3 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : TOUROS DESGRAÇADOS E ARTISTAS INFELIZES NA FESTA DO CAVALEIRO SIMÕES SERRA...


Biblioteca nacional de Portugal
 CAMPO PEQUENO

Beneficio de Simões Serra

            Com uma concorrencia muito regular, realisou-se no domingo na Praça do Campo Pequeno a festa artistica do cavalleiro Simões Serra.

            O beneficiado deve ter ficado satisfeito pelas provas de sympathia que recebeu, mas o mesmo não lhe deve ter succedido com o resultado artistico da corrida, que foi o que se póde imaginar de mais sensaborão, em consequencia do ordinarissimo curro, fornecido pelo sr. Paulino da Cunha e Silva.

            Chega a parecer inverosimil, que haja um lavrador tão pouco cioso do credito do seu nome, que não duvide e, apresentar na primeira praça do paiz, um curro como o de que tratamos.

            Que cabeças, que cornos, que corpos e que bravura !...

            A armação de alguns, parecia mais de cabras que de bois (não confundir com touros !)

            Houve um, o 7.º, que se alguem o visse em uma estradanão fugiria, porque era o typo real dos bois de carro.

            Que pernas !

            Desconfiamos que se tivesse quem o ensinasse, não teria difficuldade em passar para dentro da trincheira, sem se incommodar a saltar.

            Até mesmo de carnes estavam n'um estado desgraçado.

            Alguns eram tão fracos, que o mais simples recorte os fazia cahir.

            Uma perfeita vergonha !

            Sabemos de um lavrador que a epoca passada nos apresentou dois dos melhores curros que foram corridos n'esta praça, que, tendo soffrido este anno o dissabor de lhe sahir um curro manso, mandou coar todos os touros que tinha para correr.

            Se o sr. Cunha seguisse o criterio do seu collega, teria até que mandar queimar as hervas que se criam nos campos onde comiam os animalejos que mandou para o beneficio de Simões Serra.

            Ainda se comprehende que este artista, não tendo talvez quem lhe fornecesse curro para a sua corrida, acceitasse tudo o que houvesse, mas o que não se comprehende, é que um lavrador não tivesse o pondunor preciso para se negar a trazer á primeira praça um curro d'esta ordem.

            Sabemos perfeitamente que, com raras excepções, os nossos creadores de touros de lide são meros commerciantes, mas procuraram sempre disfarçar o trapio com a gordura, a bravura com o trapio, etc. ; mas, este curro, não tinha nada nada que o recommendasse, nem mesmo para a choupa.

            Felizmente, houve um que se inutilisou antes da corrida, e tivemos portanto a vantagem de um desconto de 10 por cento na nossa indignação.

            José Bento (de Araújo), no primeiro, começou muito indeciso, não regulando o andamento do cavallo, tendo por isso mais de um pescanço, devendo-se no entanto citar um á volta e outro á tira, regulares.

            No 6.º tambem não conseguiu brilhar.

            Simões Serra toureou o 5.º com luzimento e muita vista.

            E note se, que o touro não era «una perita en dulce», como dizem os hespanhoes !

            Antes pelo contrario ; procurava constantemente os peitos do cavallo.

            Serra collocou-lhe uma farpa muito boa, e outras que o publico muito applaudiu.

            Desculpe-nos, Serra, o sahirmos das praxes usadas para os beneficiados, mas não podemos furtar-nos ao dever de lhe perguntar, qual a razão porque soube tourear aquelle bicho, e esta epocha tão pouco tem feito com touros nobres ?

            Pois reparámos que poucas vezes o seu cavallo se tem negado tanto como n'esta tarde !

            Emfim, o que desejamos é que Simões Serra iniciasse na sua festa uma nova phase de correcção artistica.

            No 8.º nada fez, porque aquillo não se toureia, e os peões não o ajudaram.

            A proposito : tocaremos mais uma vez no realejo a tal «polka da brega».

            É realmente uma vergonha que os nossos toureiros, com excepção de Theodoro, não saibam tirar um touro das taboas.

            Qual a razão porque Rocha abriu no primeiro touro o capote para o tirar, e, quando o touro entrou, em logar de repetir outro passe, para ficar no terreno de fóra e poder assim estar prompto a avisar, fugiu para as taboas, levando de novo o animal a onde o havia tirado ?

