7 DE SETEMBRO DE 1902 - ALGÉS : «GRANDE FESTA ARTISTICA» DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


Biblioteca nacional de Portugal

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 7 de Setembro de 1902

7 DE SETEMBRO DE 1902 - ALGÉS : «GRANDE FESTA ARTISTICA» DO DECANO DOS CAVALEIROS, JOSÉ BENTO DE ARAÚJO, QUE CONCEDE A ALTERNATIVA AO JOVEM JOSÉ LUIZ BENTO

 


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As alternativas e... as opiniões

            O que são as alternativas ?

            Que importancia deve conceder-se a esta cerimonia ? e o valor d'ellas qual é ?

            É dada pelas praças ou pelos artistas ?

            Se é dada pelas praças, temos então muito a discutir ; se é dada pelos artistas, então, tanta validade tem a que dá o João como a que deu o Pedro. Sim, em apparencia, tem alguma coisa a mais a que deu Guerrita, que a que concede Mazzantini.

            Só em apparencia, já disse, pois o valor é o mesmo.

            Mas se conceder-mos alguma importancia á opinião de que o valor da alternativa é segundo a praça em que é dada, perguntamos aos que defendem tal theoria : Badajoz e Madrid, citamos estas praças por hespanholas ; e portanto onde se encaram os asumptos tauromachicos sob o ponto de vista que se devem olhar.

            Guerrita concede a alternativa a um novilho só na praça de Badajoz a este novilheiro, no domingo a seguir outhorga outra alternativa na praça de touros de Madrid.

            Por razão natural, sendo a praça a que dá o valor, o novilheiro que concedeu a alternativa ficou revestido de maior auctoridade.

            São formas de ver e portanto differentes maneiras de pensar.

            Agora vamos nós tratar da alternativa annunciada, para hoje, domingo. É em Algés. Mas quem a dá?

            Pois ... outhorga-a o cavalleiro José Bento (de Araújo) ;

            José Bento (de Araújo) ?...

            Este artista é o decano dos cavalleiros que na actualidade toureiam. José Bento (de Araújo), é artista de indiscutivel cathegoria. Qual é pois, a causa, as rasões que se impõem a que não tenha validade essa alternativa ?

            É talvez a importancia da praça ?

            É que a de Algés tem menos valor como circo taurino ou é que a parte de architectura influe na seriedade do espectaculo ?

            Não é Algés Lisboa ?

            Não é o mesmo publico aquelle que este ?

            Não será o cavalleiro José Bento (de Araújo) em Algés o mesmo artista que é quando trabalha na praça dos quatro balões ? (NOTA : A praça dos quatro balões é a do Campo Pequeno, em Lisboa)

            Pois se é o mesmo artista, em uma praça como na outra, por que carapuça não se concede valor ao facto de outhorgar a alternativa na praça de extra-muros ?

            Nada.

            Deixemo-nos de partidos, de questões de sympathia, e animadversão. Encaremos esta questão tal qual é ; dé-se o valor que tem a cerimonia, e o que hoje é para um, amanhã será para outro, e não é um costume que se estabelece, mas sim uma lei que triumpha é razão que impera.

Fiastol

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 7 de Setembro de 1902

24 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : A CORRIDA COM «LA REVERTE» ACABOU POR SER UM DESASTRE, MAS O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO SAFOU-SE COM UMA «BELLA IDEIA»...

 


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RECORTES

Bella ideia teve o José Bento (de Araújo) em substituir a pala pelo laçarote de fitas...

            Não é tão feio e dá o mesmo resultado.

Emecé.

O cavaleiro José Bento de Araújo em Lisboa
FOTO : DR

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 31 de Agosto de 1902

10 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : FESTA DO BANDARILHEIRO THOMAZ DA ROCHA COM CAVALEIROS SIMÕES SERRA, MANUEL CASIMIRO D'ALMEIDA E JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 


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In REVISTA TAURINA, Lisboa - 10 de Agosto de 1902

20 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : DUAS TOURADAS COM VEDETAS ESPANHOLAS E PORTUGUESAS, O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO E O SEU TOURO DE ESTIMAÇÃO CAPIROTE...


