3 DE JUNHO DE 1895 - LISBOA : A PROPÓSITO DAS CORRIDAS DAS «LAS NOYAS» OU «SEÑORITAS TORERAS CATALANAS»...

 
Biblioteca nacional de Portugal

La Broma

Las niñas

            Dizem, não se sabe ao certo, que as graciosas barcelonesas veem a Lisboa para nos deleitar com os seus quiebros y recortes.

            Oh! minhas ricas filhas, (a outro lhe chamarão papá, nanja a minha pessoa) vinde queridinhas, que a respeito de quiebros estamos mesmo a desejar. E depois com esses recortes tão salerosos, não fica ahi um unico velhote que não diga: Ai! Pancracia, as raparigas me vuelven loco!

            O Albino já está a perfilar-se com um leque para cada niña.

            O Joaquim Pedro, a convidal-as para tourearem em Azeitão.

            Os viscondes Maduros, a comprarem brilhantes no Cunha e no Sagaroça.

            O Guerra espantado; o Zé Bento (José Bento de Araújo) enthusiasmado; os collegas criticos a babarem-se; os holandezes a linguararem das feições e garbo das formosas catalãs.

            Isto vae ser uma grande pandega! Nós vamos fazer meia e rendinhas, e passamos a usar cuia.

            A redacção do Sol e Sombra já encommendou á casa Ferrari um esplendido jantar.

            A Tourada  não quer ficar atraz dos collegas e vae tambem concorrer para a festa com a sua lambança habitual.

            Eis o menu:

Sopa de rabo de boi

Fressura de vacca

Lingua com cebolinhas

Entrecosto com hervas

Bacalhau albardado

Iscas com batatas

Vinhos

Cacarrascão tinto do Samouco,

Madeira, Porto e Malvasia

etc. etc. etc.

            Depois da ceia haverá um baile á altura das niñas. Já encommendámos um pas de quatre, que será dançado a 8 parelhas.


            Uma rapioca nunca vista, á qual presidirão varios ratoões, entre elles os directores da empreza proprietária da praça do Campo Pequeno.

            O Centeno toca ferrinhos.

            O conde da Guarda toca na Covilhã.

            O Ressano faz riscos na sala.

            O Costa Guerra, de cacete em punho, clama: «Que grandes typos!»

            Vengan las niñas!

(NOTA : A quadrilha «Las Noyas» ou «señoritas toreras Catalanas» apareceu em 1894. As jovens actuaram na praça de touros de  Barcelona no dia 10 de Março de 1895. VER : https://oreneta.com/libro-verde/1895/03/10/6796/  ou https://www.telemadrid.es/mujer/Rejoneadoras-picadoras-matadoras-el-desconocido-e-importante-papel-de-las-mujeres-en-la-historia-de-los-Toros-0-2559344063--20230512081700.html )

Actuação das Niñas Toreras em 1900 
FOTO : Dominio Público

            Ai! ai! o futuro dos homens ha de ser bonito. Ainda a gente ha-de mudar de sexo. Ha-de ter muita graça se o sexo bruto se transforma em... Adeus, minha flôr!

            Que lindos tem o mocho!

Espada

Doña Manola (la Cigarrera).

Banderilleras

Pepa (la Chula).

Paca (la guantera).

Concha (la gitana).

Curra (la Ostia).

Picadoras de vara larga

Gregoria (la Pierna Fuerte).

Isidora (la Verdulera).

Puntillera

Paca Peca Pica Poca Puca.

Rejoneadora

Mathilde Vargas Zabaleta.

Areneras

Langostina, Boquerona y Camarona.

Monas sabias

Traga Ballonas & C.ª

Como veem é um cartaz de respeito.

Estamos anciosos pela apparição d'estas notabilidades tauromachicas.

Vederemo e dopo praguejaremos.

A companhia das Lesirias, com uma amabilidade captivante, enviou-nos 4 bilhetes para assistirmos á ferra dps novilhos nas suas propriedades no Cabo.

Agradecemos a delicadeza.