            Era então melhor fazer o que é costume entre nós : partir das taboas, metter-lhe o capote e saltar a barreira do lado opposto !

            Ao menos não nos fazia soffrer a decepção de julgar que ia-mos ver alguma coisa e não vermos nada !

            Os outros afinam sempre pelo mesmo diapasão, e por isso soffrem constantemente a desconsideração de verem o publico chamar os artistas hespanhoes, para que ponham em sorte os touros de cavallo.

            É duro, mas é assim ; e nós fazemos appello a todos os que se dedicam a escrever sobre assumptos «bicudos», para que se ponha de lado a nota patriotica, e se chegue duro sobre este assumpto, que nos parece merecer a mais severa attenção.

            Com as bandarilhas, apenas citaremos um par bom e outro muito bom, de Thomaz da Rocha, e um bom, de Torres Blanco.

            O espada Antonio Montes, nada poude fazer com a muleta ; em primeiro logar porque os touros se não prestaram, em segundo, porque era preciso fazer pegas, e, portanto, o trabalho do espada, a quem se paga um dinheirão era dispensado.

            Este assumpto promettemos aos nossos leitores tratal-o em artigo especial, no proximo numero.

            Com as bandarilhas, Montes, collocou um par de valor, pelo que ouviu palmas, assim como por ensinar aos nossos peões como se tira um touro das taboas.

            As honras da tarde, foram sem duvida para os valentes forcados, principalmente a Florindo que pegou á terceira, o quarto bicho, que apenas servia para dar derrotes.

            A intelligencia a cargo do publico.

M. T. David

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 3 de Agosto de 1902

16 DE MAIO DE 1909 - LISBOA : PRIMEIRA CORRIDA COM PICADORES NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO

 


Biblioteca nacional de Portugal

A CORRIDA DE HOJE

            Dá-nos hoje a empreza Baptista & Lacerda, um espectaculo muito do agrado do nosso publico — a primeira corrida com picadores, o que constitue sempre um grande attractivo, não tanto pela sorte de varas, em si, mas pelos quites, o que dá logar a que os espadas mostrem o seu valor.

            Os diestros que tomam parte na corrida são os festejados toureiros sevilhanos Manuel García Revertito e Manuel Torres Bombita III, que tanto agradaram na corrida do dia 2, no Campo Pequeno.

MANUEL GARCÍA «REVERTITO» 
(1882-1924)
FOTO : Emilio Beauchy Cano

            Como se sabe, Revertito é um toureiro de recursos, de variado reportorio, tanto no manejo da muleta e capa como na sorte de bandarilhas, em que é eximio.

            Manolo Torres é um toureiro larguissimo e a sua muleta vae adquirindo as perfeições e os adornos que tanto distinguem a familia Bombitas.

MANUEL TORRES REINA «BOMBITA III»
 (1884-1936)
FOTO : La Razón

            Os touros pertencem ao conceituado lavrador Antonio Luiz Lopes e teem o ferro da ganaderia do sr. marquez de Castello Melhor.

            A lide equestre está a cargo de Eduardo Macedo e José Bento (de Araújo).

            Além d'estes attractivos, a empreza ainda lhe augmentou mais a reapparição do notabilissimo bandarilheiro e grande peão de brega Antonio Soriano Maera-chico, que conta em Lisboa, não só numerosos amigos, como grandes sympatias na aficion.

            Bem acertada foi a resolução da empreza em trazer Maera, pelo muito que em Lisboa é estimado o sympatico artista.

            Com taes elementos é de crêr que a elegante praça do Campo Pequeno tenha hoje uma enchente collossal.

Biblioteca nacional de Portugal

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 16 de Maio de 1909

7 DE SETEMBRO DE 1902 - ALGÉS : «GRANDE FESTA ARTISTICA» DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


Biblioteca nacional de Portugal

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 7 de Setembro de 1902

7 DE SETEMBRO DE 1902 - ALGÉS : «GRANDE FESTA ARTISTICA» DO DECANO DOS CAVALEIROS, JOSÉ BENTO DE ARAÚJO, QUE CONCEDE A ALTERNATIVA AO JOVEM JOSÉ LUIZ BENTO

 


Biblioteca nacional de Portugal

As alternativas e... as opiniões

            O que são as alternativas ?