 

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RECORTES

            Afinal tem havido para ahi uma salsada diabolica com a corrida de José Bento (de Araújo) !

            Uns dizem que é no dia 20 no Campo Pequeno, com a Reverte, o Capirote (NOTA : É um touro adquirido pelo cavaleiro José Bento de Araújo) e o Gallito-Chico... (NOTA :  Fernando Gómez Ortega «Gallito Chico»)

Fernando Gómez, Gallito Chico, pasando de muleta - Archivo ABC
https://www.abc.es/archivo/fotos/fernando-gomez-gallito-chico-pasando-de-muleta-6980196.html

            Outros que é em Algés só com a Reverte e Quinito.

            Afinal informações, que reputamos de todo o credito, dizem-nos que a tal corrida se desdobra em duas, sendo uma a 20 do corrente, no Campo Pequeno, com a Reverte, e Felix Velasco, e outra a 7 de setembro em Algés com o Quinito.

            ... Está claro que em ambas entra o Capirote...

Emecê

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 10 de Agosto de 1902

10 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : A FESTA DO BANDARILHEIRO THOMAZ DA ROCHA COM OS CAVALEIROS SIMÕES SERRA, MANUEL CASIMIRO D'ALMEIDA E JOSÉ BENTO DE ARAÚJO FOI UM DESASTRE...

 


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CAMPO PEQUENO

A festa de Thomaz da Rocha

            Se satisfez o beneficiado pelo bom resultado pecuniario, não satsifez o publico que ficou devéras mal impressionado com o curro de garraios (infezados alguns) que o lavrador de Almeirim Sr. A. Rodrigues Santo, se dignou mandar para a primeira praça do paiz, com a mesma sem ceremonia como mandaria para a extincta Cruz Quebrada (NOTA : A praça de touros de Algés foi edificada posteriormente).

            Lamentamos que se preze tão pouco o bom nome de um ganadero e que não haja remorso de consciencia, em se explorar tão ignobilmente o publico.

            A auctoridade para quem poderiamos appelar visto que visa os cartazes que annunciam touros e depois vê correr bezerros, essa cruza os braços e serve para tudo menos para exigir a responsabilidade a quem competir pela falta de seriedade nos contractos.

            Ha rigor e demasiado nos pequeninos casos ; aos, porém, de mais importancia não se lhe liga interesse algum.

            Se o que succedeu no domingo se desse em Hespanha a empreza era auctoada e esta por seu turno iria pedir a responsabilidade a quem pertencesse ; aqui repetimos, os abusos succedem-se, o publico vê-se ludibriado, aborrece-se a acaba por deixar de frequentar o divertimento.

            Isto é consequencia, da brandura de uns e dos poucos escrupulos de outros.

            Como resultado da má qualidade da materia prima, pouco temos a dizer do trabalho artistico : no entanto mencionaremos José Casimiro no 1.º touro que obrigou a marrar dando-lhe uma lide de mestre. O seu cavallo Rolito por duas vezes se virou para a esquerda e o distincto amador mudando de montada collocou dois ferros curtos bem apontados.

            Foi applaudido com enthusiasmo, assim como seu pae Manoel Casimiro, que achando-se ainda doente, se encontrava no sector 1.

            José Bento (de Araújo) e Simões Serra, deligenciaram bastante, mas ao primeiro coube um manso e ao segundo um tunante que metteu respeito ao cavalleiro.

            Da gente de montera houve de todos muito boa vontade.

            Theodoro Gonçalves, como sempre incansavel e saliente.

            Bandarilhando collocou bons pares sahindo para os dois lados, caso que merece mensção por ser extraordinario nos nossos artistas ; aproveitando um resalto teve um par bastante trazeiro, não sendo cado, no entanto, para as manifestações de desagrado da parte do publico, que outras vezes tão indulgente é.

