16 DE AGOSTO DE 1896 - RIO DE JANEIRO: MAIS UMA CORRIDA FANTÁSTICA (na imprensa brasileira)


Biblioteca nacional do Brasil

A tourada de hontem

A tourada de hontem foi a quarta na ordem quantitativa, mas póde-se affirmar que foi a primeira na ordem qualitativa.

Não será exagerado mesmo dizer que no Rio de Janeiro, no Brazil, ainda não foi apreciada uma festa tauromachica de tamanho brilho e que tão completamente satiosfizesse os afficionados.

Ás 3 1/4 da tarde já quasi não havia logares no vasto amphitheatro; e foi dado o signal para a apresentação da cuadrilha e dos cavalleiros directores. Estes impressionaram agradabilissimamente pelo seu porte irreprehensivel e seus luxuosos costumes de rigoroso modelo Luiz XV.

Feitas as cortezias da pragmatica, cada um tomou conta do seu posto, e entrou Alfredo Tinoco na arena, montando corcel menos ricamente ajaezado que o primeiro, mas tão elegante e soberbo.


Ás 3 horas e 25 minutos o curro vomitava um animal preto, aggessivo, que foi logo sobre o cavalleiro e recebeu em pleno cachaço uma farpa bem mettida. Era um touro esperto que trazia todos os bandarilheiros de olho vivo, quando elles se espalhavam para chamal-o aos pontos onde o desejava o cavalleiro.

Depois de bem enfeitado com ferros longos e curtos, foi panado á capa, e o intelligente mandou vibrar no clarim o signal de "pega á unha". Foi um desastre.

O touro não havia sido convenientemente inutilisado nos voltoios da capinha, e investiu fogoso contra os forcados levando-os de roldão pela arena. O intelligente era então, gerlamente vaiado, porque não era o animal proprio para a "pega", nem por suas condições proprias, nem depois de ter sido lidado pelo cavalleiro.


Houve um forcado teimoso, e recebeu tão forte marrada, e foi tão violentamente arremessado ao chão que teve de sair em braços, e não voltou á lide. Um touro que por sua valentia podia deixar todos bem impressionados, saiu da praça sob um alvoroço de raivas contra a má direcção da corrida.


O segundo animal destinado a Carlos Silva e Luiz Homem, era ladino, zangado, mas inaproveitavel. Boi castrado, limitou-se a pular na arena, evtando os bandarilheiros, que a muito custo lhe arrumaram alguns pares de ferros. Não era um touro, mas não se póde dizer quer era um boi manso.

O terceiro, portuguez, e do creador Luiz Patricio como o 1º, era um animal negro e atrevido, um pouco velhaco no modo de arremetter. Para farpeal-o apresentou-se o cavalleiro José Bento de Araujo, que lhe metteu, a seguir, quatro ferros compridos, e, depois de varias peripecias, dois ferros curtos lançados com destreza ao cachaço do touro que tinha a perseverança de correr atrás do cavallo, chegando a tocal-o algumas vezes. O enthusiasmo que touro e cavalleiro produziram, arrancou geraes acclamações.

Passado o intervalo, veiu o 4º touro, do Laranjal, para ser bandarilhado por Gonçalves e Silva. Castrado, mas espertissimo, pulando muito, prestou-se a algumas sortes, perseguia com insistencia os que o picavam, e foi, pelos moços de forcado, muito bem pegado á unha.


O 5º touro, do Laranjal tambem, era para o espada Colon e foi escorado á vara pelo bandarilheiro Brabo, mas negou-se a tudo, em virtude do que foi corrido pela mais estrepitosa vaiai. A empreza deu outro castrado tambem, pello vermelho, o que só deu logar a Colon metter-lhe um ferro em máo logar. Quebrado á capa, foi seguro por um moço de forcado que o derrubou. depois para não fazer de todo má figura, para não manchar a corrida, offereceu opportunidade para uma bem feita "pega".

O 6º touro, portuguez, do criador Emilio Infantil, destinado aos dois cavalleiros, foi um estupendo successo.

Negro, ligeiro, valente, recebeu de Alfredo Tinoco um bom ferro, logo depois outro de José Bento (de Araújo); perseguiu com tenacidade vertiginosa os dois animaes que os toureiros montavam; deu o cachaço a outra farpa de Tinoco, recebeu logo outra de José Bento (de Araújo); pulou, arrepellou-se todo, colerico, ameaçador; e, na impossibilidade de alcançar os cavallos rapidos na fuga, saltou a trincheira n'um impeto diabolico.


Os 8.000 espectadores que assistiam á acompanhavam todas as peripecias com enthusiasmo delirante; ás salvas de palmas que coroavam os feitos de destreza e coragem, succediam-se as gargalhadas pelos desatinos do furioso animal.

Abertas as portas falsas que dão para a arena, saiu a campo o touro; e, citado por José Bento (de Araújo), foi-lhe em cima destro e veloz, recebendo outra farpa, que lhe augmentou a irritação; correndo como féra bravia, perseguiu Tinoco, e este habil toureiro, de garupa, pregou-lhe nova farpa.

Não havia mais ninguem quieto em toda a archibancada e em todos os camarotes; o touro despertava vivo alvoroço; e acclamações phreneticas laureavam os artistas.


No entanto 6 vezes o touro pulou a trincheira falsa, perseguindo capas de cór viva, e quanta cabeça ahi lhe apparecia. Foi uma sorte alegre, uma série de accidentes animadissimos que substituiu com felicidade a falta dos artificios graciosos na lide tauromachica. De uma vez o animal precipitou-se justamente contra um empregado da praça que se achava de braço ao peito. Imagina-se que susto para o pobre homem, que, se não fez das tripas coração, fez do braço aleijado muleta para saltar fóra da trincheira, ao passo que o touro a galgava.

A festa encerrou-se ás 4 horas e 35 minutos da tarde, sob os applausos mais geraes e frenticos que em tempo algum reboaram na praça da rua de S. Christovão.

Boa tourada.


In O PAIZ, Rio de Janeiro - 17 de Agosto de 1896