17 DE JUNHO DE 1894 - LISBOA : UMA CORRIDA COM TOUROS MANSOS E... PÚBLICO DESCONTENTE

 


Biblioteca nacional de Portugal

 Chronica das touradas

CAMPO PEQUENO

11.ª corrida da epocha. — Espada : Francisco Navarro, Quinito. Touros do sr. commendador Paulino da Cunha e Silva.

            Mais um desastre foi a corrida de domingo. Não ha meio de assistir a uma tourada boa, embora ella esteja recheiada dos maiores attractivos. E deve-se isso simplesmente aos touros que ali são lidados. No domingo foi a 11.ª corrida da epocha e são 10 os nomes dos lavradores que teem apparecido nos cartazes, e, com raras excepções, todos teem passado pelo desgosto que o sr. Paulino da Cunha soffreu. Não ha touros, é voz geral, e parece-nos que é uma triste verdade. De que serve uma corrida com elementos primorosos, se lhe falta a materia prima para complemento da boa obra. No emtanto, o que é certo é que nas praças de fóra se correm todos (touros ?) bravos. Allega-se que as gaiolas dão cabo dos touros. Acreditamos e combatemos aquelle systema de conducção. Se d'ahi é que parte o mal, acaba se com elle. Diz-se que o governador civil se não importa que o gado venha a pé, logo que hajam as necessarias precauções e que os lavradores queiram. Aqui é que bate o ponto e, segundo se affirma, elles é que não concordam. E porquê? perguntamos. Pois devem querer, devem procurar todos os meios de bem servir o publico, e não é só pensar nos seus interesses, não se importando que o povo, que paga, seja lesado com os maus touros que ali teem apparecido. Os lavradores, dando assim uma prova de sua lealdade e boa fé, devem ser os primeiros a trabalhar para que o gado venha a pé. Conseguido isto, se sahir da mesma qualidade, então é que se póde affirmar que não ha touros. Querendo os lavradores, tudo conseguirão, para bem dos seus creditos. N'outro logar d'este jornal tratamos tambem d'este assumpto.

            Não merece discripção muito longa a corrida de domingo, — e, como luctamos com falta de espaço, por isso a resumimos o mais possivel — não deixando de dizer no emtanto que podia ter sido magnifica, se os bois do sr. Paulino da Cunha tivessem marrado. Mas como na maioria sahiram mansos, eis o principal para que a tourada fosse um desastre para a empreza e um fiasco para o lavrador.

            Dos cavalleiros sobresahia Tinoco, que aproveitou com arte os dois touros que lidou, pondo ferros muito bons, principalmente no 2.º, que collocou 3 ferros curtos, sendo o ultimo magistral. O distincto artista foi muito applaudido.

                      O espada Quinito agradou muito ao publico. O vento prejudicou o seu trabalho de muleta, mas no emtanto teve passes de peito admiraveis, sendo colhido sem consequencias. O 6.º touro, que lhe sahiu, era manso de todo, por isso foi para o matadouro e veiu depois outro um pouco melhor. É muito trabalhador e muito attencioso. Agradou e o apublico applaudiu-o freneticamente.

            Os seus bandarilheiros pouco fizeram. Um d'elles, Pipo, foi colhido á gaiola quando tentava um quiebro, mas sem consequencias.

            Dos nossos artistas sobresahiram Theodoro e Cadete, que bandarilharam bem os 2 touros que lhe pertenceram, Cadete teve uma gaiola magistral, cuja sorte offereceu ao sr. Jayme Henrique. O publico applaudiu-os. Calabaça teve uma gaiola tambem boa e 2 pares rasoaveis. Minuto teve alguns pares muito bons. Tambem ouviram palmas.

            Pegas... 2 por junto.

            Direcção, muito demorada e incerta. Deixou andar um touro na praça mais de meia hora para ser pegado á volta, para afinal ser recolhido, sem os forcados fazerem nada.

            Em resumo, touros mansos, e o publico descontante. Entrada, meia praça.

            Á corrida assistiram Sua Magestade El-Rei e o sr. Infante D. Affonso.

D. JOSÉ TENORIO.


In A TOURADA, Lisboa - 21 de Junho de 1894