            Thomaz da Rocha variou a lide em bandarilhas que não sahiu luzida como seria seu desejo, mas que mostrou ser feita com conhecimento e consciençia.

            Calabaças pae e filho, Saldanha, Torres Branco e Martins repetimos, todos com muito boa vontade.

            Apreciado este trabalho resta-nos dizer que na muleta pegou Theodoro uma unica vez no que fez muito bem e o capote vimos abril-o ao mesmo Theodoro, Martins, Torres e Rocha.

            Mas para não melindrar ninguem abstemo-nos de dizer o que vimos e se nos dão licenca limitar-nos-hemos a dizer que sentimos a falta de um toureiro hespanhol.

            Os forcados portaram-se bem, tendo Fressura executado uma pega de costas de muito effeito.

            O velho Botas a contento de todos, menos do emprezario Batalha, que no fim da corrida o estava reprehendendo não sabemos porque, mas calculamos que estaria desorientado com a manifestação ao Manoel Casimiro.

            Coitado, apezar d'aquelle enorme e balofo corpanzil, é um mesquinho em tudo, o nosso amigo Batalhinha.

Zé do Sol.

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

14 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : CORRIDA NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO COM MARÍA SALOMÉ «LA REVERTE», FÉLIX VELASCO E ARTISTAS PORTUGUESES, INCLUINDO O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


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Félix Velasco Díaz «Chico»
FOTO : Revista SOL Y SOMBRA, Madrid - 10 de Maio de 1900

NOTA : O espada (Matador) sevilhano «Felix Velasco» era Félix Velasco Díaz "Chico" - (1873 - 1923).

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

17 DE AGOSTO DE 1902 - ALGÉS : UMA POUCA VERGONHA... (2)

 


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Praça de Algés

            N'outro logar nos referimos á ultima corrida em Algés.

            Vamos agora dizer o que ella foi e quaes as impressões que nos deixou.

            É claro que o publico, apesar do reclame enorme feito á illuminação, já sabia de antemão que a claridade não poderia comparar-se á de uma tarde de sol, que é a condição mais essencial para uma boa tourada.

            O que, porém, ninguem esperava é que a escuridão fosse tão completa que das bancadas se não distinguissem as armas dos touros.

            Touros ?!

            garraios, se fazem favor.

            E a respeito de bravura, temos conversado ...

            A não ser o 8.º, que pertenceu a José Luiz Bento, e em que este manifestou a sua pericia e manifesta vontade de progredir, todos os outros eram uns miseros animaes, com todos os defeitos que poderiam ter, incluindo a mais completa desegualdade.

            Para a Reverte sahiu um vitelinho tão novo e tão mansinho, que o publico não consentiu que fosse lidado, sendo substituido por um mano, que pouco mais velho seria, mas que denotava ser um pouco mais bravo.

            Os cavalleiros José Bento de Araujo e José Luiz Bento portaram-se á altura dos creditos de que gosam.

            José Luiz, como acima dizemos, salientou-se no seu segundo, pela maneira de citar e rematar, tanto mais que não tinha quem o auxiliasse, pondo-lhe os touros em sorte.

            Dos bandarilheiros apenas ha a mencionar um par de Torres Branco e outro de José Martins.

            Luciano Moreira, que appareceu no redondel só ás cortezias e no 7.º touro, pouco fez, já porque o bicho se nãon prestou, já porque o artista não procurou bem.

            Calabaça e Varino receberam grossa somma de palmas por collocarem dois excellentes... brincos, no segundo.

            Na brega salientaram-se tambem José Martins e Torres Branco, estando aquelle incasavel (NOTA : incansavel) em toda a corrida.

            Os mais ... andaram muito tempo na praça, com os capotes a correr.

            Um dos forcados deu duas voltas ao redondel (NOTA : redondel), agarrado á cauda do touro e ... foi muito applaudido.

            O intelligentee, (NOTA : intelligente) está velho, tem a vista cançada e ... não se deve já metter em taes assados.

C.

