20 DE SETEMBRO DE 1896 - RIO DE JANEIRO: UMA CORRIDA À ANTIGA PORTUGUESA (na imprensa brasileira)


Biblioteca nacional do Brasil


A tourada de hontem

A tourada de hontem, promettida á antiga portugueza, foi satisfatoriamente concorrida. Sol e sombra estavam repletos.

Ás 4 horas o Sr. Joaquim Teixeira Cardoso, servindo de neto, fez as mesuras do estylo; entrou a cuadrilha, e começou o toureio.

Notou-se desde logo em que consistia a lida á "antiga portugueza". O Nelo, especie de cavalleiro andante ou de moço escudeiro, recebe as ordens do intelligente, e dispara o corsel para transmittil-as. Não sae da praça: mantem-se junto á "casa da guarda." Não se ouve o clarim: é elle o annunciante de todas as deliberações.

Tambem os moços de forcado não vêm sosinhos, vêm acompanhados por uma "azemula" que carrega dois parallelipipedos de 100 centimetros quadrados de base, e metro e tanto de altura; parecem caixão de defunto (á antiga); e chamam-se "caixas das farpas"!

Ainda mais. Os moços de forcado não ficam do lado de dentro, ficam da parte de fóra, juntos e com os forcados em riste contra o touro.


O primeiro animal saiu do curro ás 4 e 10 minutos. Preto e um pouco ousado, com quanto se resentisse de lides anteriores, deu opportunidade para Alfredo Tinoco lhe metter 5 farpas e 3 ferros curtos. Contra o Nelo investiu a féra uma vez; e o Nelo, vendo o cavallo pegado a meio, defendeu-se, mettendo-lhe em pleno cachaço a farpa que empunhava, com o que fez o touro ajoelhar e livrou-se do perigo.

Colon passou-o á capa com certa dextreza.

O 2º, destinado a Carlos Gonçalves e Carlos Silva, era um boi malhado, castrado, espantado, que se negou a todas as sortes e foi recolhido com um só ferro. Veiu outro, branco, por elle, que nem um ferro levou. E sob a mesma vaia de assobios appareceu um 4º touro malhado. Veiu outro ainda, castrado, branco, fugitivo como os outros, mas que, depois de levar uns ferros algum tanto á força, espertou e foi bem pegado á unha pelo afamado Cara Linda.


O 6º touro, 4º do programma, era portuguez, negro e de boa reputação na arena, onde já é muito conhecido. Elle tambem provou muito conhecel-o; e, sò para não desmentir um passado de sortes magnificas, prestou-se a receber de José Bento (de Araújo) 4 farpas e 3 ferros curtos, que produziram geral satisfação.

Depois do intervalo de 15 minutos, em que os forcados fizeram o costumado bando precatorio, o Nelo deu entrada ao 5º touro do programma, que foi entregue a Alfredo Tinoco.

Era uma boa féra, resentida como os outros bois portuguezes do castigo de nove corridas consecutivas. Foi de encontro aos forcados e, com a testa, quebrou a meio o páo de um e arrebentou o ferro do outro. Retiraram-se os homens da arena por terem ficado dois desarmados.

O bem adestrado cavalleiro metteu-lhe duas farpas e seis ferros curtos.

O 8º touro da corrida, 6º do programma, era um pampa, que depois de alguns ferros mal mettidos por C. Gonçalves e M. Bravo, andou a dar umas cambalhotas com a sua mania de pular a trincheira. Colon passou-o de capa e fez a sorte de espada; o intelligente mandou pegar á unha o animal, no que foi obedecido pelos forcados.

O 9º touro castrado, branco, negou-se á sorte da vara. Bandarilhado por Luiz Homem e Carlos Silva, foi tambem pegado á unha.


Com o 10º touro José Bento (de Araújo) fez prodigios de valentia. Animal preto, um pouco parado, custava a decidir-se n'uma arremettida; e o cavalleiro chamava-o, provocava-o intrepidamente, forçando á sorte, que era geralmente coberta de estrepitosos applausos. O publico ficou satisfeito com o modo por que José Bento (de Araújo) tirou partido desse puro sangue damnado, feroz, que a lide constante já tornou de certo modo matreiro.

Tendo recebido o baptismo do primeiro touro, o Nelo recebeu a extrema-uncção do ultimo. E, bem montado como se achava, houve-se com pericia, evitando o animal.

Ás 5 3/4 estava acabada a festa, e retiravam-se os 8.000 espectadores, que enchiam o amphytheatro.

In O PAIZ, Rio de Janeiro - 21 de Setembro de 1896