1 DE NOVEMBRO DE 1909 - LISBOA: PRAÇA DO CAMPO DE SANT'ANNA - BERÇO DOS GRANDES CAVALEIROS PORTUGUESES...



CAMPO DE SANT'ANNA

Recordações de então


Arquivo Municipal de Lisboa

Ao tratarmos dos cavalleiros e do toureio a cavallo - o toureio portuguez por excelencia -, seja-nos permitido divagar um pouco, e primeiro que tudo, ácerca das condições em que trabalhavam antigamente esses artistas.

Ao passo que a principal preoccupação do toureiro equestre de hoje são os cavallos de combate, ha cincoenta annos era o que menos preoccupava os lidadores d'esse tempo.

João Sedvem, Antonio Sedvem, Pedro Sedvem e José Caetano de Brito (NOTA: José de Brito, que teve a sua época no Campo de Sant'Anna, foi um artista de conhecimentos, e que recebeu morte quasi instantanea na corrida de inauguração da antiga praça de Setubal, a 29 de maio de 1841: um touro, desmontando-o, levou-o de encontro á parede de resguardo do publico, fracturando-lhe o craneo), por exemplo, nunca conheceram a necessidade de ter que sustentar cavallos durante todo um inverno para poderem tourear no verão seguinte; quando tinham que trabalhar, iam ao primeiro alquilador que se lhes deparava, e alugavam um ou dois cavallos.

Diogo Bittencourt, Manuel de Mesquita e Francisco Batalha, ainda procederam de egual fórma por muito tempo.

O unico que nunca montou cavallos alugados, foi Antonio Maximo de Amorim Vellozo.


E, seja dito de passagem, n'esses tempos de saudosa memoria, lidavam-se touros a valer - d'esses que, quando sahiam do curro e se collocavam no centro da arena a sacudirem-se da terra que traziam em cima de si, faziam estremecer até o proprio espectador!

Francisco Batalha em certa tarde teve que ir tourear a Almada. Os cavallos que alugára em Lisboa, por qualquer motivo, não appareceram. E essa circumstancia, que hoje impressionaria um collega, não incomodou nada a Batalha: desceu rapidamente a Cacilhas, adquiriu na primeira cocheira dois cavallos, e entrando na arena á hora marcada só deixou de cumprir o programma no respeitante ás cortezias, porque as montadas não ladeavam.

Agora, porém, já não succede assim. E se nos disserem que este ou aquelle artista fez trinta ou quarenta corridas n'uma época e que o lucro de tanto trabalho e tanto risco não lhe chegou para o prejuizo que teve na compra e venda de montadas, temos que nos calar, porque sabemos que é verdade!


É certo que o publico d'esse tempo era menos exigente do que o actual; mas não é menos verdade que os toureiros antigos sabiam mais da arte de equitação do que a maioria dos actuaes, ao ponto de não terem cavallos proprios e tourearem perfeitamente e com a maior facilidade em cavallos de aluguer, nem dando então o triste espectaculo de que somos testemunha em muitas occasiões actualmente, do artista ser tocado pelo numero de ferros que colloca!

O que succedia, porém, era haver determinados alquiladores que tinham melhores cavallos do que outros, o que fazia com que lh'os preferissem, dando o caso ás vezes occasião para a bella intrigasinha. E quando então já existia, não é de admirar que ella agora ande por ahi tão accêsa como anda...

É curioso vêr o que nos diz um jornal de ha quarenta e oito annos, o Portuguez de 10 de agosto de 1861, sobre um e outro assumpto:

"N'este negocio dos cavalleiros tem havido uma intriga nojenta contra os srs. Mesquita e Silveira (NOTA: Silveira era um amador da época).

"Affirmam-nos que o sr. João Sedvem, de accôrdo com o sr. Diogo Bittencourt, tem procurado por todos os modos evitar que os srs. Mesquita e Silveira vão picar. O sr. Sedvem não anda bem n'este negocio, e o seu procedimento é improprio de quem tantas provas tem recebido de agrado por parte do publico do Campo de Sant'Anna. Diz-se que o sr. Diogo tratou de alugar para si alguns cavallos, que os srs. Mesquita e Silveira queriam tambem alugar, e de que o sr. Bittencourt não carecia, porque não vae picar n'essa tarde.

"Felizmente este facto não ha-de impedir que vão picar os srs. Mesquita e Silveira, e os empenhos do sr. Sedvem para que não picasse o sr. Mesquita foram baldados, sendo digno de louvor o modo porque andou o sr. governador civil n'esta questão."