In A TOURADA, Lisboa - 3 de Junho de 1895

1 DE SETEMBRO DE 1932 - A INTRUJICE OU A PALHAÇADA CHAMADA «CORRIDA DE TOUROS» EM PORTUGAL

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

Escrever sôbre toiros não é fácil: Demanda saber. Demanda conhecer não só os bichos, como os homens que os lidam. É necessário também saber para que público se escreve. Entre nós, poucos são os que se têm dedicado a essa espécie de literatura. Entre êles, surgiu há anos um nome que depressa se impôs: D. Bernardo da Costa (Mesquitela). Os seus primeiros artigos impuseram-no como crítico. Logo a seguir, encetou uma campanha a favor dos toiros de morte. As entidades oficiais não o ouviram. Bradou no deserto. No entanto, o volume em que coligiu as crónicas em prol do seu pensamento, vendeu-se ràpidamente. Em Portugal — principalmente por êsse Ribatejo — ainda há quem goste de toiros. Actualmente D. Bernardo da Costa (Mesquitela) perde-se em jornais semanais. Os seus escritos são pouco lidos. Mas... acaba de sair outra obra : Festa Brava. Traz o seu nome. É uma colectânea de alguns artigos já publicados, e contém nova matéria. Dessa, respigamos algumas páginas. Têm interêsse, não só para os aficionados, como para os que são leigos no assunto. Há nelas calor, energia, mocidade e desassombro. São páginas para juntar nais tarde à História das Touradas de Eduardo de Noronha, obra que deve estar na estante de todos os que amam as coisas tauromáquicas. Eis o que transcrevemos do novo livro de D. Bernardo da Costa (Mesquitela) que merece ser lido com atenção :

I —  CRISE

            Há cem anos que a Tauromaquia está em crise em Portugal.

            Desde que se acabou com o toiro lidado em hastes limpas e morto na arena, e a lide passou a ser a intrujice do toiro embolado, a luta entre os dois elementos, o homem e a fera, perdendo o seu alto significado, o seu simbolismo, perdeu interêsse, perdeu beleza e cêdo se transformou nesta palhaçada ignóbil que á a «tourada à portuguesa», em que os toureiros são uma espécie de funcionários públicos que só assinam o ponto e os toiros umas pobres criaturas alugadas para fazer o ridículo, perante o gáudio avinhado de uma multidão ignorante e imbecil.

            O rejoneio másculo dos nossos avós, arte essencialmente fidalga e varonil — deu lugar ao toureio a cavalo das inúmeras filigranas e, sejamos francos, das inúmeras mentiras. Como o ginete já podia ser tocado porque o toiro, sem pontas, não lhe furava as carnes e o público difìcilmente se apercebia do êrro na medição das sortes, os cavaleiros, uns por carência de predicados próprios, outros por não cuidarem da condição básica do seu mister — a defesa rigorosa das montadas — levaram a primitiva e arriscada arte às últimas conseqüências.

            Porque mesmo assim, mesmo com bigodes e ademanes pouco aristocráticos, êles continuavam sendo os mantenedores da única coisa verdadeiramente tradicional — o toureio a cavalo — os toureiros de pé, não acompanhando a evolução que se operava em Espanha, limitaram-se a ser os auxiliadores daqueles, os «capinhas», que agora pomposamente se chamam «bandarilheiros» e que nós com com mais propriedade deviamos chamar «bandarilhadores», já que não fazem mais que espetar bandarilhas de qualquer forma, e, em geral, da forma pior.

            E como suprimindo a morte do toiro — finalidade lógica do espctáculo — havia necessidade de inventar um outro desfecho forte e emotivo, recorreu-se à «pega» — encontro brutal do toiro com oito homens, que o dominam, não pela arte, bem rudimentar, mas porque no seu conjunto pesam quási o dôbro e porque o animal chega ao fim desta lide disparatada com tamanha dose de aborrecimento, que tudo consente, tudo suporta, contanto que o não o espicassem mais e que o mandem embora. A «pega» não é uma finalidade bárbara, mas é uma finalidade bruta. E foi êste desfecho bestial, que não representa a inteligência do homem dominando o instinto da fera, mas sim o embate da fôrça contra a fôrça, matéria contra matéria, que se elevou à categoria de tradição nacional e que muitos «aficionados» supõem ser uma invenção portuguesa, ignorando, como em geral ignoram tudo, que já os moiros das Espanhas pegavam toiros — e desembolados — e que outrora na Grécia, cinco séculos antes de Cristo, toiros enormes e possantes e da mesma forma em hastes nuas — conforme atestam os desenhos duns barros encontrados na ilha de Creta — eram valentemente pegados... por mulheres !

            Arranjou-se desta forma a toirada ; e desde então, Portugal — na frase vingadora de Carlos Viana — passou a ser um país de embolados.

            Esta toirada, porém, com tudo que encerra de grotesco, de falso e vergonhoso, tem sido sacudida de tempos a tempos por algumas que outras figuras de incontestável relêvo, as quais, mesmo com embolados, foram grandes e justo é que fiquem célebres. Há meia dúzia de cavaleiros que passam à história, bem como algumas dezenas de forcados, sobretudo amadores, que souberam corresponder com brilhantismo e denôdo ao pouco, ao muito pouco que se exigia dêles.

