19 DE JANEIRO DE 1908 – RIO DE JANEIRO: CORRIDA COM CARNAVAL À PORTA


 

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TAUROMACHIA

Como em todos os annos, o popular D. José (Bento de Araújo), que é um semi-satanaz taurino, colleccionador de pontas emboladas, ao celebrar hontem o seu beneficio, dedicou-o á destemida rapaziada que compõe a miu nobre, leal, invicta e benemerita sociedade Tenentes do Diabo.

Por esse motivo, depois apagar o fogo das paixões vulcanicas e desoccupar as “calderas” do “buffet” social, os infatigaveis endemoniados, reunidos em “apretada piña” de franca amizade, abandonaram a caverna traslandando-se ao circo taurino.

O pharol solar illuminava os camarotes onde “acampaban” as hostes infernaes, capitaneadas por Lucifer, Belzebú, Barrabás, Mephistofeles e Pero Botelho. Alli, em meio da “soldadesca endemoniada” tremulavam os invictos pendões corcados de laureis. Alli, na deserta immenidade do vento, flammejavam com epilepticas saudades as bandeiras ganhas em cem batalhas carnavalescas. Alli... soava a trombeta da Fama immortalisando os Tenentes do Diabo, e o bombo proclamando rei do ruido a “Zé Pereira”.

A praça transformada em inferno taurino, assemelhava-se ao sensual paraiso de Mafoma, e nella, aromatisando o ambiente, mostravam seus feitiços ondinas e vencidas, “enjauladas” em gazes, tules e sedas; umas, luzindo mantilhas hespanholas; outras, chapéos afrancezados; e todas nardos, dahlias e cravos engarçados entre os brancos “encajes” de seus “corpihos” (????)  vaporosos.

D. José (o eterno beneficiado) parodiando Luis XV, luzia casaca de seda negra, bordada pelas “proprias” mãos das fadas. Seu secretario particular girava-lhe em torno como a lua ao redor do sol; os “idolatras” de Euterpe (????) tocaram uma “flamenca” melopéa incandescendo o sangue dos “anacletos”, e os marinheiros norte-americanos com suas jocosas excentricidades divertiam-se a mais não poder.

Assim as cousas, occupa a presidencia do tribunal taurino, o distincto “aficionado” D. José Vieira Duarte. Lisboa, o corneta de ordens, enche os dous “carrillos” e sopra, sopra e o clarim annuncia o desfile regio “de los diestros”.

A “cavalgata anti-torera” compõe-se de uma banda de clarins, a cavallo, vestindo “trajes” infernaes; um carro “a la Frederica”, conduzindo o beneficiado, cavalleiros Morgado de Covas e Victor Marques e os bandarilheiros”Maera” e Manuel dos Santos; outro carro (de aluguel) com o resto dos toureiros que compõem a “cuadrilla” e uma pequena escolta de forcados e pastores.

Que dizer da tourada?

Sendo-nos impossivel detalhal-a, por falta material de tempo, diremos resumindo que, em conjuncto, foi superior.

Os touros lidados, excepto os sexto e ultimo, deram jogo, demonstrando bravura.


Os cavalleiros José Bento (de Araújo) e Morgado de Covas mostraram mais uma vez a arte toureira que possuem e a intelligencia e valor que transbordam, quando querem luzir.

Victor Marques fez tão pouca cousa, que não merece qualificativo.

Os espadas Villa e “Cantaritos” ambos com muitas ganas de mostrar suas habilidades, ganharam muitas palmas, merecidas, conseguindo tirar do publico carioca essa glacial indifferença com que assiste á sorte mais arriscada e difficil que tem o toureio classico.

Villa usa terno granada e ouro e empolga “dos altos, uno de pecho” e varios naturaes. “Marcando los tiempos” e “por derecho” entra a “volapié” e assignala uma boa estocada.

Passes, 6; minutos empregados na morte, 4.

“Cantaritos”, que tem “enxundia” ????  toureira em todo o corpo, veste terno tabaco e ouro; alveja com a “muleta” a cabeça do seu rival, e mais fresco qo que uma “lechuga”, mettendo o pé esquerdo, dá um passe “alto”, dous “de pecho” com a “rodilla en tierra”, um “ayudado” e varios naturaes, que enlouquecem o publico soberano, pela elegancia, aprumo e valentia com que os executa o “diestro”. “Cantaritos” entra “a matar” per???? como Deus manda e assignala, nas “agujas”, uma estocada com uma bandarilha “de a curta” ????.