Isto, entretanto, succedia ha quasi meio seculo, no tempo em que os senhores governadores civis se mettiam nos negocios de touros. Mas essa época já lá vae: hoje tão elevadas personagens, no respeitante ao popular divertimento, pouco mais se incommodam do que... a ir assistir ao espectaculo!

Os alquiladores que mais cavallos alugavam para tourear eram José Amador, José Caetano, o Bairro Alto, José Bento (de Araújo) e José Maria, o Cabelleireiro, este estabelecido na Rua Larga de S. Roque e os restantes no Poço do Borratem. Era no Cabelleireiro que geralmente se encontravam as melhores montadas, e aonde José Caetano de Brito as alugava sempre; os Sedvem preferiam as de José Bento (de Araújo) e José Caetano. Mais modernamente, o Antonio Hespanhol e o Ezequiel de Carvalho tambem alugavam cavallos.

Vellozo, Sedvem, Brito, etc., ganhavam oito libras por corrida; Bittencourt, Mesquita e Batalha fizerem logo subir o preço para dez e dezeseis libras, consoante tivessem que lidar dois ou quatro touros.

João Sedvem, Diogo Bittencourt e Francisco Batalha, foram artistas por demais valentes e arrojados, como Manuel de Mesquita foi o mais receoso de todos, apesar de bom toureiro. Mesquita, quando tinha que tourear, ia na vespera para o oratorio, onde orava até ao momento de ir para a praça.

Tempos houve em que se faziam cortezias por dóse dobrada em cada espectaculo, umas no começo e  outras ao terminar.

Comquanto cousa alguma explique as segundas - como talvez até as primeiras -, o que é certo é que não foi sem alguma difficuldade que se acabou com as ultimas, pelo costume em que o publico já estava de as presencear. N'esse tempo, porém, poucos eram os espectadores que sahiam da praça antes da corrida haver terminado por completo.

Observando-se o mesmo preceito tanto n'umas como nas outras, entretanto as finaes não decorriam com a seriedade que sempre se observou nas primeiras, ainda agora mesmo.

Depois de se lidar o ultimo touro, apenas os cavalleiros entravam no redondel e os bandarilheiros e forcados occupavam os seus logares em fila, era da praxe o rapazio saltar logo á arena, fazendo uma segunda corrida em volta dos lidadores.

E as cortezias terminavam, e o rapazio lá ficava, continuando com o seu simulacro de tourada, saltando ora para dentro da trincheira oara para a arena...

Tudo isso acabou!

Mas talvez por acabarem estas e outras pequenas cousas, a aficion vae diminuindo, mas diminuindo extraordinariamente, até ao ponto talvez de ás praças de touros se ter que dar outra applicação.

O Carnaval está por assim dizer agonizante, desde que de lembraram de o civilisar; o divertimento tauromachico, desde que perdeu o tom popular que tinha, com a sua liberdade e as suas piadas, para lá caminha tambem, e a passos agigantados...

As cortezias finaes acabaram com a ultima corrida da época de 1879.

Isso, porém, não impediu que o pequeno aficionado continuasse a divertir-se na arena por largo espaço de tempo ainda, sahindo d'alli ancioso por outra tarde de festa para tornar a brincar aos touros na propria praça.


Manuel Mourisca e Casimiro Monteiro foram os cavalleiros que iniciaram a revolução no toureio a cavallo, começando pela fórma de vestir.

Já poucos são os aficionados que se lembram da antiga farda - a casaca single, o collete simples, a polaina um tanto extravagante e o bicorneo de fivella dourada ou prateada na frente, com tres plumas, uma branca e duas azues.

Quem não  fôr do tempo d'essa toilette - que deve ter sido abolida ha uns bons trinta a trinta e cinco annos, pelo menos -, queira-a vêr nos retratos que damos adiante, de Casimiro Monteiro, Batalha, Antonio Monteiro e Augusto Calhamar. Por ahi o leitor fará uma idéa.

Foram aquelles dois artistas que introduziram a farda usada actualmente, chamada á Marialva, sem duvida muito vistosa e elegante, começando então tambem os cavalleiros a tourear só em cavallos proprios, e a apresental-os ajaezados com desusado gosto, como até então não era dado admirar.

No emtanto, Casimiro Monteiro foi o que a todos sobrelevou sempre, chegando o seu bom gosto ao ponto de adquirir chaireis com guarnições de ouro e prata, e arreios com peças dos mesmos preciosos metaes, alguns d'elles avaliados em mais de um conto de réis.