            Que importancia deve conceder-se a esta cerimonia ? e o valor d'ellas qual é ?

            É dada pelas praças ou pelos artistas ?

            Se é dada pelas praças, temos então muito a discutir ; se é dada pelos artistas, então, tanta validade tem a que dá o João como a que deu o Pedro. Sim, em apparencia, tem alguma coisa a mais a que deu Guerrita, que a que concede Mazzantini.

            Só em apparencia, já disse, pois o valor é o mesmo.

            Mas se conceder-mos alguma importancia á opinião de que o valor da alternativa é segundo a praça em que é dada, perguntamos aos que defendem tal theoria : Badajoz e Madrid, citamos estas praças por hespanholas ; e portanto onde se encaram os asumptos tauromachicos sob o ponto de vista que se devem olhar.

            Guerrita concede a alternativa a um novilho só na praça de Badajoz a este novilheiro, no domingo a seguir outhorga outra alternativa na praça de touros de Madrid.

            Por razão natural, sendo a praça a que dá o valor, o novilheiro que concedeu a alternativa ficou revestido de maior auctoridade.

            São formas de ver e portanto differentes maneiras de pensar.

            Agora vamos nós tratar da alternativa annunciada, para hoje, domingo. É em Algés. Mas quem a dá?

            Pois ... outhorga-a o cavalleiro José Bento (de Araújo) ;

            José Bento (de Araújo) ?...

            Este artista é o decano dos cavalleiros que na actualidade toureiam. José Bento (de Araújo), é artista de indiscutivel cathegoria. Qual é pois, a causa, as rasões que se impõem a que não tenha validade essa alternativa ?

            É talvez a importancia da praça ?

            É que a de Algés tem menos valor como circo taurino ou é que a parte de architectura influe na seriedade do espectaculo ?

            Não é Algés Lisboa ?

            Não é o mesmo publico aquelle que este ?

            Não será o cavalleiro José Bento (de Araújo) em Algés o mesmo artista que é quando trabalha na praça dos quatro balões ? (NOTA : A praça dos quatro balões é a do Campo Pequeno, em Lisboa)

            Pois se é o mesmo artista, em uma praça como na outra, por que carapuça não se concede valor ao facto de outhorgar a alternativa na praça de extra-muros ?

            Nada.

            Deixemo-nos de partidos, de questões de sympathia, e animadversão. Encaremos esta questão tal qual é ; dé-se o valor que tem a cerimonia, e o que hoje é para um, amanhã será para outro, e não é um costume que se estabelece, mas sim uma lei que triumpha é razão que impera.

Fiastol

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 7 de Setembro de 1902

24 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : A CORRIDA COM «LA REVERTE» ACABOU POR SER UM DESASTRE, MAS O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO SAFOU-SE COM UMA «BELLA IDEIA»...

 


Biblioteca nacional de Portugal

RECORTES

Bella ideia teve o José Bento (de Araújo) em substituir a pala pelo laçarote de fitas...

            Não é tão feio e dá o mesmo resultado.

Emecé.

O cavaleiro José Bento de Araújo em Lisboa
FOTO : DR

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 31 de Agosto de 1902

10 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : FESTA DO BANDARILHEIRO THOMAZ DA ROCHA COM CAVALEIROS SIMÕES SERRA, MANUEL CASIMIRO D'ALMEIDA E JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 


Biblioteca nacional de Portugal

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 10 de Agosto de 1902

20 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : DUAS TOURADAS COM VEDETAS ESPANHOLAS E PORTUGUESAS, O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO E O SEU TOURO DE ESTIMAÇÃO CAPIROTE...


 

Biblioteca nacional de Portugal

RECORTES

            Afinal tem havido para ahi uma salsada diabolica com a corrida de José Bento (de Araújo) !

            Uns dizem que é no dia 20 no Campo Pequeno, com a Reverte, o Capirote (NOTA : É um touro adquirido pelo cavaleiro José Bento de Araújo) e o Gallito-Chico... (NOTA :  Fernando Gómez Ortega «Gallito Chico»)

Fernando Gómez, Gallito Chico, pasando de muleta - Archivo ABC
https://www.abc.es/archivo/fotos/fernando-gomez-gallito-chico-pasando-de-muleta-6980196.html

            Outros que é em Algés só com a Reverte e Quinito.

