9 DE AGOSTO DE 1896 – RIO DE JANEIRO: A SEGUNDA CORRIDA DA TEMPORADA CARIOCA CONTOU APENAS COM A PRESENÇA DE UM CAVALEIRO – O GRANDE ALFREDO TINOCO


 

Biblioteca nacional do Brasil

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TOURADA

Outra enchente á cunha, hontem na praça do Boulevard. Nem é para estranhar que tal acontecesse, á vista do exito da primeira corrida e de estar annunciada a estréa do cavalleiro Tinoco.

Antes de começar a corrida deram-se dous inciddentes que de algum modo excitaram o publico. Em uma das trincheiras appareceu um lacráo e tal foi o medo desse terrivel animal, que provocou uma grande agitação até ser morto. D’ahi a pouco appareceu fumo em outro ponto da trincheira. Grande alarma e grande susto.

Um forcado foi ao local e arrancou uma taboa que estava ardendo. Entretanto já havia pessoas dos camarotes que se preparavam para sahir, como se fosse possivel haver incendio na praça, sem que todos tivesssem tempo e muito tempo de se libertar tranquillamente do perigo.

Serenados os espiritos, começou a corrida e appareceu na arena, para as cortezias do costume, o cavalleiro Tinoco, com todo o cortejo da lide.

Feitos os cumprimentos, durante os quaes o jovem cavalleiro foi enthusiasticamente saudado, começou o combate.

O primeiro touro sahiu bom, mas um pouco conhecedor do officiio. Logo á sahida da jaula Tinoco metteu-lhe a preceito uma farpa.

E depois, sem grandes solicitações, outra, e mais outra, e mais outra. O bicho estava excitado e arremettia para o cavalleiro. Era um animal que o ferro não conseguia desviar do seu impeto.

Tinoco, por duas vezes, com grande audacia e quiçá com bastante confiança no cavallo, metteu-lhe dois ferros curtos.

O espada Colon fez então alguns passes de capote e uma navarra com bastante limpeza.

Por duas vezes o corpo de forcados avançou para o touro, e por duas vezes elle sacudiu os que tentaram pegal-o. Afinal, o Cara Linda cahiu-lhe entre os chifres, segurando-se com grande energia, o que lhe valeu uma ovação.

O segundo touro, nacional, sahiu com alguma bravura, mas difficilmente se prestou. Os bandarilheiros Gonçalves e Hermano puzeram-lhe alguns ferros, uns regularmente, outros mal postos.

O terceiro touro Colon esperou á gaiola e fez o salto de cima de uma mesa.

O animal era vivo e pulou a trincheira falsa. Depois o mesmo artista metteu irregularmente alguns ferros e, fazendo em seguida alguns passes de muletas, tentou a morte simulada, falhando-lhe inteiramente o golpe.

Tocou o signal de pegar á unha e dous forcados foram derrubados. Foi ainda o Cara Linda quem segurou o bicho com grande valentia.

O quarto não ddeu para nada e foi substituido por outro que para pouco deu. Apenas levou alguns ferros sem arte, e passado á capa foi pegado, não de cara, mas a má cara, quando estava philosophando.

O quinto levou alguns ferros dos bandarilheiros, postos muito ao acaso.

O sexto touro era um animal formosissimo e bravissimo, leal e puro. Tinoco aproveitou-o galhardamente, desde a sorte da garrota até ao final, com farpas e ferros curtos, o que era tanto mais arriscado, quanto o animal, desprezando os ferros, seguia o cavallo com insistencia. Ahi notámos a deficiencia da lide da arena.

Ás vezes está ella cheia de capas que distrahem o touro, outras vezes os ccapas apparecem tardiamente para fazer o seu officio. Como se trata de corridas a valer, com touros bravos e artistas como Tinoco e José Bento (de Araújo), é bom que haja mais cuidado n’estas cousas, para que o nosso publico, que inquestionavelmente tem predilecção por este genero de divertimento, o saiba devidamente aprreciar.

A segunda tourada foi mais completa do que a primeira, embora Colon e os artistas de pé estivessem menos felizes.

Tinoco é um cavalleiro ousado, elegante e perito. Todos os seus ferros foram postos com grande preceito.

Agora uma reclamação: ha na praça um camarote com o distico Imprensa.

Hontem estiveram alli pessoas que nada têm a ver com a Imprensa. Como se póde dar algum abuso, chamamos para o caso a attenção da empreza.

E ainda outra reclamação: ha na praça mais de sessenta camarotes. Entretanto, para esses logares só ha duas escadas. D’essas escadas, dous lances são communs aos espectadores de outros logares. Não precisamos apontar os inconvenientes quwe d’ahi resultam. Está no proprio interessse da empreza evital-os, pondo mais de uma escada directa para os camarotes. Estamos certos que ella attenderá a tão justa reclamação, sem que para isso seja officialmente intimidada.




In GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro – 10 de Agosto de 1896