            Mas com embolados, com toiros que não matam nem ferem, o valor dêstes homens corajosos fica evidentemente diminuido. É triste dizê-lo, mas é assim.

            Poderemos nós comparar, já não digo na arte, mas no valor, o cavaleiro Tinoco, por exemplo, a «Frascuelo»?... Será lícito colocar no mesmo plano de vítimas do toureio, Fernando de Oliveira, que morreu numa praça, é certo, mas de desastre, e Manuel Garcia «Espartero», que um excesso de pundonor fêz perder a vida nas hastes aguçadas daquele toiro colorado de Miura?... Será razoável que a arte, a sublime arte do toureio, vista o mesmo luto pelo forcado X, que faleceu no hospital em conseqüencia de bordoadas misturadas com álcool, e por José Gomes «Gallito» — o sempre chorado «Joselito», que o maldito toiro «Bailador» assassinou na tarde trágica de Talavera?...

II — O MALDITO TOIRO EMBOLADO

            O duelo entre o homem e o toiro tem de ser um duelo de morte, —ou então não tem razão de ser. Entre o espectáculo de toiros e o teatro ou o animatógrafo tem que haver, necessàriamente, uma diferença. E é essa diferença que os portugueses vão tanta vez procurar a Espanha, já que nem ao menos numa única terra portuguesa a deixam ver.

            A festa de toiros, produto admirável do nosso génio peninsular, é — e aqui reside a sua incomparável grandeza — uma tragédia autêntica, onde não há artifícios, nem combinações. É bem a Festa Brava ! A morte, ali, não é convencional, nem representada : quando se morre, morre-se de verdade. Se é bárbaro, se é horrível, não o discutamos agora : morrer é sempre bárbaro, é sempre horrível — mas até à data nem por isso a gente deixa de morrer. Pelo contrário, às vezes é agradável a morte ; outras vezes, oportuna. Muitos a procuram tôda a vida, como única solução libertadora... E depois, se ninguém há de escapar à sua foice, é certamente mais brilhante, mais asseado e mais cómodo morrer duma cornada do que dum cancro...

            Mas deixemos esta triste filosofia e frisemos sòmente a diferença que deve haver, para o verdadeiro «aficionado», entre o que se faz com um toiro em hastes limpas e um toiro privado das suas defesas naturais. Façamos a seguinte confissão, muito embora ela possa chocar a sensibilidade de certas pessoas : há aí um cavaleiro — chamemos-lhe João Núncio — que toureia maravilhosamente ; em Espanha existe outro, Antonio Cañero, que toureia a seu estilo, num toureio muito diferente, — pior, segundo todos afirmamos. Pois bem : cada qual no seu elemento, Núncio fazendo coisas assombrosas com toiros embolados, Cañero rejoneando àsperamente toiros em pontas, eu, que ponho João Núncio acima das nuvens, dou a Cañero muito mais valor.

            Porquê?

            Porque a festa de toiros é uma festa essencialmente brava e bela. Beleza e emoção, mas beleza com emoção : duas coisas que têm de ir juntas. Ora com toiros embolados não pode haver emoção, e, sem ela, não creio que haja beleza.

III — RESULTADOS

            O toiro embolado deu origem ao «toiro corrido» e desta forma o toureio a pé não evolucionou, não progrediu e foi sempre, na nossa terra, a calamidade que nós conhecemos. O toureio não pôde aperfeiçoar-se e ainda hoje o vemos nas nossas arenas a praticar os mesmos erros e os mesmos vícios de há cem anos. Dir-se-ia que só as caras mudam : se até os próprios fatos parecem eternamente os mesmos!... E o toiro, que aqui dixou de se matar (embora nunca deixasse de ser comido) e cujas hastes tapadas também já não matavam, fêz ver ao lavrador a inutilidade da selecção, do apuramento e do gado puro.

            O resultado está-se vendo : em vez de toureiros temos toureadores, para não dizer boeiros, bornaleiros ou espetadores de ferros ; em lugar de artistas, no sentido elevado da palavra, restam-nos artífices, meros operários do toureio ; e em vez de toiros, aparecem por aí uns bicharocos mais ou menos pretos, que dão saltos e às vezes marradas, e com umas cabeças de tal forma monstruosas que muitos críticos, na única definição em que acertam, chamam — cornúpetos.