Passes, 1; minutos empregados na sorte, 3.

Em bandarilhas os dous “matadores” estiveram a boa altura; Villa, com um par superior, “aprovechando”, e “Cantaritos” com outro idem “al cuarteo”.

Dos “muchachos” nada de máo se pôde dizer, pois todos cumpriram bem. “Maera”, “ ????” com um touro “guasón” e “resabiado” fez o milagre de cravar um par “al cuarteo”. Immelhoravel, “tras” e uma bonita preparação que lhe valeu palmas. Manuel dos Santos poz outro idem superior e sofffreu um “encontronazo” sahindo “volteado”, sem consequencias. Alfredo poz um par “cambiando”, archi-superior e deu um “lance” de capa no penultimo touro, como dão os mestres. Thomé cravou um á sahida da gaiola, muito bom, e trabalhou muito com o capote, “aunque” sem luzimento.

Oliveira cumpriu com um par regular e Angelo deu o salto da “garrocha” com muita limpeza.

Ferros postos. 18.

“Encontronazos” soffridos pelos cavallos, 4.

Passes de “muleta”. 13.

“Desarmes”. 00.

Estocadas assignaladas. 2.

Bandarilhas postas. 29.

Justo Verdades.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 20 de Janeiro de 1908

7 DE MAIO DE 1893 - NÎMES: MAIS UMA CORRIDA HISPANO-PORTUGUESA NAS ARENAS


 

In LA MISE A MORT, Nîmes - 6-13 de Maio de 1893

6 DE MAIO DE 1894 – LISBOA: SUCESSO DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 


Les Toros hors de France

Lisbonne (Portugal). — La cinquième corrida de l’année a eu lieu dimanche avec la cuadrilla du novillero Francisco Gonzalez (á) Faïco et le concours également des caballeros en plaza Jose Bente de Araujo et Fernando de Oliveira.

Douzes toros provenant de la ganaderia de Silva Facao ont été combattus vaillamment par le jeune matador, secondé surtout par les banderilleros Primito et Pulguita.

Le premier et le septième toros ont valu des applaudissements mérités à (José) Bento de Araujo qui s’est surpasssé dans ses exercices.

In LE PICADOR, Nîmes – 13 de Maio de 1894

20 DE AGOSTO DE 1893 - NÎMES: "GRAN CORRIDA ESPANOLA" E DESPEDIDA DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO COM TOURO DESEMBOLADO


 


In LA MISE À MORT, Nîmes - 19 a 26 de Agosto de 1893

1 DE JANEIRO DE 1908 - RIO DE JANEIRO: O "CARTÃO DE BOAS FESTAS" DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro - 1 de Janeiro de 1908

29 DE DEZEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: UMA TOURADA DE EXCEPÇÃO


 

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Tauromachia

Nunca melhor do que hoje, podem felicitar-se os que sabendo apreciar as difficeis sortes da tauromachia moderna, assistem, sem perder uma, ás touradas que se realizam no redondel do Campo de Marte.

E podem felicitar-se porque nunca foi organisado, nesta capital, um programma taurino no qual figurassem tres matadores de reconhecido merito, seis bandarilheiros de fama e dous cavalleiros como José Bento (de Araújo) e Morgado de Covas.

Esse soberbo espectaculo, que hoje offerece a empreza tauromachica aos bons aficionados, demonstra mais uma vez os gigantescos esforços que a mesma emprega, no intuito de arraigar no Brasil a festa favorita dos hespanhóes e portuguezes.

É, pois, de esperar que com tantos e taes attractivos a praça de touros regorgite esta tarde, ao sól e á sombra, não deixando os aficionados um unico logar vasio, maxime se o tempo concorrer, com o seu valioso contigente, para o brilho da festa.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro - 29 de Dezembro de 1907


29 DE DEZEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: DOIS LEÕES NA ARENA...


 


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Tauromachia

Vae por ahi verdadeiro enthusiasmo pela tourada de domingo, em que José Bento (de Araújo) faz lutar com um touro dous leões...

Esse touro será o ultimo do programma e, até sua sahida, terá o publico occasião de ver o trabalho digno das melhores praças européas.

Assim assistiremos duas estréas: do matador Villa e do bandarilheiro Angelo, assim como a despedida de Juan Iglezias.

Não resta pois a menor duvida de que a corrida deve resultar superior.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 27 de Dezembro de 1907

ANÚNCIO


In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 28 de Dezembro de 1907

22 DE DEZEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: ENTRADA DA “FESTEJADA TOUREIRA LA PEPITA” QUE BANDARILHA MONTADA A CAVALO


 

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Tauromachia

A tourada de hoje vae ser um successo enorme. La Pepita toureia a cavallo acceitando duelo com o touro.