            Afinal informações, que reputamos de todo o credito, dizem-nos que a tal corrida se desdobra em duas, sendo uma a 20 do corrente, no Campo Pequeno, com a Reverte, e Felix Velasco, e outra a 7 de setembro em Algés com o Quinito.

            ... Está claro que em ambas entra o Capirote...

Emecê

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 10 de Agosto de 1902

10 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : A FESTA DO BANDARILHEIRO THOMAZ DA ROCHA COM OS CAVALEIROS SIMÕES SERRA, MANUEL CASIMIRO D'ALMEIDA E JOSÉ BENTO DE ARAÚJO FOI UM DESASTRE...

 


Biblioteca nacional de Portugal

CAMPO PEQUENO

A festa de Thomaz da Rocha

            Se satisfez o beneficiado pelo bom resultado pecuniario, não satsifez o publico que ficou devéras mal impressionado com o curro de garraios (infezados alguns) que o lavrador de Almeirim Sr. A. Rodrigues Santo, se dignou mandar para a primeira praça do paiz, com a mesma sem ceremonia como mandaria para a extincta Cruz Quebrada (NOTA : A praça de touros de Algés foi edificada posteriormente).

            Lamentamos que se preze tão pouco o bom nome de um ganadero e que não haja remorso de consciencia, em se explorar tão ignobilmente o publico.

            A auctoridade para quem poderiamos appelar visto que visa os cartazes que annunciam touros e depois vê correr bezerros, essa cruza os braços e serve para tudo menos para exigir a responsabilidade a quem competir pela falta de seriedade nos contractos.

            Ha rigor e demasiado nos pequeninos casos ; aos, porém, de mais importancia não se lhe liga interesse algum.

            Se o que succedeu no domingo se desse em Hespanha a empreza era auctoada e esta por seu turno iria pedir a responsabilidade a quem pertencesse ; aqui repetimos, os abusos succedem-se, o publico vê-se ludibriado, aborrece-se a acaba por deixar de frequentar o divertimento.

            Isto é consequencia, da brandura de uns e dos poucos escrupulos de outros.

            Como resultado da má qualidade da materia prima, pouco temos a dizer do trabalho artistico : no entanto mencionaremos José Casimiro no 1.º touro que obrigou a marrar dando-lhe uma lide de mestre. O seu cavallo Rolito por duas vezes se virou para a esquerda e o distincto amador mudando de montada collocou dois ferros curtos bem apontados.

            Foi applaudido com enthusiasmo, assim como seu pae Manoel Casimiro, que achando-se ainda doente, se encontrava no sector 1.

            José Bento (de Araújo) e Simões Serra, deligenciaram bastante, mas ao primeiro coube um manso e ao segundo um tunante que metteu respeito ao cavalleiro.

            Da gente de montera houve de todos muito boa vontade.

            Theodoro Gonçalves, como sempre incansavel e saliente.

            Bandarilhando collocou bons pares sahindo para os dois lados, caso que merece mensção por ser extraordinario nos nossos artistas ; aproveitando um resalto teve um par bastante trazeiro, não sendo cado, no entanto, para as manifestações de desagrado da parte do publico, que outras vezes tão indulgente é.

            Thomaz da Rocha variou a lide em bandarilhas que não sahiu luzida como seria seu desejo, mas que mostrou ser feita com conhecimento e consciençia.

            Calabaças pae e filho, Saldanha, Torres Branco e Martins repetimos, todos com muito boa vontade.

            Apreciado este trabalho resta-nos dizer que na muleta pegou Theodoro uma unica vez no que fez muito bem e o capote vimos abril-o ao mesmo Theodoro, Martins, Torres e Rocha.

            Mas para não melindrar ninguem abstemo-nos de dizer o que vimos e se nos dão licenca limitar-nos-hemos a dizer que sentimos a falta de um toureiro hespanhol.

            Os forcados portaram-se bem, tendo Fressura executado uma pega de costas de muito effeito.

            O velho Botas a contento de todos, menos do emprezario Batalha, que no fim da corrida o estava reprehendendo não sabemos porque, mas calculamos que estaria desorientado com a manifestação ao Manoel Casimiro.