IV — OS CRÍTICOS

            O mal de tudo isto não vem dos governos, nem dos toureiros, nem dos toiros, nem mesmo do público, que vai sempre para onde o levam. O mal vem daqueles que escrevem para o público e que levam o público atrás do que escrevem. O mal vem dos críticos.

            A crise da tauromaquia em Portugal provém, pois, essencialmente, de uma crise de críticos.

            — O que tem sido o crítico tauromáquico, na nossa terra, de há cem anos para cá?

            Eu não quero melindrar ninguém, tanto mais que muitos dêles dormem já o sono da bem-aventurança, mas a verdade é esta : o crítico tauromáquico português era, salvo raríssimas excepções, uma criatura que gostava muito de ir aos toiros e que não percebia nada do assunto, mas que fingia perceber porque ao pé do seu lugar, que o emrpesário lhe dava para o obrigar a não dizer mal, havia sempre, uns cavalheiros que diziam coisas, muitas coisas, que êle no dia seguinte aproveitava na sua resenha. Êsses cavalheiros também nada sabiam, mas ninguém duvidava da sua ciência porque já eram de idade, iam todos os domingos ao Campo Pequeno e alguns vinham mesmo do Campo de Santa Ana, onde, pelos vistos, se toureava na perfeição...

            Essa criatura, graças a uns amigos políticos, conseguia entrar para a redacção dum jornal, cujo director não lhe ligava nenhuma, nem a êle nem á secção. E o homem, afrontando essa indiferença e convencido, apesar de tudo, da sua importância, passava a dizer ao público o que via e sobretudo o que não via, não pelo prazer de escrever nem pelo desejo de defender a festa en de a cantar, mas pela magia do bilhetinho de graça e duns parcos vintens no fim do mês.

            Creiam no que lhes digo : as condições para se ser crítico de toiros em Portugal eram estas :

            1.º — Conhecer pessoalmente alguns toureiros e empresários e tratá-los por tu ;

            2.º — Não saber nada de toiros ;

            3.º — Não saber escrever português.

            A primeira destas condições ainda hoje em certos casos se demonstra à vista. As outras duas, — é consultar os jornais de há anos : aquilo espremido não deita nada, a não ser uma porção, mais que razoável de êrros gramaticais.

            A função do crítico desconheciam-na êles e nada faziam para a conhecer. Se lhes disséssemos que tinham por missão definir, explicar e orientar eram capazes de cair das nuvens — êle, que julgavam mais que suficiente dizer tôdas as semanas, em estilo de chapa, que a toirada, apesar da amenidade do clima, que tinha levado ao elegante tauródromo da capital farta concorrência, não agradara, mercê da matéria prima... e que o cavaleiro Fulano empregara vária ferragem larga e curta, variando as sortes (como se o facto de variar as sortes tivesse em tauromaquia alguma importância), que o bandarilheiro Beltrano metera um bom par à gaiola (como se fôsse possível um par bom numa sorte que é uma refinadíssima traição), que o espada Sicrano tivera bons pares a câmbio (em vez de quiebro, porque o câmbio, fóra dos bancos, só pode fazer-se com capote ou muleta) e que nos toiros taie e tais fizera com a muleta fainas cingidas e adornadas.

            Esta classificação de «cingidas e adornadas» era o meu divertimento das segundas-feiras. E assim durante muito tempo, porque durante muitos anos a chapa foi a mesma. A mesma, não digo bem : às vezes mudava, sofria uma pequena alteração. Assim, se o toureiro tinha estado valente, mas sem o toiro lhe permitir luzimento, o crítico dizia : — «uma faina cingida, mas não adornada». E já tinha havido ocasiões em que, por um conjunto de circunstâncias inexplicáveis, as faenas tinham sido «adornadas sem serem cingidas»...

            E não havia mais nada, nem a descrição dessas faenas, nem se elas tinham sido as mais ajustadas às condições dos toiros. Pois se êles, coitados, nada sabiam !

            Durante muitos anos fêz-se assim a crítica em Portugal, e em todo êsse espaço de tempo não apareceu ninguém que dissesse, com autoridade e sem mêdo :

            — «Meus senhores, a toirada é uma burla, é uma infâmia e é uma vergonha ! Acabemos com ela, sem dó nem piedade, e que cada um de nós no seu jornal não fale dela senão a rir e para fazer rir, como se fala das coisas pretenciosas e ridículas. Será a maneira dela cair, de pôdre, como das árvores vão caindo as fôlhas que o frio secou.»

            Os críticos, pelo contrário, falavam a sério, e ela, a toirada, convenceu-se por êles que era uma coisa séria. Foi o maior crime que cometeram, maior ainda que a sua ignorância, — e dêle estamos colhendo ainda os doces frutos.

