo mandado tocar o cessar bandarilhas. Calabaça a corpo limpo, citou a cuarteo, tocando com os dedos no pescoço da rez que se achava desemboldada d'uma aste.

Recebeu uma merecida ovação.

Pescadero, andou bem em bandarilhas e com a muleta teve uns passes rasoaveis.

Saldanha e Carlos Gonçalves que se apresentaram hontem pela primeira vez na nossa arena, andaram bem, notando-se a Gonçalves pouco saber em dar saida aos touros quando mette os ferros, resultando-lhe quasi sempre ficar embrocado. Saldanha pareceu-me mais artista não só com os paus como tambem correndo de capote.

Em todo o caso para outra vez se poderá avaliar mais os seus valores, isto quando elles percam a vergonha de que andavam possuidos, de pisarem ao lado de Robertos, a primeira arena do paiz.

Torres Branco se com as bandarilhas nada fez, com o capote tornou-se notavel pela maneira como correu um touro de tabla a tabla recebendo ovação.

FORCADOS

Tiveram boas pegas, sobresaindo Cara-Linda que com toda a arte, pegou rijamente o 8.º touro; d'este modo sim, e se de todas as vezes e todos assim fizessem, já eu não... calla-te boca... que fallar n'isto é prohibido.

TOUROS

Os seis primeiros pertenciam ao sr. Manuel dos Santos Corrêa Branco, de Coruche; estavam bem tratados, porém eram deseguaes e pouco sangue lhes corria nas veias, eram quasi mansos, percebiam de tudo menos de... marrar, e se alguns cumpriram deve-se á boa vontade dos artistas que quasi se encostavam com elles para os fazerem bravos.

Os cinco restantes, pois que um fugiu em Villa Franca, pertenciam aos acreditados lavradores Irmãos Robertos, bem tratados, bravos, cumprindo e não apresentando os seus costumados defeitos que tem feito o terror dos lidadores portuguezes, que chamam aos touros dos Robertos, os miuras portuguezes, estes deram boa lide sem representarem difficuldades, fazendo brilhar os artsistas.

DIRECÇÃO

O Botas, o velho Botas, ou por estar de maré, ou por ver alli os seus antigos collegas, reunidos, manejou o leme regularmente.

CASA

En lleno.

EDUARDO AGUILAR

In A TOURADA, Lisboa - 26 de Agosto de 1894