Praça de Algés (no século XX)
FOTO : DR

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

17 DE AGOSTO DE 1902 - ALGÉS : UMA POUCA VERGONHA... (1)

 


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UMA BURLA

            É o unico titulo que pode dar-se ao que no ultimo domingo se passou na praça d'Algés !

            No tempo em que aquella praça era explorada por um emprezario que ali queria fazer reviver a da Cruz Quebrada, não era o publico tão torpemente enganado.

            Annunciaram os cartazes uma corrida de dez bravissimos touros, e o ali se viu foi apenas dez reverendissimos bois, alguns d'elles, senão todos, mais dignos de choupa que de garrochas !

            A auctoridade, que tão escrupulosa é sempre que se annuncia um espectaculo em qualquer theatro, não pôz duvida em pôr o seu visto n'um cartaz em que se annunciavam — dez bravissimos touros — quando a empreza tinha só dez mansissimos garraios para offerecer ao publico !

            Para a Reverte — que a empreza annunciava como sendo a unica artista que impunha como condição essencial nos seus contractos não terem menos de quatro annos os touros a ella destginados — largou-se um vitellinho que pela côr e tamanho mais parecia o cão do Freire Gravador, e que assim que se viu na praça começou — coitadito ! — a balir, a balir, para que o deixassem ir mammar nos uberes maternos !...

            O emprezario, ou quem o seu nome empresta á empreza, não teve mais remedio que fazer a vontade ao publico, que não consentiu que o innocente fosse picado ...

            Mas ha mais e melhor ...

            Um dos maiores reclames da corrida, se não o maior, era a tal brilhantissima illuminação de dez mil bicos de incandescencia, de fórma que na praça parecesse estarmos em pleno dia, como é de primeira necessidade para a lide de rezes bravas.

            Pois essa brilhantissima illuminação de 10.000 bicos era composta unicamente por 16 lanternões comportando cada um onze bicos, e um outro ao centro da praça, que teria, quando muito, trinta e tantos lumes, de fórma que, com uns quarenta, se tanto, dispostos pelos camarotes, prefaziam a conta de duzentos e cincoenta bicos.

            Ora, em boas contas, para dez mil, não parece que faltassem muitos ...

            No fim d'isto, apenas perguntamos se a estes factos não se póde dar o nome de burla !...

A praça de touros de Algés. O espaço é hoje um parque de estacionamento...
FOTO : Arquivo CML

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

20 DE FEVEREIRO DE 1888 - LISBOA : CARLOS TESTA, ALMIRANTE E DEPUTADO, DEFENDE NO PARLAMENTO DA PIOLHEIRA O FIM DAS TOURADAS, MAS O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO...

 


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CHRONICA

VIVAM AS TOURADAS!...

            Os jornaes de Lisboa noticiaram ultimamente, que o deputado sr. Carlos Testa, official da marinha portugueza, apresentará á Camara uma proposta pedindo a suppressão das touradas.

            Até aqui, nada de mais natural. O sr. Testa detesta as touradas ; tem voz dentro do parlamento ; e pede que as supprimam.

            A questão consiste em saber se o Parlamento vota a proposta (o que eu não creio) — e se o povo está disposto a submetter-se ao sentimentalismo piegas das Camaras... o que eu tambem não creio !

            As auctoridades competentes já supprimiram em Lisboa o repicar dos sinos e as procissões — o que é um idiotismo indiscutivel, attendendo a que em nome d'um falso espirito civilisador se supprimem os lados pittorescos d'uma capital, os aspectos caracteristicos e inoffensivos, emquanto que por outro lado só reina a banalidade, o crime e a vadiagem impudente. Antes de supprimir os sinos, por que não tratou o sr. Arrobas de supprimir os faias?

            Á suppressão dos sinos e das procissões, como a do Corpus Christi — o povo da capital não pôz opposição.

