6 DE MAIO DE 1894 - LISBOA : ORIGINALIDADES E PECADOS...

 
Biblioteca nacional de Portugal

ORIGINALIDADES

            No n.º 2 d'esta revista, escrevi um artigosito com o titulo acima, e era intenção minha continuar a escrever, sobre qualquer assumpto , que podesse figurar n'esta secção : — Originalidades. Porque, com franqueza, ás vezes apparece por ahi cada cousa que, na verdade, deve ser classificada conforme merece. (NOTA : O referido «artigosito» inicial pode ser consultado aqui : https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/viewer/183957/?return=1&prev_next=0#page=1&viewer=picture&o=info&n=0&q= )

            Por tanto principiei por dedicar esta secção para esses assumptos comicos e originaes. Mais tarde arrependi-me e atê mesmo de escrever o primeiro artigo simplesmente por não merecer a pena referir-me a esse escripto e mesmo lá está o proverbio : — «não vale a pena gastar cera com ruins defuntos. Mas tentei novamente inaugural-a e agora vae a valer, mas só para cousas que valham a pena e sejam dignas de referencia.

            Vou tratar de um dos taes assumptos origimaes.

            Na Folha do Povo, de sexta-feira, appareceu um communicado de um accionista, que tem mais de um voto — diz elle — em que se queixa de vinganças, de monopolios de artistas, dos cavalleiros que lá fóra já não eram applaudidos e que foram á procura de louros, de vinganças do sr. Costa Guerra (NOTA : Antonio da Costa Guerra era aficionado e foi, designadamente, gerente das praças de touros do Campo de Sant'Anna e do Campo Pequeno, em Lisboa. Faleceu na capital em 1897.) e muitas mais coisas que agora não me lembro.

            Em primeiro logar o tal accionista, na sua opinião, quer transformar a praça do Campo Pequeno, o primeiro circo tauromachico do paiz, n'uma escola de toureio, ou por outra, em praça da Cruz Quebrada.

            Quer para ali todos os bandarilheiros e cavalleiros que para ahi ha, não se lembrando sequer que aquella praça, para que concorreu com o seu capital, segundo elle proprio declara, visto ter mais que um voto, deve conservar os seus espectaculos á altura da primeira praça do reino.

            As corridas de touros realisadas n'aquella praça não desmentem os seus creditos, pois que teem sido dignamente organisadas com elementos de primeira ordem. Se a empreza fosse a admittir os artistas que lá querem entrar, então são todos, porque todos na sua opinião, se acham com direito para isso e mais tarde viria a troupe Pae Paulino exigir tambem ali a sua entrada, pois que tem andando a praticar por essas praças das provincias. (NOTA : A troupe do Pae Paulino também chegou a actuar no Brasil)

            Temos a trabalhar ali os bandarilheiros antigos como Calabaça, Sancho, Raphael, João Roberto, Minuto, Pescadero, Theodoro e Cadete, e alguns não trabalham em todas as corridas, tendo, á excepção de Cadete, Theodoro, Minuto e Sancho, folgas cada um na sua tourada.

            Calcule-se o que seria, se por ventura entrassem para aquella praça mais artistas.

            Está da parte da empreza, quando lhe apeteça ou veja que ha um outro bandarilheiro portuguez, mais moderno, com aptidões, mandal-o incluir no grupo dos artistas d'aquelle circo, e cremos mesmo que quando isso aconteça a empreza será a primeira a fazel-o, sem precisar que ninguem lh'o lembre. E para confirmar isto basta dizer-se que o bandarilheiro Sancho, velho como está e sem poder trabalhar, a empreza não o deixou de fóra e paga-lhe como se elle fosse um artista com todo o seu vigor.

            Ora isto é que é preciso tambem que se saiba. Não vamos só a dizer o que nos appetece, levados n'uma ou n'outra influencia, e esqueçamos actos como estes. Portanto a empreza, quando assim aconteça assim procederá.


O cavaleiro José Bento de Araújo

            No que respeita aos cavalleiros, simplesmente lhe digo que Alfredo Tinoco, José Bento (de Araújo) e Fernando de Oliveira, são três artistas distinctissimos e que os louros que os dois primeiros foram lá fóra á procura, já os levaram de cá, conquistador n'aquellas celebres touradas da praça do Campo de Sant'Anna, e portanto o articulista da Folha do Povo andou erradamente no que escreveu. Então agora entre nós e a empreza fez muito bem em apresentar os artistas mais dignos de figurar nos cartazes d'aquella praça.

            Temos ainda Fernando d'Oliveira, um cavalleiro primoroso no seu trabalho, cujos louros conseguiu alcançar á custa de muita coragem e boa vontade.

            Ha ainda um novo, Manuel Casimiro, que em tão pouco tempo tem feito progressos extraordinarios e dentro em breve devemos ter entre nós quatro cavalleiros distinctissimos, que honrarão sobremaneira a tauromachia portugueza.

            Com respeito ao sr. Costa Guerra, cavalheiro respeitavel, o articulista a seu respeito escreveu o que lhe disseram. E portanto não tocamos n'esse ponto.

            E mais coisas poderia dizer ao sr. accionista com mais de um voto, mas como o titulo da secção indica o escripto, fiacamos por aqui.

D. JOSÉ TENORIO.

In A TOURADA, Lisboa - 6 de Maio de 1894