Apresentamos na nossa gravura o mais moderno bandarilheiro de alternativa, que pisa as arenas portuguezas e um dos laureados e com direito a logar de primeira linha, na pleiade dos artistas de valor, infelizmente bem diminuta, que possuimos.
É uma das esperanças da salvação do prestigio e brilhantismo do mais popular e empolgante torneio nacional, tão suffocado pelas emprezas pouco escrupulosas e pelos creadores de gado bravo, menos meticulosos com os meios que empregam para conseguir o fim que desejam.
Nasceu Filippe Thomaz da Rocha em Lisboa, em 26 de outubro de 1876, contanto, portanto, 26 annos incompletos
Em 1893 teve logar a sua apresentação em publico, na extincta praça da Cruz Quebrada, em uma corrida organisada pelo aficionado João Carlos Martins, merecendo as honras da tarde, pelo seu trabalho, excellentes disposições e serenidade, que manifestou para o toureio.
Até ali tinha Filippe experimentado a sua vocação brincando com o gado bravo, que era abatido no matadouro municipal de Lisboa, onde estava empregado na casa da matança, divertimento que lhe valeu, por vezes, reprimenda dos superiores. Depois da estreia auspiciosa de amador, desejando proseguir, tomou parte ainda em tres corridas, até que na quarta, effectuada em Aldegallega, soffreu violenta colhida e abandonou por algum tempo a carreira encetada.
Conhecendo o distincto aficionado da velha guarda, sr. Joaquim Pedro Monteiro, as faculdades de que dispunha Thomaz da Rocha, proporcionou-lhe, pela sua influencia, a admissão em umas novilhadas que se realisaram na praça do Campo Pequeno e de novo, entra com o pé direito na perigosa arte, toureando ali e nas provincias com excellentes resultados praticos , mas baixa compensação pecuniaria, que quasi sempre se regateia, como que para animar o retrocesso.
Contracta-se depois com a empreza de Alfredo Tinoco e José Bento (de Araújo) e segue para o Rio de Janeiro, toureando nas temporadas que tiveram logar durante um anno na praça de Campos, e seis mezes na do Pará, onde se conservou até á morte do mais fulgurante vulto do toureio equestre o desditoso cavalleiro Alfredo Tinoco.
Seguidamente regressou a Lisboa em 1899 e sendo patrocinada pelo arrojado cavalleiro José Bento d'Araujo a sua entrada nas corridas organisadas pela empreza Batalha, na praça d'Algés, toureou em diversas tardes, tomando a alternativa n'esse mesmo anno, na segunda corrida da temporada da empreza de Antonio Infante, no Campo Pequeno.
Estão bem na memoria de todos os aficionados, os progressos e estudo de Thomaz da Rocha, nas épocas de 1900 e 1901 e para assegurar o seu valor na difficil arte de que é ornamento, basta ter da sua carreira artistica a recordação do assombroso cambio que executou na corrida do eximio cavalleiro Fernando d'Oliveira, no anno findo, o trabalho magistral que teve na tarde da sua primeira festa artistica, no mesmo anno, e as duas corridas com que encerrou a época finda no Campo Pequeno, promovias por J. Passos e o antigo cavalleiro Calhamar.
Thomaz da Rocha não é, por emquanto, um toureiro completo por falta de margem e tempo para isso, contrariando-o a pouca robustez para peão de resistencia, mas é, bandarilhando, um dos artistas mais correctos e elegantes e que com melhor planta de toureiro nos é dado observar.
Procura com intelligencia as rezes, busca variar as sortes, fugindo á monotonia d'algumas, para mostrar cambios primorosos e trabalhos de difficuldade e luzimento, sem abusar da «moñada» e temeridade para arrebatar o publico.
Não é facciosismo pelo artista que nos conduz á expressão de quanto temos dito, porque a verdade das nossas palavras é evidenciada por todos os criticos mais abalisados e insuspeitos nas suas resenhas e artigos sobre tauromachia, estando tão provada a vontade de progredir e agradar e ainda a modestia de Thomaz da Rocha, que para a mostrar com segurança, bastará dizer : que sendo contractado por uma commissão para tomar parte em uma corrida que se realisou no anno passado em Algés e sendo-lhe imposta a condição de executar uma determinada sorte que seria annunciada para réclame, Rocha não acquiesceu, allegando que a sua vontade, desejando fazer carreira, consistia em brilhar quanto podesse no seu trabalho para captar a sympathia do publico e das emprezas. porque se estas lhe facilitam por isso os contractos, aquelle os proporciona, applaudindo e dando valor ás diligencias que empregar.
A sua recusa louvavel deu margem a que o contracto fosse fechado sem a condição, porque bem sentenciosamente suppoz Thomaz da Rocha que se as rezes que lhe pertencesse lidar se não prestassem ao trabalho annunciado, o publico ficaria descontente e elle faltava ao compromisso com razão, aliás justificada, mas infelizmente bastas vezes mal recebida por parte do público.
O
caracter, fino tracto e excellentes dotes de coração de Thomaz da Rocha são de
sobejo conhecidos e por isso nos abstemos de os mencionar, limitando-nos a
referir que tão justamente apreciado e festejado artista é um dos poucos que
não discute o seu trabalho nem faz alarde do valor incontestavel que tem, para
armar ao effeito, e fora das arenas ou trata dos seus contractos ou gosa, dando
largas ao espirito fino e chistoso com que aprazivelmente. é recebido pela
infinidade de amigos e admiradores que possue.
18 - IV —
902.
A.S.R.
In REVISTA TAURINA, Lisboa - 20 de Abril de 1902