            Mas agora que pensam em supprimir os seus divertimentos favoritos — as touradas, e depois as festas populares das vesperas de Santo Antonio, São João e São Pedro — então o povo ha de vir para o meio da rua, e estou certo que não ha de ser nem a municipal, nem a policia, que lhe hão de metter mêdo...

            Que um Governador civil imprudente tente tocar-lhe nos seus divertimentos — e n'esse dia andará o Diabo á solta pelas ruas da cidade.

            Não respondo pelos vidros do palacio do senhor Governador !

            A proposta do illustre deputado o sr. Testa, o mesmo que contesta que possa ser um prazer d'homens civilisados ver metter um par de ferros no cachaço d'um touro — teria passado desappercebida, como frouxo grito d'um sentimentalismo d'importação, se um cavalleiro tauromachico portuguez não viesse provar dias deois ao sr. Testa, que n'uma praça de touros tambem ha mais espirito e humorismo do que n'um parlamento, e mesmo do que em muitos folhetins de folhetinistas na moda.

            O cavalleiro tauromachico José Bento d'Araujo vendo que um official de marinha e deputado, em vez de estudar questões maritimas ou coloniaes do seu paiz, passa no seu gabinete a estudar as questões tauromachicas — o que pensam os leitores que decidio o cavalleiro?...

            Estudar por seu turno as questões que dizem respeito ao ministerio da marinha ! E tratou de promover um meeting composto de todos os amadores de touradas, em plena praça do Campo de Sant'Anna, para pedir ao Parlamento que acabe com o uso da chibata a bôrdo dos nossos navios de guerra !

            A lição não podia ser mais fina, nem mais eloquente...

            Francamente, que não faço a menor ideia do espanto e da surpreza que deviam ter assaltado o sr. Testa, no momento em que leu semelhante noticia...

            E a sua proposta de lei para a supressão das touradas — mesmo que fosse merecedora dos applausos de toda a camara e de todo o paiz — não precisa ser discutida nem posta á votação, para ter de cahir redondamente pelo ridiculo.

            A lição é tanto mais dura, quanto ella é espirituosa e inoffensiva. Lembra-me até a famosa lição das Précieuses ridicules de Molière, quando as duas mulheres tomam o marquez de Mascarille e o amigo por dois personagens da côrte... quando não passam dos criados dos homens que ellas não quizeram por maridos, julgando-os homens excessivamente vulgares, sem distinção e sem espirito.

            Pois o sr. Testa, official de marinha, lembra-se de propôr ao parlamento a suppressão das touradas — quando na marinha portugueza não são touros que são corridos, mas são marinheiros, mas são homens como nós, como eu e tu leitor, que são corridos á chibata?!...

            Que um outro deputado — talvez por ter levado em môço uma bôa bolada d'um touro, no sitio em que os touros ironicamente costumam ferir os medrosos — se lembrasse de supprimir as touradas, d'accordo. Mas que um official da marinha portugueza se lembre de pedir a suppressão das touradas, por que deixam o animal a escorrer sangue, emquanto na nossa ramda, á força de chibata, ficam a escorrer sangue os lombos dos nossos irmãos, isto em nome da Disciplina, com o consentimento da lei, e á sombra do Pendão das quinas — é o que passa todos os limites do inverosimil!...

            Este facto e este contraste tão prodigiosamente comico, que mais parecem extrahidos d'alguma comedia extravagante de Labiche — provam mais uma vez que o Figaro tem carradas de razão, quando diz ácerca das coisas de Hespanha... que prefere rir de tudo, com mêdo de ter de chorar...

            Pois n'esta scena de comedia, os meus leitores não vêem os disparates e a anarchia que reinam em todas as classes da nossa sociedade?...

            Um deputado, official de marinha — que eu aliás respeito tanto mais, quanto não tenho a honra de o conhecer — em vez de se preoccupar com as altas questões que diariamente o cercam ; e de auxiliar com a sua intelligencia e com os seus conhecimentos, a resolução do problema maritimo e colonial, hoje que toda a Europa, áparte a questão do Oriente, só tem os olhos fixados sobre as questões africanas — um deputado, official de marinha, limita-se no parlamento, como se fosse uma questão que preoccupasse a Europa e de que estivesse dependente a nossa independencia... a pedir ao governo a suppressão das touradas !