            Coitado, apezar d'aquelle enorme e balofo corpanzil, é um mesquinho em tudo, o nosso amigo Batalhinha.

Zé do Sol.

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

14 DE AGOSTO DE 1902 - LISBOA : CORRIDA NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO COM MARÍA SALOMÉ «LA REVERTE», FÉLIX VELASCO E ARTISTAS PORTUGUESES, INCLUINDO O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


Biblioteca nacional de Portugal


Félix Velasco Díaz «Chico»
FOTO : Revista SOL Y SOMBRA, Madrid - 10 de Maio de 1900

NOTA : O espada (Matador) sevilhano «Felix Velasco» era Félix Velasco Díaz "Chico" - (1873 - 1923).

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

17 DE AGOSTO DE 1902 - ALGÉS : UMA POUCA VERGONHA... (2)

 


Biblioteca nacional de Portugal

Praça de Algés

            N'outro logar nos referimos á ultima corrida em Algés.

            Vamos agora dizer o que ella foi e quaes as impressões que nos deixou.

            É claro que o publico, apesar do reclame enorme feito á illuminação, já sabia de antemão que a claridade não poderia comparar-se á de uma tarde de sol, que é a condição mais essencial para uma boa tourada.

            O que, porém, ninguem esperava é que a escuridão fosse tão completa que das bancadas se não distinguissem as armas dos touros.

            Touros ?!

            garraios, se fazem favor.

            E a respeito de bravura, temos conversado ...

            A não ser o 8.º, que pertenceu a José Luiz Bento, e em que este manifestou a sua pericia e manifesta vontade de progredir, todos os outros eram uns miseros animaes, com todos os defeitos que poderiam ter, incluindo a mais completa desegualdade.

            Para a Reverte sahiu um vitelinho tão novo e tão mansinho, que o publico não consentiu que fosse lidado, sendo substituido por um mano, que pouco mais velho seria, mas que denotava ser um pouco mais bravo.

            Os cavalleiros José Bento de Araujo e José Luiz Bento portaram-se á altura dos creditos de que gosam.

            José Luiz, como acima dizemos, salientou-se no seu segundo, pela maneira de citar e rematar, tanto mais que não tinha quem o auxiliasse, pondo-lhe os touros em sorte.

            Dos bandarilheiros apenas ha a mencionar um par de Torres Branco e outro de José Martins.

            Luciano Moreira, que appareceu no redondel só ás cortezias e no 7.º touro, pouco fez, já porque o bicho se nãon prestou, já porque o artista não procurou bem.

            Calabaça e Varino receberam grossa somma de palmas por collocarem dois excellentes... brincos, no segundo.

            Na brega salientaram-se tambem José Martins e Torres Branco, estando aquelle incasavel (NOTA : incansavel) em toda a corrida.

            Os mais ... andaram muito tempo na praça, com os capotes a correr.

            Um dos forcados deu duas voltas ao redodel (NOTA : redondel), agarrado á cauda do touro e ... foi muito applaudido.

            O intelligentee, (NOTA : intelligente) está velho, tem a vista cançada e ... não se deve já metter em taes assados.

C.

Praça de Algés (no século XX)
FOTO : DR

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

17 DE AGOSTO DE 1902 - ALGÉS : UMA POUCA VERGONHA... (1)

 


Biblioteca nacional de Portugal

UMA BURLA

            É o unico titulo que pode dar-se ao que no ultimo domingo se passou na praça d'Algés !

            No tempo em que aquella praça era explorada por um emprezario que ali queria fazer reviver a da Cruz Quebrada, não era o publico tão torpemente enganado.

            Annunciaram os cartazes uma corrida de dez bravissimos touros, e o ali se viu foi apenas dez reverendissimos bois, alguns d'elles, senão todos, mais dignos de choupa que de garrochas !

            A auctoridade, que tão escrupulosa é sempre que se annuncia um espectaculo em qualquer theatro, não pôz duvida em pôr o seu visto n'um cartaz em que se annunciavam — dez bravissimos touros — quando a empreza tinha só dez mansissimos garraios para offerecer ao publico !