Publicamos na secção competente o respectivo annuncio.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 22 de Dezembro de 1907


In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 22 de Dezembro de 1907

1 DE DEZEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: UMA TOURADA CHEIA DE ENCANTO E DE POESIA...


 

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Tauromachia

Tarde soberba de luz! O céo era uma immensa turqueza a perder-se no engaste do horizonte longinquo. A praça apresentava aspecto garrrido; sombra animadisssima, sol com muitos claros, quasi não se via sombra de gente no sol.

Lá no alto, no renque dos camarotes, espoucava a graça feminina, com toilettes claras; em um delles, o 17, a toureira Pepita que vae estrear breve, em trajes da sua terra, a seu lado duas patricias sympathicas faziam pender da balaustrada o classico manton (NOTA: mantón) de seda bordado. Nisto os olhos do poeta chronista sentiram-se offuscados, em uma mirada para o camarote 22. Toda a salerosa graça de Sevilha alli estava resumida! Senhoril, graciosa, entrou Carmen Ruiz, a evolar alegria de seu sorriso vivo; a multidão acclamou-a, o alarido alacre das almas em festa traduziu-se em applausos, quando viram a rainha da festa derramar sobee o peitoril a seda brilhante de seu manton de manilla (NOTA: mantón de Manila), com as cores hispanicas. O poeta sentiu vibrar as cordas do enthusiasmo:

Dá que eu veja, como esmola

Ou como excelsa offerenda,

O teu perfil de hespanhola

Sob a mantilha de renda!

Seu traje, lilaz claro, perdia-se sob o rendado da mantilha, que, em rendilhados finos acariciava-lhe os cabellos. Rubros claveles (NOTA: cravos) redolentes alcatifavam-lhe o collo, com a graça infinita que só ella possue, e tanta, que o poeta não resistiu:

Vive minh’alma confusa

Ao ver belleza tamanha,

No teu olhar de andaluza

Toda a volupia de Hespanha!

Bello porte aristocrata,

Maneira da raça antiga!

— Trouxeste o punhal de prata

Atravessado na liga?

Nisto sôa o clarim e o companheiro Justo Verdades toma o lapis para fazeer a resenha da corrida:

«A intelligencia desta vez encontrou pessoa com geito, o cavalheiro Victor Marqques, que se portou correctamente.

Entra a cuadrilla para as solemnes cortezias, com todas as regras do estylo.

Em seguida, o clarim toca o signal para o 1º touro, côr de lusco-fusco, mais claro do que escuro, que foi o melhor cornupeto da tarde. Com elle fez o cavalheiro Morgado de Cóvas uma estréa garrida e brilhante, cravando-lhe cinco ferros largos esplendidos, al quite e um curto magnifico, com intento.

Ganhou applausos em penca, muitas flôres e muitos charutos; uma bella ovação.

O 2º touro já é sarado, malandro como elle só, mas assim mesmo procurou dar conta do recado, recebendo de Maera um par al quarteo (NOTA: al cuarteo) superior e outro supimpa, pois o bravo hespanhol, sem deixar as bandarilhas, preparou a féra com bellos passes de capote para tal fim.

Oliveira cravou um par regular e outro aproveitando.

Maera, em seguida, fez varios passes magnificos com a capa.


Ao cavalleiro José Bento (de Araújo), um bravo que bebeu o elixir da juventa e não diz a ninguem o segredo da sua eterna mocidade, a esse veterano destemido coube o terceiro touro. Alfredo Santos fez a sorte da vara com resultado. A féra, a princcipio, fez negaças, depois resolveu-se a arremeter e José Bento (de Araújo) cravou-lhe tres ferros largos de primeirissima, dos quaes um en tabla, e um ferro curto muito bom. Applausos e ovações a José Bento (de Araújo). Nesse momento appareceu a figura do Camarão, o mais celebre dos afficcionados, os espectadores saudaram-no com effusão, emquanto o poeta, embevecido, perpetrava mais umas rimas para o guapo camarote.

Teu olhar vibra scentelhas,

Teu labio inspira desejo,

Que mette milhões de abelhas

Zumbindo dentro de um beijo.

Sôa de novo o clarim, e entra o quarto touro, Manuel Santos mette-lhe meio par, Alfredo Santos faz um bello cambio de rodillas, Cantarito mette meio par, intentando cambiar com valentia.