            Da toirada e de tudo quanto se faz com toiros embolados, em boa verdade só pode dizer-se mal. Para se dizer bem — só de troça.

NOTA :

Texto : Bernardo da Costa (Mesquitela)

Ilustrações : Roberto Domingo

In ILUSTRAÇÃO, Lisboa - 1 de Setembro de 1932

2 DE JUNHO DE 1895 - ALGÉS : O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO EXCEPCIONAL


 

Biblioteca nacional de Portugal

CHRONICA DAS CORRIDAS

TOUROS EM ALGÉS

3.ª corrida da epocha 1895

ESPADA — Joaquim Navarro (Quinito)

SOBRESALIENTE — Francisco Carrillo.

TOUROS — Do ex.mo sr. Emilio Infante da Camara.

            Alguns attractivos, taes como, a feira de Sacavam e a festa no hyppodromo, desviaram um pouco a concorrencia da praça de Algés.

A praça de touros de Algés cedeu o lugar a um parque de estacionamento.
FOTO : Câmara Municipal de Lisboa

            Sejamos francos : se um fia formos emprezarios a primeira cousa que fazemos é offerecer a praça para as senhoras promoverem corridas. Podem contar cmnosco e com a nossa praça.

            Ha um desastre, ha um naufragio, ha um pretexto para as madamas espalharem o flato, o que se lembram é d'uma corrida de touros, por ser o espactaculo mais productivo e mais nacional. Muito bem.

            Digam-me as minhas ricas almas caritativas da bolsa alheia, quando é que se lembrarão de não promoverem festas em dias de corridas de touros?

            Emprezarios palermas, vêde as vossas casas desertas ; e deixae vos seduzir pelas maviosas palavrinhas das candidas creaturas que só em vós pensam quando necessitam d'uma corridinha de touros. Vão-lhes ao bolso, e quando se lhes offerece a occasião, elles ahi estão bajojos, panocas, tansos, e presos pelo beicinho, como ursos de feira, a roncarem atraz do domador porco immundo. Idiotas.

            Deixemos a divagação e vamos aos toureiros e ás féras.

            A corrida agradou a uns e desagradou a outros, como sempre. Cá a rapaziada, que rabisca no jornaleco, vae dizer o que se passou, e sente não dizer tudo, porque para isso não lhe chegava o jornal e muito menos a massa que tinha que gastar no cartorio de qualquer escrivão amigo.

            Vamos ao espada.

Quinito

            Trabalhador em alguns touros, desconfiado n'outros, porque já sabe como ellas mordem, e se as suas faenas não foram luzidissimas deve-se a uma serie infinita de defeitos, que as rezes apresentam.

            Na lide á hespanhola esteve trabalhador no 2.º touro e apathico no 1.º, que era de respeito, de poder e com aquella velhacaria natural nos touros corridos e de saber.

            Teve quites bonitos e de effeito no 2.º touro, e só lhe notámos que demorou a lide para proveito seu, visto que no 2.º touro podia luzir-se, o que conseguiu, embora isso não nos agradasse ; mas como agradou ao publico, cala-te bôcca, socega penna, e vamos adiante.

            Como bandarilhas não gostámos. Não houve motivo para não entrar mais um pouco no terreno da sorte, consentindo, para poder aproveitar com segurança el hachago e collocar bem os ferros.

            Não o fez, não consentia, defendia-se com os touros, e mal chegava os ferros.

            Quando el toro cargaba la suerte, deixava los palillos e sahia por pies. Não gostámos.

            Com a muleta  teve uma faena superior e com intelligencia n'um dos touros.

            Foi colhido sem consequencias, e não mostrou desejos de esquivar-se á brega.

            Com touros claros é possivel e crivel que tenha uma tarde de glorias.

            Muito descuidado na direcção da praça, consentindo um perfeito herradero, e muito demorado na mudança do primeiro tercio.

            A serie de encontros do cavallo com o touro deve-se ao mau serviço dos peões e da pouca energia do matador. Causou respeito e medo o 1.º touro para a lide á hespanhola, e d'ahi a descuidada direcção.

Sobresaliente novillero Carrillo

            Teve um dos melhores touros da corrida, que foram poucos ; mas a ignorancia, manifestamente declarada, inhibe-nos de o apreciar.

            Com as bandarilhas fez o que pôde e o que soube.

            Com a muleta fez o que soube e o que pôde, ou seja grão com arroz, ou arroz com grão. Adeusinho, e fica-te por lá ; não te esqueças.

Cavalleiros

Tinoco.