            Para a Reverte — que a empreza annunciava como sendo a unica artista que impunha como condição essencial nos seus contractos não terem menos de quatro annos os touros a ella destginados — largou-se um vitellinho que pela côr e tamanho mais parecia o cão do Freire Gravador, e que assim que se viu na praça começou — coitadito ! — a balir, a balir, para que o deixassem ir mammar nos uberes maternos !...

            O emprezario, ou quem o seu nome empresta á empreza, não teve mais remedio que fazer a vontade ao publico, que não consentiu que o innocente fosse picado ...

            Mas ha mais e melhor ...

            Um dos maiores reclames da corrida, se não o maior, era a tal brilhantissima illuminação de dez mil bicos de incandescencia, de fórma que na praça parecesse estarmos em pleno dia, como é de primeira necessidade para a lide de rezes bravas.

            Pois essa brilhantissima illuminação de 10.000 bicos era composta unicamente por 16 lanternões comportando cada um onze bicos, e um outro ao centro da praça, que teria, quando muito, trinta e tantos lumes, de fórma que, com uns quarenta, se tanto, dispostos pelos camarotes, prefaziam a conta de duzentos e cincoenta bicos.

            Ora, em boas contas, para dez mil, não parece que faltassem muitos ...

            No fim d'isto, apenas perguntamos se a estes factos não se póde dar o nome de burla !...

A praça de touros de Algés. O espaço é hoje um parque de estacionamento...
FOTO : Arquivo CML

In REVISTA TAURINA, Lisboa - 24 de Agosto de 1902

20 DE FEVEREIRO DE 1888 - LISBOA : CARLOS TESTA, ALMIRANTE E DEPUTADO, DEFENDE NO PARLAMENTO DA PIOLHEIRA O FIM DAS TOURADAS, MAS O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO...

 


Biblioteca nacional de Portugal

CHRONICA

VIVAM AS TOURADAS!...

            Os jornaes de Lisboa noticiaram ultimamente, que o deputado sr. Carlos Testa, official da marinha portugueza, apresentará á Camara uma proposta pedindo a suppressão das touradas.

            Até aqui, nada de mais natural. O sr. Testa detesta as touradas ; tem voz dentro do parlamento ; e pede que as supprimam.

            A questão consiste em saber se o Parlamento vota a proposta (o que eu não creio) — e se o povo está disposto a submetter-se ao sentimentalismo piegas das Camaras... o que eu tambem não creio !

            As auctoridades competentes já supprimiram em Lisboa o repicar dos sinos e as procissões — o que é um idiotismo indiscutivel, attendendo a que em nome d'um falso espirito civilisador se supprimem os lados pittorescos d'uma capital, os aspectos caracteristicos e inoffensivos, emquanto que por outro lado só reina a banalidade, o crime e a vadiagem impudente. Antes de supprimir os sinos, por que não tratou o sr. Arrobas de supprimir os faias?

            Á suppressão dos sinos e das procissões, como a do Corpus Christi — o povo da capital não pôz opposição.

            Mas agora que pensam em supprimir os seus divertimentos favoritos — as touradas, e depois as festas populares das vesperas de Santo Antonio, São João e São Pedro — então o povo ha de vir para o meio da rua, e estou certo que não ha de ser nem a municipal, nem a policia, que lhe hão de metter mêdo...

            Que um Governador civil imprudente tente tocar-lhe nos seus divertimentos — e n'esse dia andará o Diabo á solta pelas ruas da cidade.

            Não respondo pelos vidros do palacio do senhor Governador !

            A proposta do illustre deputado o sr. Testa, o mesmo que contesta que possa ser um prazer d'homens civilisados ver metter um par de ferros no cachaço d'um touro — teria passado desappercebida, como frouxo grito d'um sentimentalismo d'importação, se um cavalleiro tauromachico portuguez não viesse provar dias deois ao sr. Testa, que n'uma praça de touros tambem ha mais espirito e humorismo do que n'um parlamento, e mesmo do que em muitos folhetins de folhetinistas na moda.

            O cavalleiro tauromachico José Bento d'Araujo vendo que um official de marinha e deputado, em vez de estudar questões maritimas ou coloniaes do seu paiz, passa no seu gabinete a estudar as questões tauromachicas — o que pensam os leitores que decidio o cavalleiro?...