            E é um cavalleiro tauromachico que chama espirituosamente á ordem esse senhor deputado e inutilisa a proposta do sr. deputado-official de marinha — promovendo um meeting na praça de toiros de Lisboa, para pedir ao governo que supprima o supplicio da chibata a bôrdo dos nossos navios de guerra !

            Donde se póde concluir, sem maldade, o seguinte :

            Que seria conveniente submetter a um conselho de medicos os dois antagonistas. Talvez os homens de sciencia, graças aos maravilhosos recursos de que hoje dispõem, encontrassem no sr. Testa uma vocação errada, e um optimo temperamento para presidente da Associação protectora dos animaes — e no sr. José Bento d'Araujo uma vocação decidida para contra-almirante !...

            Parece-me escusado insistir nas vantagens d'uma tal descoberta. Os touros podiam dormir tranquilos — e se é facto que a chibata existe, o nosso paiz podia contar uma vergonha de menos !...

            Mas que mania é esta, em nome d'um falso sentimentalismo, d'uma falsa civilisação e d'um falso progresso — de quererem dar cabo das touradas, quando a tourada é o unico divertimento, é o unico espectaculo, verdadeiramente portuguez, que nós hoje possuimos ?...

            Em nome de que principio é que se vae tirar a um povo uma das suas raras distracções ?

            Supprimir as touradas porque não é um espectaculo edificante — equivale a dizer que em seguida se vão supprimir as romarias, que é um espectaculo ainda menos edificante que o primeiro.

            Eu pergunto aos nobres deputados que estejam atacados da raiva da civilisação, qual é mais ridiculo e mais immoral — ver um touro sangrando porque lhe metteram um par de ferros no cachaço... ou ver a Virgem sahir d'um templo, ser collocada dentro d'uma berlinda ridicula, e ser levada por um cirio mascarado, através das povoações, ser levada para um bando de borrachos até ao templo da Senhora da Nazareth ?...

            Se a moralidade do meu paiz dependesse das touradas, eu supprimia primeiro os cirios — porque isso toca á nossa fé, toca á nossa religião !

            Mas ao contrario dos moralistas de fancaria — eu, que me considero homem moderno e homem livre, que amo e combato pela dignidade da minha terra, que só peço ao Deus de todas as religiões que no meu paiz haja uma mais justa ideia da verdadeira Moral — da moral publica e da moral privada — eu não hesito em defender as touradas como um espectaculo essencialmente nacional, com o qual nada tem que soffrer a moralidade publica, — assim como defendo os cirios, porque não olho para os ridiculos que só saltam á vista d'um atheu de contrabando, e porque nos cirios só vejo o seu lado pittoresco e a poesia ingenua e pagã que d'elles se evola, e que os torna encantadores !...

            Querem supprimir as touradas ?... Mas por que divertimento pensam os srs. moralistas substituir esse divertimento predilecto do nosso povo ?...

            Os srs. moralistas gostam mais das corridas de cavallos, das regatas e do tiro aos pombos. D'accordo. São espectaculos mais mundanos — mais catitas, como diz o lisboêta na sua linguagem abandalhada.

            Mas porque os srs. Moralistas gostam do divertimento catita, não contestem ao povo o direito de gostar do divertimento popular.

                        Apesar de me não inspirar o menor intresse nem uma corrida de cavallos, nem um concurso de tiro aos pombos, nem por isso deixo de convir que são coisas elegantes — e distracções tão crueis e tão immoraes como uma corrida de touros !

            Mas prefiro uma tourada — e querem os srs. Moralistas saber porquê ?...

            Porque de todos os grandes espectaculos a que tenho assistido em Lisboa, nenhum me ficou tão gravado na memoria, nenhum me apparece ainda hoje ao meu espirito mais deslumbrante, mais pittoresco e mais enthusiastico — do que a ultima corrida organisada em Lisboa, ha uns bons quinze annos, por esse nobre e distincto representante da antiga fidalguia portugueza, que se chamou Marquez de Castello Melhor.