Anda com mala pata.

Emquanto não se benzer com um corno, e não fizer o mesmo que o celebre algarvio fez ao Tejo, quando este lhe enguliu o cahique, ha-de dar motivo aos despeitados para lhe moderem nas canellas. Ha cães por todos os lados, ha por ahi cada bull-dog que está a precisar de balinha de marmello.

            Quando Tinoco saía da praça .......... que puxavam o trem que o conduzia .......... e foi .......... por causa de .......... palavras! .......... Assim .......... Já vês que .......... era impossivel .......... ter .......... ha-de ser breve .......... percebes Tinoco?

José Bento (de Araújo)

            Foi um heroe, um cavalleiro consummado, um artista valente e correcto. O seu 1.º touro foi brilhantemente farpeado com arte, denodo e frescura.

            Brazo Zé Bento!

            Fiquem sabendo meninos, joias, queridinhos, ricos filhos, que este jornal, ainda que mal escripto e por consequencia sem auctoridade, é orgão do cavalleiro Zé Bentinho. Querem mais franqueza? Só falta uma coisa para a declaração ser completa : Guerrita dá-me dinheiro, veste-me, calça-me, sustenta-me e paga-me a entrada para o applaudir.

            Já vêem que um pandego, como eu, não está lá com meias medidas, é pago e repago, por consequencia ha-de dizer bem e tocar las palmas.

            Arre, malandros ! digo eu.

O cavaleiro José Bento de Araújo numa corrida na praça do Campo Pequeno.
FOTO : Câmara Municipal de Lisboa

Picadores

            Com as puyas com que trabalham é melhor a auctoridade prohibir essa lide.

            Francamente, estamos n'um paiz de piegas !

            Então o ferro da bandarilha, que é mais comprido, admitte-se, e não se tolera a puya de tentar? Como querem que um picador agarre bem o morrillo se as puyas não penetram? Que grandes penetras são estes senhores que se horrorisam com que um touro seja picado e se retire a causa, e não se apoquentam por vêr na cachaceira 10 ou 12 ferros de 2 ½ centimetros, que durante horas se conservam espetados no bichinho?

            Então a puya é mais mortificante que as bandarilhas?

            Ó meninos, fechem as praças de touros, porque, realmente, nós somos muito humanos, e não queremos estar a vêr fazer mal aos animaes!

            Vamos para o Inferno e não temos esperanças de bebermos alguma coisinha no Entroncamento, assim como quem diz no Purgatorio.

            Malvados! Selvagens! Ai credo!

Bandarilheiros

            Rodas, Moyano, Theodoro, Cadete e Saldanha bem no que fizeram.

            Os restantes, Sevilhanos, Pipos e Pipas á altura da fama que gosam. Olé los niños valientes.

Pegadores

            Duas pegas boas e rijas.

Director da corrida

            Um perfeito presidente da camara dos deputados.

            Quem toma o expediente que Jayme tomou, na questão do orçamento, perdão, na questão do capote, se era Theodoro ou Quinito que deveria tourear, prova que tem recursos presidenciaes. E a grande questão é que, a campainha tocou, e os eleitos do sol e da sombra metteram a viola no sacco e a coisa passou sem protestos.

            Arre diabo, com essa energia ainda a gente ha de ver coisas boas; ao menos valha-nos o Jayme.

            (Já me esquecia dizer que o Jayme tambem me dá dinheiro).

            Em me dando para dizer bem, é isto que veem. O que vale é que este jornal é lido só pelos seus redactores, porque se muita gente o lêsse sempre desconfiariam alguma coisa. Emfim, por emquanto vamos assim, até chegar o dia... de balanço final.

Monos sabios

            Appareceu um com bigode. Que grande reinação!

Serviço da praça

            Pessimo, horrivel e sem ordem. O unico que comprehende bem o seu logar é o Pae Paulino. (NOTA : Palhaço toureiro, que chegou a participar com a sua troupe em corridas no Brasil.)

            Reparem para a carinha d'elle, quando abre a porta aos cavalleiros.

Homens dos pasteis

            Uns mariolões de bonet branco a incommodarem toda a gente.

Homens da cerveja

            O prato de resistencia para os espectadores. Fabricas de gargalhadas e grandes consumidores de papél pardo.

Touros

            Saibam quantos lerem esta resenha que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1895, no dia 2 do mez de junho, n'esta cidade á beira-mar plantada, perante mim se correram 12 touros, que tiveram a seguinte classificação: o 2.º, 5.º e 9.º bons, ainda que chegavam ao ultimo tercio com má intenção, o 8.º regular, o 3.º um animal de muito poder, valentia e velhacaria e o 11.º de menos poder que este ultimo, mas com as mesmas qualidades do 3.º. Os restantes podem ir todos para a raiz da grande choupa que os ha-de matar, que não fazem cá falta nenhuma.