            Estudar por seu turno as questões que dizem respeito ao ministerio da marinha ! E tratou de promover um meeting composto de todos os amadores de touradas, em plena praça do Campo de Sant'Anna, para pedir ao Parlamento que acabe com o uso da chibata a bôrdo dos nossos navios de guerra !

            A lição não podia ser mais fina, nem mais eloquente...

            Francamente, que não faço a menor ideia do espanto e da surpreza que deviam ter assaltado o sr. Testa, no momento em que leu semelhante noticia...

            E a sua proposta de lei para a supressão das touradas — mesmo que fosse merecedora dos applausos de toda a camara e de todo o paiz — não precisa ser discutida nem posta á votação, para ter de cahir redondamente pelo ridiculo.

            A lição é tanto mais dura, quanto ella é espirituosa e inoffensiva. Lembra-me até a famosa lição das Précieuses ridicules de Molière, quando as duas mulheres tomam o marquez de Mascarille e o amigo por dois personagens da côrte... quando não passam dos criados dos homens que ellas não quizeram por maridos, julgando-os homens excessivamente vulgares, sem distinção e sem espirito.

            Pois o sr. Testa, official de marinha, lembra-se de propôr ao parlamento a suppressão das touradas — quando na marinha portugueza não são touros que são corridos, mas são marinheiros, mas são homens como nós, como eu e tu leitor, que são corridos á chibata?!...

            Que um outro deputado — talvez por ter levado em môço uma bôa bolada d'um touro, no sitio em que os touros ironicamente costumam ferir os medrosos — se lembrasse de supprimir as touradas, d'accordo. Mas que um official da marinha portugueza se lembre de pedir a suppressão das touradas, por que deixam o animal a escorrer sangue, emquanto na nossa ramda, á força de chibata, ficam a escorrer sangue os lombos dos nossos irmãos, isto em nome da Disciplina, com o consentimento da lei, e á sombra do Pendão das quinas — é o que passa todos os limites do inverosimil!...

            Este facto e este contraste tão prodigiosamente comico, que mais parecem extrahidos d'alguma comedia extravagante de Labiche — provam mais uma vez que o Figaro tem carradas de razão, quando diz ácerca das coisas de Hespanha... que prefere rir de tudo, com mêdo de ter de chorar...

            Pois n'esta scena de comedia, os meus leitores não vêem os disparates e a anarchia que reinam em todas as classes da nossa sociedade?...

            Um deputado, official de marinha — que eu aliás respeito tanto mais, quanto não tenho a honra de o conhecer — em vez de se preoccupar com as altas questões que diariamente o cercam ; e de auxiliar com a sua intelligencia e com os seus conhecimentos, a resolução do problema maritimo e colonial, hoje que toda a Europa, áparte a questão do Oriente, só tem os olhos fixados sobre as questões africanas — um deputado, official de marinha, limita-se no parlamento, como se fosse uma questão que preoccupasse a Europa e de que estivesse dependente a nossa independencia... a pedir ao governo a suppressão das touradas !

            E é um cavalleiro tauromachico que chama espirituosamente á ordem esse senhor deputado e inutilisa a proposta do sr. deputado-official de marinha — promovendo um meeting na praça de toiros de Lisboa, para pedir ao governo que supprima o supplicio da chibata a bôrdo dos nossos navios de guerra !

            Donde se póde concluir, sem maldade, o seguinte :

            Que seria conveniente submetter a um conselho de medicos os dois antagonistas. Talvez os homens de sciencia, graças aos maravilhosos recursos de que hoje dispõem, encontrassem no sr. Testa uma vocação errada, e um optimo temperamento para presidente da Associação protectora dos animaes — e no sr. José Bento d'Araujo uma vocação decidida para contra-almirante !...

            Parece-me escusado insistir nas vantagens d'uma tal descoberta. Os touros podiam dormir tranquilos — e se é facto que a chibata existe, o nosso paiz podia contar uma vergonha de menos !...

            Mas que mania é esta, em nome d'um falso sentimentalismo, d'uma falsa civilisação e d'um falso progresso — de quererem dar cabo das touradas, quando a tourada é o unico divertimento, é o unico espectaculo, verdadeiramente portuguez, que nós hoje possuimos ?...

            Em nome de que principio é que se vae tirar a um povo uma das suas raras distracções ?

