AS CORRIDAS NO CAMPO PEQUENO
No Correio da Noite, de 28 de março lia-se o seguinte artigo :
No domingo devem abrir-se as portas do magestoso edificio da Praça do Campo Pequeno. O publico avido do divertimento, de que fez a sua festa nacional, irá ali certamente despreoccupado de todos os dissabores da vida quotidiana, alegre e enthusiasta para assistir á primeira festa tauromachica do anno. (NOTA : A praça foi inaugurada a 18 de Agosto de 1892.) A praça regorgitará de espectadores, os bilhetes serão disputador e não ficará um logar devoluto. O mesmo se repetirá nas subsequentes corridas, se ellas satisfizerem o publico, e se cada um para isso concorrer, compenetrando-se dos deveres que tem a cumprir para o bom exito d'esses espectaculos. A epoca passada quem primeiro os esqueceu foram alguns lavradores, que fizeram monumentaes fiascos na apresentação das suas rezes. Se procederam com ou sem conhecimento de causa é o que falta averiguar. É isso exactamente que é preciso evitar este anno. Dos lavradores depende o bom resultado d'esses espectaculos, e n'estas condições deven ter o maior escrupulo no apartamento dos touros que porventura lhes sejam alugados para o primeiro circo tauromachico do paiz. Do contrario é trabalho baldado e são improficuos todos os esforços que se empreguem para que as touradas satisfaçam plenamente a todos os amadores e aficionados. Ninguem, por certo ignora, que com mau material não se pode fazer obra boa, embora ella seja muito apparatosa, no intuito de illudir o comprador, porque esse aparato (?) deixará de existir assim que entra em uso, e momentos depois sobresairá logo a má qualidade do objecto.
Podem ser contractados os mais notave-s artistas hespanhoes, os melhores cavalleiros, os mais habeis bandarilheiros e ainda o melhor grupo de forcados, porque se a materia prima — os touros — com que tenham de trabalhar, forem de má qualidade, embora empreguem todos os recursos da sua arte, serão baldados todos os esforços porque a obra não sairá perfeita. Poder se-ha suppor quanto esses artistas valem, mas elles não conseguirão chegar ao fim da lucta, orgulhosos por terem apresentado toda a sua arte e valor, enthusiasmando os espectadores. A lide corre aborrecida e o trabalho é desluzido. Para evitar que isto aconteça, será conveniente que os lavradores caprichem no apuramento das suas raças, tendo agora na presente epoca o maior cuidado na escolha dos touros que fornecerem. Se os que possuem não teem as qualidades exigidas para se poderem apresentar n'uma praça como a do Campo Pequeno, reservem-n'os para as praças de fora, onde tudo é tolerado, e reservem-se para o fazer mais tarde, se os tiverem nas condições. Se fizerem o contrario, além de não haver seriedade, desacreditam se, lesam a empreza, que lhes retribue generosamente, e sobretudo é enganado o publico que paga e tem direito de ser bem servido. Ficamos esperando.
Mas a culpa
não é só dos lavradores. Muitas vezes acontece que os touros mal aproveitados
pelos nossos artistas, prejudicam muito a lide que corre sem enthusiasmo. Não
adiantam um passo. Meias voltas e sobaquillos e disse. Em logar de progredirem, estacionam. Algumas vezes
apparece um curro de touros que é rasoavel, mas no final da lide é considerado
da peor qualidade pelo mau aproveitamento que os bandarilheiros fizeram d'elle.
Não acontece isto com todos, porque ha ainda alguns, com aptidão e vontade de agradar,
mas com carencia de estudo.
Ao passo que isto succede com os artistas de pé vemos exactamente o contrario nos cavalleiros que fazem progressos extraordinarios de anno para anno. Senão veja-se Manuel Casimiro, um artista moderno, que em tão pouco tempo sabido elevar-se á força de diligencia e grande vontade. Hoje já o seu trabalho é muito apreciado e dentro em pouco tempo deve occupar um logar distincto no toureio a cavallo.
Temos Alfredo Tinoco, um artista primoroso e notavel na correcção elegante das suas sortes. melhor do que elle ninguem as executa. José Bento (de Araújo), outro artista, que merece nomear-se pelo seu grande merecimento. E finalmente, Fernando de Oliveira, a quem todos elogiam o consciencioso trabalho e o toureio alegre e primoroso. A par d'estas innegaveis qualidades naturaes, salientam-se estes artistas no emprego de todos os esforços, em neutralisar os defeitos das rezes. Se um touro lhes sae refractario ou cobarde procuram n'o por diversas sortes, n'uma lucta de astucia contra a força bruta, para que o touro dê lide, conseguindo assim fazer sobresair o seu trabalho.
Com a exhibição de todos estes recursos muito ganha o nome do artista, e ao lavrador aproveita, porque o cavalleiro faz com que um malesso, que não tinha utilidade senão para a charrua, salve o credito do seu nome um pouco abalado pela má qualidade do touro, sentida á primeira impressão do publico. Eis o que temos visto acontecer por differentes vezes.
Porem é para lastimar que isto não succede com os bandarilheiros. Se um touro lhes sae deploraveis condições expendidas, limitam-se a mandal-o chamar ora para a esquerda, ora para a direita, e depois de o fazerem executar differentes evoluçoes muito comicas, saem-lhe emfim, desconfiados receiosos, e o resultado do trabalho foi... uma coisa, em que houve mais espalhafato do que arte. Não queremos, comtudo dizer que não haja um ou outro com vontade de fazer luzir o seu trabalho e conseguir agradar, fazendo o que deve. Mas o que é certo, é que é que muitas vezes temos visto um touro de cavallo tomar querença natural, e o cavalleiro fica tempo infinito esperando occasião opportuna para executar a sorte. Os nossos artistas atiram de longe com o capote ao animal, chamam-o, buscam excital-o... batendo com o pé chão, mas o touro, impassivel, sereno, surdo a todas as chamadas, deixa-se estar, que está bem. Um espada como Guerrita, Reverte, Faico, ou mesmo um outro que veja aquella forma de preparar o touro vae então ensinar os nossos bandarilheiros a pol-o em sorte. Abre-lhe o capote e em poucos momentos está preparado o animal. E a par d'estes outros exemplos muitos outros. Os nossos artistas deviam espelhar-se nos bons mestres que durante a epoca lhe dão motivo ao ??? (NOTA: Falta texto.)
Não se molestem com as nossas observações, que mais tendem a aconselhar um bom futuro para todos, do que a envolver uma censura.
In A TOURADA, Lisboa - 15 de Julho de 1894