            Por ser facto notorio e provado com as testemunhas presentes, todos maiores, casados, solteiros, viuvos, moradores n'esta cidade de Santo António Milagroso, que as corridas de touros são todas a mesma coisa, a questão é mudar lhe o nome ao lavrador; attesto ser verdade o que as respectivas victimas me disseram, que, além de boas pessoas, estão sempre em risco de terem as costellas partidas por causa dos matutos com que lidam.

            Assim fica lavrado nas minhas notas, adeus, ó menino como pachastes, até domingo se Deus quizer.

            Logar do signal publico, um sello de 800 réis ao tabellião, que já estou farto de reconhecer tunantes, e eu mais não digo.

ROMÃO GOMES

(NOTA : A praça de touros de Algés tinha sido inaugurada pouco antes, mais exactamente no dia 23 de Maio de 1895.

VER : https://corridasportugalespanafrance.blogspot.com/2019/09/23-de-maio-de-1895-alges-o-cavaleiro.html )



In A TOURADA, Lisboa - 3 de Junho de 1895

26 DE AGOSTO DE 1894 - LISBOA : UMA CORRIDA QUE VAI SER UM AUTÊNTICO FIASCO...

 

Biblioteca nacional de Portugal

RIBEIRO E VALENTE

            Estes dois excellentes rapazes, camaroteiros da empreza da Praça do Campo Pequeno, effectuam no proximo domingo a sua festa, que por todos os motivos teeem direito a ser immensamente concorrida. Em primeiro logar são dois excellentes caracteres, bondosos e sempre dispostos a bem servir o publico, e por isso é de justiça que agora venha a lei das compensações e que a praça regorgite de espectadores. Em segundo logar a corrida é organisada a capricho, pois que sabemos já que trabalham os salteadores francezes, (NOTA : Originários das Landes, no sul da França) um espada de nome, dois cavalleiros dos mais applaudidos, sendo José Bento d'Araujo e o amador Fernando Ricardo Pereira e toma tambem parte o amador Salgado. Os touros pertencem a um acreditado lavrador, que até hoje ainda não deu touros para o Campo Pequeno.

            Agouramos lhe uma casa á cunha.


A bilheteira da praça do Campo Pequeno.
FOTO : Câmara Municipal de Lisboa

LER AS CAUSAS DO DESASTRE AQUI: https://corridasportugalespanafrance.blogspot.com/2020/01/12-de-agosto-de-1894-porto-festa.html


In A TOURADA, Lisboa - 19 de Agosto de 1894

29 DE JUNHO DE 1894 - SINTRA : O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO PROMOVE UMA CORRIDA EM SINTRA...

 


Biblioteca nacional de Portugal

ECHOS E NOTICIAS

            Cintra. — No dia de S. Pedro, realisa-se em Cintra uma corrida de touros, promovida pelo arrojado cavalleiro José Bento (de Araújo), que está preparando grandes attractivos, a fim de que a corrida seja uma das melhores da epocha.

(NOTA : As festas de S. Pedro e e de S. Paulo são celebradas no mesmo dia.)

            Como cavalleiros tomam parte o promotor (José Bento de Araújo) e os srs. Fernando Ricardo Pereira e J. Burnay ; e como bandarilheiros, entre outros, os distinctos socios do Real Club Tauromachico, srs. Cambournac e Figueiredo.

            Os touros, 8 puros e 4 corridos, são do sr. Patricio, de Coruche.


In A TOURADA, Lisboa - 21 de Junho de 1894

8 E 9 DE DEZEMBRO DE 1894 - SALVATERRA DE MAGOS : UMA CORRIDA COM ARTISTAS DE ESPANHA E 4 GRANDES CAVALEIROS PORTUGUESES

 


Biblioteca nacional de Portugal

Em Salvaterra

            Nos dias 8 e 9 realisar-se-hão duas corridas de toiros, para as quaes offereceram gado, os ex.mos srs. Paulino da Cunha e Silva, Emilio Infante, Irmãos Robertos, Manuel dos Santos Correia Branco, Luiz Patricio, João Paulo e João Lino.

            Tomam parte generosamente os seguintes artistas.