            Supprimir as touradas porque não é um espectaculo edificante — equivale a dizer que em seguida se vão supprimir as romarias, que é um espectaculo ainda menos edificante que o primeiro.

            Eu pergunto aos nobres deputados que estejam atacados da raiva da civilisação, qual é mais ridiculo e mais immoral — ver um touro sangrando porque lhe metteram um par de ferros no cachaço... ou ver a Virgem sahir d'um templo, ser collocada dentro d'uma berlinda ridicula, e ser levada por um cirio mascarado, através das povoações, ser levada para um bando de borrachos até ao templo da Senhora da Nazareth ?...

            Se a moralidade do meu paiz dependesse das touradas, eu supprimia primeiro os cirios — porque isso toca á nossa fé, toca á nossa religião !

            Mas ao contrario dos moralistas de fancaria — eu, que me considero homem moderno e homem livre, que amo e combato pela dignidade da minha terra, que só peço ao Deus de todas as religiões que no meu paiz haja uma mais justa ideia da verdadeira Moral — da moral publica e da moral privada — eu não hesito em defender as touradas como um espectaculo essencialmente nacional, com o qual nada tem que soffrer a moralidade publica, — assim como defendo os cirios, porque não olho para os ridiculos que só saltam á vista d'um atheu de contrabando, e porque nos cirios só vejo o seu lado pittoresco e a poesia ingenua e pagã que d'elles se evola, e que os torna encantadores !...

            Querem supprimir as touradas ?... Mas por que divertimento pensam os srs. moralistas substituir esse divertimento predilecto do nosso povo ?...

            Os srs. moralistas gostam mais das corridas de cavallos, das regatas e do tiro aos pombos. D'accordo. São espectaculos mais mundanos — mais catitas, como diz o lisboêta na sua linguagem abandalhada.

            Mas porque os srs. Moralistas gostam do divertimento catita, não contestem ao povo o direito de gostar do divertimento popular.

                        Apesar de me não inspirar o menor intresse nem uma corrida de cavallos, nem um concurso de tiro aos pombos, nem por isso deixo de convir que são coisas elegantes — e distracções tão crueis e tão immoraes como uma corrida de touros !

            Mas prefiro uma tourada — e querem os srs. Moralistas saber porquê ?...

            Porque de todos os grandes espectaculos a que tenho assistido em Lisboa, nenhum me ficou tão gravado na memoria, nenhum me apparece ainda hoje ao meu espirito mais deslumbrante, mais pittoresco e mais enthusiastico — do que a ultima corrida organisada em Lisboa, ha uns bons quinze annos, por esse nobre e distincto representante da antiga fidalguia portugueza, que se chamou Marquez de Castello Melhor.

            Porque ainda tenho presente aos meus olhos o deslumbramento da praça do Campo de Sant'Anna, toda adornada se setins e damascos ; a elegante figura do Marquez, vestido á Marialva, como se fosse uma soberba e magestosa ressurreição d'um portuguez e d'um cavalleiro do seculo XVIII ; todo o grupo de rapazes distinctos que o rodeava, de bellos rapazes d'uma geração de que parece ter-se perdido a semente, e que foi substituida mais tarde pelo janotinha do Chiado, de collarinhos postiços e monoculo ; e o publico applaudindo em delirio, cobrindo de flôres e charutos a praça.

            E em todo aquelle maravilhoso espectaculo, sem maldade e sem immoralidade, parecia ainda viver uns restos d'esse bello Portugal do seculo passado, quando um cataclysmo medonho arrazava Lisboa, e ainda havia em terras de Portugal portuguezes que sabiam em pouco tempo, sobre as ruinas d'uma cidade, edificar outra cidade !...

            Supprimir touradas ?!... Mas não é d'isso que está dependente o nosso decoro, nem tão pouco a nossa fortuna...

            Em vez de supprimir touradas — tenham a bondade de supprimir secretarias ! E que o parlamento auctorise o Governo, ou o Governo auctorise a Camara — a construir uma bella praça de touros ás portas de Lisboa. (NOTA : Foram edificadas poucos anos depois duas praças : a do Campo Pequeno e a de Algés, nos arredores da capital).

            É preciso que o povo se divirta — pobre povo que não faz senão pagar !...

MARIANO PINA

In A ILLUSTRAÇÃO, Paris - 20 de Fevereiro de 1888