            Porque ainda tenho presente aos meus olhos o deslumbramento da praça do Campo de Sant'Anna, toda adornada se setins e damascos ; a elegante figura do Marquez, vestido á Marialva, como se fosse uma soberba e magestosa ressurreição d'um portuguez e d'um cavalleiro do seculo XVIII ; todo o grupo de rapazes distinctos que o rodeava, de bellos rapazes d'uma geração de que parece ter-se perdido a semente, e que foi substituida mais tarde pelo janotinha do Chiado, de collarinhos postiços e monoculo ; e o publico applaudindo em delirio, cobrindo de flôres e charutos a praça.

            E em todo aquelle maravilhoso espectaculo, sem maldade e sem immoralidade, parecia ainda viver uns restos d'esse bello Portugal do seculo passado, quando um cataclysmo medonho arrazava Lisboa, e ainda havia em terras de Portugal portuguezes que sabiam em pouco tempo, sobre as ruinas d'uma cidade, edificar outra cidade !...

            Supprimir touradas ?!... Mas não é d'isso que está dependente o nosso decoro, nem tão pouco a nossa fortuna...

            Em vez de supprimir touradas — tenham a bondade de supprimir secretarias ! E que o parlamento auctorise o Governo, ou o Governo auctorise a Camara — a construir uma bella praça de touros ás portas de Lisboa. (NOTA : Foram edificadas poucos anos depois duas praças : a do Campo Pequeno e a de Algés, nos arredores da capital).

            É preciso que o povo se divirta — pobre povo que não faz senão pagar !...

MARIANO PINA

In A ILLUSTRAÇÃO, Paris - 20 de Fevereiro de 1888

16 DE MAIO DE 1897 - LISBOA : 5.ª CORRIDA DA PRESENTE TEMPORADA COM O MATADOR SEVILHANO JOAQUÍN HERNÁNDEZ Y CASTRO (PARRAO) E O CAVALEIRO LISBOETA JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 


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In IMPARCIAL, Lisboa - 16 de Maio de 1897

20 DE ABRIL DE 1902 - LISBOA : FILIPPE THOMAZ DA ROCHA E (ACESSORIAMENTE) O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 

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Apresentamos na nossa gravura o mais moderno bandarilheiro de alternativa, que pisa as arenas portuguezas e um dos laureados e com direito a logar de primeira linha, na pleiade dos artistas de valor, infelizmente bem diminuta, que possuimos.

É uma das esperanças da salvação do prestigio e brilhantismo do mais popular e empolgante torneio nacional, tão suffocado pelas emprezas pouco escrupulosas e pelos creadores de gado bravo, menos meticulosos com os meios que empregam para conseguir o fim que desejam.

Nasceu Filippe Thomaz da Rocha em Lisboa, em 26 de outubro de 1876, contanto, portanto, 26 annos incompletos 

Em 1893 teve logar a sua apresentação em publico, na extincta praça da Cruz Quebrada, em uma corrida organisada pelo aficionado João Carlos Martins, merecendo as honras da tarde, pelo seu trabalho, excellentes disposições e serenidade, que manifestou para o toureio.

Até ali tinha Filippe experimentado a sua vocação brincando com o gado bravo, que era abatido no matadouro municipal de Lisboa, onde estava empregado na casa da matança, divertimento que lhe valeu, por vezes, reprimenda dos superiores. Depois da estreia auspiciosa de amador, desejando proseguir, tomou parte ainda em tres corridas, até que na quarta, effectuada em Aldegallega, soffreu violenta colhida e abandonou por algum tempo a carreira encetada.