Manuel Santos faz um luzido preparo e a féra, depois de capeada optimamente por Maera, recebe de Manuel Santos um bello par de castigo.

Cantarito intenta com ardor a sorte da cadeira, a féra não ajuda, mas recebe um par magnifico.

Maais outro par bonito de Manuel Santos e Cantarito então pratica a sorte da muleta, passe natural, é desarmado, mas rapidamente faz um bello passe de peito pela direita, outro em redondo muito bom e faz a sorte da morte cravando no animal uma boa estocada.

Applausos em penca.

O 5º touro, negro, dorso estriado, saltador, cachaçudo, coube ao cavalleiro Morgado de Cóvas, que montava um soberbo tordilho andaluz, puro sangue, ginete adestradissimo, que elegantemente fazia a manobra sem o menor castigo.

Apezar das negaças da féra, Morgado crava-lhe tres ferros largos superiores e mais um á meia volta, recebendo muitas palmas.


Houve ahi uma interrupção: onde está o homem está o perigo, na sombra armou-se um sarilho de repente, assustando as damas e obrigando os homens a alguns safanões e cotoveladas.

Faz-se de novo a paz tranquilla, graças á conferencia de Haya du supplente que presidia á corrida.

Entra o 6º touro, preto; Alfredo crava-lhe um par al quiebro, mas foi volteado pela féra, crava-lhe outro par, aproveitando, a meia volta. Thomé crava tres pares bons, bem lançados, Alfredo mais dous pares e meio, um delles entrando no terreno do cornupeto. Foi capeado luzidamente por Maera, Cantarito, Thomé, Oliveira e Alfredo. Seguiu-se a pantomina Córta jaca, muito parecida com a de domingo passado, dando os rapazes muita sorte com o touro que lhes coube, entre dansas, saracoteios, tambalhotas e saltos mortaes. Resumo: tarde esplendida, gado um pouco melhor do que o das corridas passadas, sortes soberbas, animação completa e a poesia, lá em cima, completamente integrada nessa figura dominadora e gracil que prrendia e empolgava, perturbadoramente linda, soberbamente encantadora. E o poeta, á sahida, monologava, inspirado:

Senhora de mago encanto

Que extasia e maravilha,

És como a flor de amarantho

De um castello de Sevilha!

Justo Verdades e Raul.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 2 de Dezembro de 1907

24 DE NOVEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: CRÓNICA ASSAZ ORIGINAL EM »PORTUNHOL» DE UMA TOURADA QUE PROMETIA


 

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Tauromachia

Soberba tarde, de sol dos tropicos flammejantes, imponente, a rasgar no céo a limpidez azul dos grandes dias festivos. Hesitava-se nessa contemplaçáo, seria o céo carioca ou seria o firmamento de Sevilha, esta belleza empolgante que curvava a tarde? Talvez o refluxo de uns olhos azues, olhos matadores, que lá no alto, nos camarotes, fitando o céo, formavam um esplendido duetto de luz balsamica.

Na praça, concurrencia animadora, “sombra” movimentada, “sol” modesto; pelos camarotes cantava a garridice das damas em vestuarios claros, dous delles, juntos, unidos, ostentavam a graça infinita da união hespanhola: do peitoril, a derrramar scintillações de sêda, pendiam festivos “mantons de manilla” (NOTA: mantónes de Manila) emmoldurando a graça subtil das damas; destes surgia, como um riso humanizado, como uma alegria viva a trefega figura de Carmen Ruiz (NOTA: Ruiz Moragas, Carmen. Madrid, 10.IX.1896 – 11.VI.1936. Actriz y amante de Alfonso XIII.), a lembrar um poema de Merimée, moldado em rimas de Campoamor.

Offuscava o seu olhar fascinante. Dos labios em constante sorriso pareciam “claveles” minusculos, diminutos, emmoldurando um fio de perolas de ophir.

O rosto, levemente osculado pelo reverbero do sol, fazia palpitar na viva accacia de seu olhar que tenta a maravilha, toda a robusta e encantadora audacia das “salerosas” damas de Sevilha...

Mais adiante, em outro camarote, outra nota hespanhola interessante de garridice. Guapa morena fazia escorrer pelos cabellos bastos o rendilhado mourisco de uma vaporosa mantilha.

Mas já vae longe essa introducção; demos agora a palavra a Justo Verdades para as apreciações da “corrida”.