            Espada — (matador de novilhos) Sebastian Silvan [El Chispa]. Cavalleiros  Tinoco, José Bento (de Araújo), Manuel Casimiro e Adelino Raposo.Bandarilheiros Raphael Peixinho, João Roberto, Minuto, José dos Santos, Theodoro, Cadete, Saldanha, Ramos, Torres Branco, Ferreira Estudante e Roberto Junior.

            Um valente grupo de forcados de Villa Franca.

FERRO DE PALMO.

In O ESPECTACULO, Lisboa - 9 de Dezembro de 1894

17 DE JUNHO DE 1894 - LISBOA : UMA CORRIDA COM TOUROS MANSOS E... PÚBLICO DESCONTENTE

 


Biblioteca nacional de Portugal

 Chronica das touradas

CAMPO PEQUENO

11.ª corrida da epocha. — Espada : Francisco Navarro, Quinito. Touros do sr. commendador Paulino da Cunha e Silva.

            Mais um desastre foi a corrida de domingo. Não ha meio de assistir a uma tourada boa, embora ella esteja recheiada dos maiores attractivos. E deve-se isso simplesmente aos touros que ali são lidados. No domingo foi a 11.ª corrida da epocha e são 10 os nomes dos lavradores que teem apparecido nos cartazes, e, com raras excepções, todos teem passado pelo desgosto que o sr. Paulino da Cunha soffreu. Não ha touros, é voz geral, e parece-nos que é uma triste verdade. De que serve uma corrida com elementos primorosos, se lhe falta a materia prima para complemento da boa obra. No emtanto, o que é certo é que nas praças de fóra se correm todos (touros ?) bravos. Allega-se que as gaiolas dão cabo dos touros. Acreditamos e combatemos aquelle systema de conducção. Se d'ahi é que parte o mal, acaba se com elle. Diz-se que o governador civil se não importa que o gado venha a pé, logo que hajam as necessarias precauções e que os lavradores queiram. Aqui é que bate o ponto e, segundo se affirma, elles é que não concordam. E porquê? perguntamos. Pois devem querer, devem procurar todos os meios de bem servir o publico, e não é só pensar nos seus interesses, não se importando que o povo, que paga, seja lesado com os maus touros que ali teem apparecido. Os lavradores, dando assim uma prova de sua lealdade e boa fé, devem ser os primeiros a trabalhar para que o gado venha a pé. Conseguido isto, se sahir da mesma qualidade, então é que se póde affirmar que não ha touros. Querendo os lavradores, tudo conseguirão, para bem dos seus creditos. N'outro logar d'este jornal tratamos tambem d'este assumpto.

            Não merece discripção muito longa a corrida de domingo, — e, como luctamos com falta de espaço, por isso a resumimos o mais possivel — não deixando de dizer no emtanto que podia ter sido magnifica, se os bois do sr. Paulino da Cunha tivessem marrado. Mas como na maioria sahiram mansos, eis o principal para que a tourada fosse um desastre para a empreza e um fiasco para o lavrador.

            Dos cavalleiros sobresahia Tinoco, que aproveitou com arte os dois touros que lidou, pondo ferros muito bons, principalmente no 2.º, que collocou 3 ferros curtos, sendo o ultimo magistral. O distincto artista foi muito applaudido.

                      O espada Quinito agradou muito ao publico. O vento prejudicou o seu trabalho de muleta, mas no emtanto teve passes de peito admiraveis, sendo colhido sem consequencias. O 6.º touro, que lhe sahiu, era manso de todo, por isso foi para o matadouro e veiu depois outro um pouco melhor. É muito trabalhador e muito attencioso. Agradou e o apublico applaudiu-o freneticamente.

            Os seus bandarilheiros pouco fizeram. Um d'elles, Pipo, foi colhido á gaiola quando tentava um quiebro, mas sem consequencias.

            Dos nossos artistas sobresahiram Theodoro e Cadete, que bandarilharam bem os 2 touros que lhe pertenceram, Cadete teve uma gaiola magistral, cuja sorte offereceu ao sr. Jayme Henrique. O publico applaudiu-os. Calabaça teve uma gaiola tambem boa e 2 pares rasoaveis. Minuto teve alguns pares muito bons. Tambem ouviram palmas.

            Pegas... 2 por junto.

            Direcção, muito demorada e incerta. Deixou andar um touro na praça mais de meia hora para ser pegado á volta, para afinal ser recolhido, sem os forcados fazerem nada.

            Em resumo, touros mansos, e o publico descontante. Entrada, meia praça.

            Á corrida assistiram Sua Magestade El-Rei e o sr. Infante D. Affonso.

D. JOSÉ TENORIO.


In A TOURADA, Lisboa - 21 de Junho de 1894