Conhecendo o distincto aficionado da velha guarda, sr. Joaquim Pedro Monteiro, as faculdades de que dispunha Thomaz da Rocha, proporcionou-lhe, pela sua influencia, a admissão em umas novilhadas que se realisaram na praça do Campo Pequeno e de novo, entra com o pé direito na perigosa arte, toureando ali e nas provincias com excellentes resultados praticos , mas baixa compensação pecuniaria, que quasi sempre se regateia, como que para animar o retrocesso.

Contracta-se depois com a empreza de Alfredo Tinoco e José Bento (de Araújo) e segue para o Rio de Janeiro, toureando nas temporadas que tiveram logar durante um anno na praça de Campos, e seis mezes na do Pará, onde se conservou até á morte do mais fulgurante vulto do toureio equestre o desditoso cavalleiro Alfredo Tinoco.

Seguidamente regressou a Lisboa em 1899 e sendo patrocinada pelo arrojado cavalleiro  José Bento d'Araujo a sua entrada nas corridas organisadas pela empreza Batalha, na praça d'Algés, toureou em diversas tardes, tomando a alternativa n'esse mesmo anno, na segunda corrida da temporada da empreza de Antonio Infante, no Campo Pequeno.

Estão bem na memoria de todos os aficionados, os progressos e estudo de Thomaz da Rocha, nas épocas de 1900 e 1901 e para assegurar o seu valor na difficil arte de que é ornamento, basta ter da sua carreira artistica a recordação do assombroso cambio que executou na corrida do eximio cavalleiro Fernando d'Oliveira, no anno findo, o trabalho magistral que teve na tarde da sua primeira festa artistica, no mesmo anno, e as duas corridas com que encerrou a época finda no Campo Pequeno, promovias por J. Passos e o antigo cavalleiro Calhamar.

Thomaz da Rocha não é, por emquanto, um toureiro completo por falta de margem e tempo para isso, contrariando-o a pouca robustez para peão de resistencia, mas é, bandarilhando, um dos artistas mais correctos e elegantes e que com melhor planta de toureiro nos é dado observar. 

Procura com intelligencia as rezes, busca variar as sortes, fugindo á monotonia d'algumas, para mostrar cambios primorosos e trabalhos de difficuldade e luzimento, sem abusar da «moñada» e temeridade para arrebatar o publico.

Não é facciosismo pelo artista que nos conduz á expressão de quanto temos dito, porque a verdade das nossas palavras é evidenciada por todos os criticos mais abalisados e insuspeitos nas suas resenhas e artigos sobre tauromachia, estando tão provada a vontade de progredir e agradar e ainda a modestia de Thomaz da Rocha, que para a mostrar com segurança, bastará dizer : que sendo contractado por uma commissão para tomar parte em uma corrida que se realisou no anno passado em Algés e sendo-lhe imposta a condição de executar uma determinada sorte que seria annunciada para réclame, Rocha não acquiesceu, allegando que a sua vontade, desejando fazer carreira, consistia em brilhar quanto podesse no seu trabalho para captar a sympathia do publico e das emprezas. porque se estas lhe facilitam por isso os contractos, aquelle os proporciona, applaudindo e dando valor ás diligencias que empregar.

A sua recusa louvavel deu margem a que o contracto fosse fechado sem a condição, porque bem sentenciosamente suppoz Thomaz da Rocha que se as rezes que lhe pertencesse lidar se não prestassem ao trabalho annunciado, o publico ficaria descontente e elle faltava ao compromisso com razão, aliás justificada, mas infelizmente bastas vezes mal recebida por parte do público.

            O caracter, fino tracto e excellentes dotes de coração de Thomaz da Rocha são de sobejo conhecidos e por isso nos abstemos de os mencionar, limitando-nos a referir que tão justamente apreciado e festejado artista é um dos poucos que não discute o seu trabalho nem faz alarde do valor incontestavel que tem, para armar ao effeito, e fora das arenas ou trata dos seus contractos ou gosa, dando largas ao espirito fino e chistoso com que aprazivelmente. é recebido pela infinidade de amigos e admiradores que possue.

            18 - IV — 902.

A.S.R.

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 20 de Abril de 1902