Presidia o espectaculo tourino, como figura decorativa, o transformista lisboeta Vaz, que com todo o seu poder “sobrenatural”, não pôde transformar em mansos cordeiros os bons aficionados que sabem empenhar os botins para occupar um modesto “tendido” na praça de touros, onde ordena e manda o philosopho Dom José. Soou a “trompetilla” tourina á hora regulamentar e os cavalleiros (José) Bento (de Araújo) e Marques, vestidos á antiga usança, com casacas do anno passado, fizeram os cortejos implantados por ordem real, durante o reinado de Fernando VII.

O primeiro touro da tarde era  mais negro do que o betume aquoso esparramado no canal do Mangue. Sahiu receloso e manifestou-se “marrajo” (NOTA: asturo) de primeiro grão. O lente da “faculdade” tauromachica”, Sr. (José) Bento (de Araújo), com a capacidade toureira que tem armazenada na massa encephalica, cravou tres ferros largos bons, sobresahindo o segundo.

Os “muchachos de apié”, cumprindo religiosamente a sua missão, “metieron” os capotes opportunamente e o populacho anacleto protestou sem razão, (José) Bento (de Araújo), como sempre, colheu umas tantas “fanegas” de palmas. O segundo, vestido de meio luto, imitou em tudo o seu irmão de gaiola. Thomé e Alfredo Santos adornaram-lhe o “morillo” com tres pares e dous meios.

Thomé esteve infeliz e Alfredo esteve á altura de Santos Dumont, quando o celebre aeronauta brasileiro se elevou em Paris, no anno de 1902. O terceiro cornupeto ostentava o grão de bacharelato em impureza.

Manuel Santos, “el chato” mas “flamenco” que recebeu agua baptismal na heroica terra de Viriato, “clavó” um bom par á sahida da gaiola e outro egual “al cuarteo”.

Maera, o toureiro de merito reconhecido, o “tio” do capote; com todo “el angel” de um seraphim com “coleta”, depois de uma lucida “preparacion, dejó en su sitio” dos pares superiores, ambos “al cuarteo”.

O quarto, que pisou a “arena se traia las de Cain”, por ser receloso, “marrajo y rezabiado”.

Victor Marques, simulando nos labios roseos um sorriso fingido (só para parecer com Don José (Bento de Araújo, seu superior hierarchico), fez tudo o que poderia fazer o proprio Tinoco, se o immortal cavalleiro levantasse a cabeça. Pôz tres ferros largos e recebeu uma ovação do publico em testemunho da sua lucida faina.

O quinto, revelou-se mal humorado, com maneiras de “capoeira”. Oliveira cravou tres pares “aboriados” (NOTA: paridos antes de tempo, em castelhano – verbo:aboriar) e Alfredo Santos dous muito acceitaveis, que lhe valeram muitas palmas.

Thomé e Maera passaram-lhe o capote com alegria e arte, e Cantaritos, “ciñendo-se” (NOTA: sinónimos do verbo “ceñir”, segundo a Real Academia Española: “rodear, abarcar, abrazar, envolver, ajustar, apretar, estrechar, comprimir, oprimir, amarrar”.) muito, o “muletéo” com “frescura” dando varios passes de peito superior.

O sexto, digno successor de seus antepassados, mostrou-se doutor em sciencias occultas. Thomé deixou um bom par à saida da gaiola, outro melhor, querendo “cambiar” e outro “al cuarteo” superior.

Manuel dos Santos cravou dous pares muito bons, e "ambos a dos” receberam muitas palmas. Cantaritos “por não sei que irregularidade commettida por não sei quem, recebeu os “trastos” de matar das mãos de Thomé e, ajudado magistralmente pelo colosso Maera, fez uma lucida “faena”, dando passes de peito com os joelhos em terra, o abdomen a duas pollegadas das pontas do touro. Fez a sorte de matar e deixou assignalada no seu sitio uma superior estocada.

Depois disso que direi?

Direi que varios aficionados portuguezes, visinhos de logar, ao saberem que a minha humilde pessoa era revisteira tourina do “Jornal do Brasil” disseram-me em tom indignado “o que aqui se passa, nuca se viu em Lisboa e a culpa de tudo isso cabe aos fedelhos revisteiros, que vão por conta da empreza...”Dios mio! será verdade tanta belleza?”

Agora Justo Verdades passa a palavra ao companheiro para emittir parecer sobre a pantomina.