No dia da festa annual do estimado cavalleiro, havia sempre uma romaria de curiosos, aficionados e admiradores d'arte, ao corredor aonde se encontravam os cavallos, a examinarem as preciosidades artisticas que ornavam os corceis de José Casimiro Monteiro.

Manoel Mourisca tambem foi possuidor de um riquissimo arreio completo em prata macissa, avaliado em um conto de réis, offerta de um aficionado.

Pouco depois de Mourisca e Monteiro começarem a apresentar-se á Marialva, logo os seus collegas mais modernos os imitaram, ficando assim dentro em pouco tempo operada uma grande transformação na fórma de trajar dos nossos cavalleiros.

Comtudo, antes, de Mourisca e Casimiro Monteiro se apresentarem em publico com o novo trajo á Marialva, já Manuel de Mesquita tinha tentado a innovação, que não vingou, talvez por muito espectaculosa. Mas o antigo e considerado artista fel-o ainda com mais propriedade e rigor, visto que trazia tambem espada á cinta, que o acompanhava não só ás cortezias como quando toureava.

Para melhor completar a nossa noticia, continuamos a dar os perfis das individualidades que mais ou menos de destacaram no circo que vimos historiando:

O cavalleiro Manuel Mourisca foi justamente considerado o Mestre do toureio a cavallo.

Nascendo em Freixiendas, proximo de Ourem, a 14 de setembro de 1844, teve a guiar-lhe os primeiros passos na arriscada arte, o não menos artista João dos Santos Sedvem, que então dava leis Discipulo de tal mestre, não foi, pois, por favor que tambem alcançou a melhor classificação entre todos os mais distinctos collegas do seu tempo.

Mourisca, de um valor, serenidade e sangue frio sem egual, poupando os seus cavallos como ninguem, era inexcedivel e primoroso na execução de todas as sortes do toureio, sendo devidamente apreciado pelo publico entendedor.

Sem o querer, sem contribuir em cousa alguma para isso, viu formarem-se na sua época dois aprtidos entre o publico - um que lhe era favoravel, o da sombra, e outro, o do sol, que acompanhava Batalha. Ás vezes travavam-se verdadeiras luctas com as duas partes. O partido de Mourisca era todo pela arte e classisismo, o de Batalha pelo arrojo e valentia.

Mourisca foi eximio na lide a ferros curtos, que empregava sempre aos pares, pois reconhecia ser um erro o collocar um ferro de cada vez. Assim executou algumas vezes lides completas em corridas de seu beneficio.

Com a retirada de Mourisca, porém, tão artisitica fórma de tourear cahiu no desuso, não porque não tivesse razão de ser a opinião do mestre - que elle baseava e defendia em o bandarilheiro sahir sempre aos touros com um par de ferros de cada vez -, mas porque é mais difficil collocar um par do que meio, e a quéda de um ferro traz desaire para o lidador.

Manuel Mourisca ha muitos annos que se encontra retirado das lides; entretanto, ainda em 1908, na tarde de 2 de agosto, veiu ao Campo Pequeno tourear dois touros, revelando-se o mesmo toureiro intelligente e de raro saber de então.


Alfredo Tinoco da Silva, que nasceu em Lisboa a 5 de Julho de 1855, foi o mais gentil e o mais garboso dos cavalleiros que teem pisado arenas portuguezas.

Enthusiasta pelo divertimento desde os mais tenros annos, foi na demolida praça do Campo de Sant'Anna que fez por assim dizer todo o tirocinio do toureio que tanto honrou, desde o logar de neto, que nunca mais foi desempenhado como por elle, até o de cavalleiro, em que por demais elevou a nobre arte de tourear a cavallo, quer no seu paiz quer no estrangeiro.

Apresentou-se em Hespanha, França e Brazil, por bastas vezes, causando sempre desusado enthusiasmo.

Tendo começado por tourear obsequiosamente n'uma ou em outra corrida, de tal fórma o seu trabalho distincto se foi radicando no gosto e apreço dos aficionados que, comprehendendo-o Tinoco, o levou mais tarde a abraçar a arte como profissional. Essa resolução não podia deixar de ser bem acolhida, como foi, devido aos muitos meritos do notavel lidador.

Em extremo elegante, vestindo com distincção tanto a farda de toureiro como a casaca aristocratica, destacando-se a cavallo na arena como em passeio, Tinoco sobrelevou a todos os lidadores do tempo pela finura do seu toureio e raros conhecimentos.

