Almada
Com pouco mais de meia entrada, effectuou-se na segunda feira na praça de Almada a tradicional corrida da segunda-feira dos Cyrios. Apezar dos vapores transportarem para a Outra Banda milhares de pessoas que se iam divertir, a praça não logrou encher-se como era costume nos annos anteriores. É verdade que o anno passado já tinha acontecido o mesmo. Foi então a primeira vez que isto succedeu.
Nos cartazes e programmas apparecera annunciado o cavalleiro Alfredo Tinoco e o grupo de forcados amadores dirigido por Armando da Fonseca. Nem um nem outros se exhibiram. O cavalleiro foi Adelino Raposo e os forcados os do Fressura.
A corrida foi muito regular e pode-se mesmo dizer boa. Os touros dos acreditados lavradores Robertos cumpriram, apparecendo mesmo alguns bravos.
O cavalleiro pouco fez que augmentasse os seus creditos. Foi colhido duas vezes, uma d'ellas perdendo estribos e com respeito a trabalho que podesse ver-se, nada fez.
Dos bandarilheiros sobresairam Theodoro e Cadete, principalmente o primeiro, que além de bandarilhar com correcção, passou de capote e muleta muito regularmente, e por isso merece os maiores elogios, pois bem demostra a boa vontade que tem de se tornar conhecido como artista, que sabe mais alguma coisa que bandarilhar. Theodoro possue incontestavelmente um dom especial para o toureio e se seguir aquelle caminho, virá a ser um artista dos que não ha e tanta falta fazem.
Cadete bandarilhou muito bem, mas com franqueza, lamentamos que não vá mais além de bandarilhar, dedicando-se a passar, com o que muito ganharia em todos os sentidos. O publico applaudio-os e com justiça.
João Roberto bandarilhou bem, sendo applaudido.
Roberto Junior, apezar de ser filho de peixe... não sabe nadar. Desmancha se todo, não vê chegar os touros e sobretudo não levanta os braços o que é um defeito notavel.
Os amadores Ramos e Gonçalves teem boas disposições para o teoureio : bandarilharam bem, sendo applaudidos como mereciam.
Apenas houve duas pegas dignas de menção : uma de cara e outra de costas feita pelo Fressura, como nunca vimos. Foi de lado nas astes do touro, sem ajudas, aguentando-se valentemente. Foi alvo d'uma grande ovação.
Houve um grande borborinho entre o publico e o director da corrida o sr. Cruz por não querer mandar pegar o 5.º touro. Uma algazarra infernal. Como era intervallo, o director da corrida levantou-se e na sombra dirigiu-se a um espectador, que o tinha insultado na sua vida particular — certamente é digno de censura todo o individuo que usa de tão repugnante expediente n'uma praça de touros — e mandou-o prender, no meio dos protestos do publico, prisão esta que não foi mantida. Quando o sr. Cruz ia a retomar o seu logar, foi recebido no meio de grandes apupos, vendo-se o administrador na necessidade de o chamar ao camarote e ir o cavalleiro José Bento (de Araújo) acabar de dirigir a corrida, terminando assim o conflicto.
O sr. Cruz foi acompanhado até á ponte dos vapores por uma força da municipal.
Em resumo : uma boa corrida animada, com borborinho e algumas carteiras roubadas.
D. JOSÉ TENORIO.
In A TOURADA, Lisboa - 2 de Setembro de 1894