Creando um publico seu, um publico especial, que via no brilhante artista o mais lidimo successor do celebre Marquez de Marialva, Tinoco vangloriou-se de poder contar com uma geração completa de admiradores, que o impunha ás emprezas em todas as corridas. Por isso, Tinoco só deixava de tourear quando não podia ou não queria.

Esse publico, porém, que tudo esquece, que glorifica artistas com a mesma facilidade como os inutilisa, um dia começou de hostilisar Alfredo Tinoco, tratando-o como a o mais infimo dos lidadores!

Tinoco, então, cioso do seu nome e do que valia, medindo o succedido em uma vil intriga, desgostou-se e começou a abandonar a arena. Não contente ainda, deliberou deixar o torrão patrio, não sabemos se em procura de novas glorias se da morte que havia de o fazer esquecer tanta ingratidão...

Fosse como fosse, ahi por outubro do anno de 1895 abandonava Lisboa, em direcção ao Brazil, sem tenção de voltar a tourear no seu paiz, vindo a fallecer no Pará a 16 de setembro de 1899.


Se o toureio a pé desde longa data vem atravessando grande decadencia, o de cavallo, porém, em todas as épocas tem estado florescente, sendo cultivado quer por artistas quer por amadores, alguns dos quaes da aristocracia, e todos o teem mantido de fórma a não poder notar-se o seu enfraquecimento; antes, pelo contrario, podemos mencionar que tem grangeado justa fama, até mesmo no estrangeiro, onde os cavalleiros portuguezes gosam da reputação de inexcediveis n'esta parte da arte tauromachica.

Um dos que mais concorreu para esse brilhantismo foi, sem duvida, D. Luiz do Rego, que descende de uma das mais illustres familias da sociedade portugueza.

Difficilmente elle esquecerá as provas de elevado apreço em que foi sempre tido na praça do Campo de Sant'Anna e na praça de Madrid, onde, em companhia de Tinoco, lidou touros em pontas, merecendo o mais enthusiastico applauso nosso e dos nossos visinhos. Muitas vezes o publico ficava indeciso se devia n'elle admirar mais a sua coragem e conhecimento da arte tauromachica ou os seus poderosos recursos como cavalleiro, pelo modo como dominava sempre o corcel que montava, despertando a admiração e applauso ainda dos maiores entendedores, a maneira como subjugava o famoso Leotard, o seu favorito cavallo de combate.

D. Luiz do Rego executou com proficiencia todas as sortes do teoureio a cavallo, algumas das quaes já haviam quasi cahido no esquecimento, e foi, tambem com Alfredo Tinoco, um dos cavalleiros contratados para inaugurar a praça da rua de Pergolèse, em Paris, em 1889. Tendo-se retirado do toureio pouco depois, foi geralmente sentida a sua falta.

O distincto toureiro, que conta actualmente cincoenta annos, nasceu em Lisboa a 31 de agosto de 1859, foi o companheiro inseparavel, em tardes e épocas consecutivas, de Alfredo Tinoco. Ambos começaram como amadores, e ambos terminaram como artistas.

Depois que se retirou da arena, tem-se apresentado uma ou outra vez, simplesmente em corridas de caridade.


Francisco Carlos Batalha nasceu em Lisboa a 18 de fevereiro de 1841. Foi um cavalleiro valente até á temeridade.

Conhecia as regras da equitação como poucos, sendo educado n'esta arte pelo professor Antonio de Figueiredo, a expensas do marquez de Castello Melhor. No toureio teve como mestre João dos Santos Sedvem, de quem recebeu as melhores lições, e que tinha verdadeira predilecção pelo discipulo.

Valente como era, essa qualidade fez-lhe crear um partido de admiradores tão numeroso como especial, que o idolatrava, frequentando simplesmente as corridas em que elle tomava parte. Esse publico era o do sol; e ás vezes tão fanatico se mostrava pelo popular toureiro, que ultrapassava os limites.

Certa tarde, por exemplo, em que toureava no Campo de Sant'Anna com Mourisca, e cabendo a cada artista dois touros, os seus amigos e admiradores não consentiram que Mourisca lidasse o segundo que lhe pertencia, exigindo que fosse toureado por Batalha! Apesar dos protestos, os partidarios de Mourisca não conseguiram fazer respeitar o programma!

Batalha foi um cavalleiro distincto, de recursos e muito saber, mas tambem immensamente infeliz. Póde dizer-se que durante o largo espaço de tempo que exerceu a sua profissão, mesmo depois dos cavalleiros começarem a ter cavallos proprios, nunca teve um animal verdadeiramente para toureio. Em compensação, não tinha duvida em montar o primneiro que lhe apparecia, e sahir com elle á arena! E quantas vezes o fez! De muito lhe valeu, para isso, os raros conhecimentos que possuia da equitação.

Uma doença cerebral pôz termo á vida do infeliz artista a 7 de abril de 1882, na casa que habitava nas Escadinhas de São Lourenço.


José Maria Casimiro Monteiro foi um cavalleiro habilidoso e elegante, digno companheiro de Manuel Mourisca. Nasceu em Lisboa a 8 de abril de 1850.

Conscienciosissimo no seu trabalho, nunca procurando as palmas nos artificios mas simplesmente em fazer arte, todo o publico estimava e respeitava Casimiro Monteiro como a poucos, classificando-o de artista completo. Toureava muito de cara e aproveitava bem as gaiolas, e foi no seu tempo o cavalleiro que com mais precisão executou a sorte á tira.

Lidando a ferros curtos, acompnhava a opinião de Manuel Mourisca, o Mestre, empregando sempre um par de cada vez.

É do conhecimento de todos o gosto que possuia na apresentação das suas montadas, chegando a reunir quatro rquissimos apparelhos de cortezias, bordados a ouro e a prata: isto só prova o amor que mantinha pela sua arte querida, adorando a carreira que seguira e de que era apostolo fervoroso.

Como n'outro logar dizemos, deve-se a Casimiro Monteiro a substituição dos antigos trajos de picaria, que os cavalleiros usavam, pelas vistosas e flamantes vestimentas de agora. Foi elle quem primeiro começou a usal-as, seguindo depois os outros o exemplo na adopção do trajo á Marialva, trocando as polainas pelas botas altas.

Casimiro Monteiro deixou de tourear ha muitos annos, em virtude da avançada edade e falta de vista.


Antonio Maria Monteiro foi um cavalleiro que teve algum renome, comquanto nunca chegasse a alcançar o grau artistico que na arte de Vimioso obteve seu irmão Casimiro Monteiro.

Muito destemido, chegando até a fazer alarde da sua valentia, Antonio Monteiro era dos artistas que annualmente mais corridas toureava.

Nas suas festas artisticas conseguia sempre fazer uma revolução no meio, taes eram as idéas mirabolantes que apresentava no cartaz para chamar concorrencia, sahindo-se geralmente bem succedido.

Antonio Monteiro nasceu em Lisboa a 13 de junho de 1850, vindo a fallecer de uma doença mental, no manicomio de Rilhafolles, a 5 de dezembro de 1888.


D'esse honroso grupo de cavalleiros que pisaram a extincta arena do Campo de Sant'Anna, é José Bento de Araujo actualmente o unico representante em exercicio.

Justamente consagrado pela critica e aficionados d'esse tempo, como ainda agora pelo publico que frequenta as nossas praças, José Bento (de Araújo) soube sempre impôr-se pela valentia e desejos de agradar, salientando-se muitas vezes ao lado de collegas de superior categoria.

José Bento de Araujo obteve em todas as épocas grande popularidade, o que, junto aos seus meritos incontestados, fez com que alcançasse um bom logar entre os mais distinctos cavalleiros portuguezes.

Rijo como poucos, alegre na arena, possuidor de invejaveis faculdades apesar dos seus cincoenta e sete annos, pois nasceu em Lisboa a 16 de janeiro de 1852 é ainda dos toureiros que presentemenet mais agrada e enthusiasma os publicos.

Como piadista é unico, fazendo ás vezes rir o publico a bandeiras despregadas, e correndo os seus ditos de bocca em bocca por largo espaço de tempo...


Augusto Calhamar Pinto e Silva, mais conhecido pelo Pintasilgo, embora alternasse com os cavalleiros mais antigos e de mais nomeada da sua época, nunca chegou a salientar-se. Entretanto toureou muito, quer em Lisboa quer nas praças da provincia, e principalmente na do Porto e Santarem, das quaes por bastas vezes foi emprezario.

Calhamar nunca teve cavallos de toureio: ou os alugava quando tinha que trabalhar, ou, em casos de grande aperto, recorria á primeira feira, onde comprava uma ou duas montadas, para logo depois as vender.

CARLOS ABREU

In SERÕES - REVISTA MENSAL ILUSTRADA, Lisboa - Novembro de 1909