Ao signal do piston que finge de clarim, abriu-se o portão e entraram dansando ao som do trepidante “Corta Jaca” o “Pouca Roupa” e mais tres collegas encadernados em roupas exoticas, formando dous casaes, um de calças e outro de saias. Depois dos comprimentos entre passinhos miudos de “catereté misturado”, foram esperar o touro que lhes estava reservado. Corajosos todos os quatros, provocaram gargalhadas francas pelos modos comicos com que crivavam os ferros na féra, a praça parrecia vir abaixo com tanto riso. De uma feita, um dos comicos, apanhados pelo animal descreveu no espaço a curva do desespero, em salto mortal macio, e desceu em terra firme, fresco como uma alface, continuando o seu o passinho de dansa. Os typos dos figurinos eram exoticos a valer, e um delles, pela extravagencia do aspecto, provocava o riso á simples vista. Imagine-se um latagão de pernas á mostra, saiote curto, castanholas nas unhas, a dansar a seguidilha em frente do cornupeto!

E assim terminou a festa, sahindo todos em bicha, alegremente, emquanto um de nós seguia dominado pela suave impressão daquelles olhos, daquelle sorriso, daquelle camarote, daquelle “manton de manilla” (NOTA: mantón de Manila).

“Bemdita seas!

Justo Verdades e Raul.

NOTA: A biografia de Carmen Ruiz Moragas pode ser consultada aqui:

 https://dbe.rah.es/biografias/17725/carmen-ruiz-moragas

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 25 de Novembro de 1907

17 DE NOVEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: ESTREIA COM TOUROS MAUS


 

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Tauromachia

Com uma tarde desenxabida e tristonha, amenisada por um chuvisco pulverulento, que aos poucos, parecia semear entre os espectadores o temor e o receio de prejudicar a festa classica dos descendentes de Tato, entra o sympathico Luiz Guimarães a fazer de intelligente e deu o signal convencionado para pisar o redondel o primeiro “cornupeto” do programma.

A quadrilha “flamenga” fez sua entrada trimphal na arena do circo e os “caballeros” José Bento (de Araújo) e Victor Marques executaram as ceremonias rituaes, com toda a “elegampcia” que ordenam os codigos cavalleirescos.

Os touros, nem máos nem bons, foram soffriveis, o que indica que a emprreza guarda no curro (como ouro em sacco) os vinte e um cornupetos que trouxe da Europa e que, com o favor dos deuses, teremos prazer dde aprreciar nas proximas touradas.

Os cavalleiros cumpriram sua sagrada missão, coroada de nutridas salvas de palmas.

José Bento (de Araújo), para não disvirtuar suas passadas glorias, desarrolhou sua coragem e sua intelligencia, cravando tres ferros largos bons e dous curtos superiores; Victor Marques adornou o “morrilli” de seu rival com tres largos e dous curtos. Marques, em seu prejuizo, deslustra o seu trabalho, pela pouca energia que mostra durante “la breja”; Marques indubitavelmente deve ser lymphatico; carece da alegria que engrandece José Bento (de Araújo), e, por essa razão, o publico não o festeja como merece.

Dos de “a pié”, justissimo nos parece citar como notavel o sympathico Maera, que é um incomparavel “peon de brega” e um bandarilheiro de primeira plana; pôs quatro pares superiores e fez varios “quites” magistraes e manejou o capotte como o proprio Juan Molina em seus bons tempos. Maera indubitavelmente vae conquistar as sympathias do publico e colherá muitas palmas durante a temporada.

O popular Manuel dos Santos, tão estimado entre os bons “aficionados” do publico carioca, voltou a pisar o nosso circo taurino com mais “facultades” e mais brios do que nunca; bem se conhece que o sympathico bandarilheiro portuguez tem trabalhado nas praças de Hespanha, capitaneado pelo celebre Fuentes.

A sua “faena” foi luzida, pôz quatro pares bons, fez um “quiebro de rodielas” (NOTA: rodillas) superior e “coléo” o terceiro touro com muita opportunidade.

Cantarito, que é um toureiro de poucos annos e muitos “veaños” (NOTA: veaños ou reaños?), demonstrou com a muleta não ser leigo na sorte de matar. Approximou-se muito e, sem duvida pelo desejo de agradar, fez “valentias deslucidas”.

Nós somos de opinião que o dextro hespanhol ganhará muitas palmas nas proximas touradas, quando, com mais calma e maior sangue frio, fizer o que sabe.

Alfredo dos Santos portou-se muito bem, espetou varios pares regulares e um “al cambio” archi-monumental que lhe valeu uma tempestade de palmas.

Oliveira cumpriu bem sua obrigação, pondo alguns pares bons; Thomé fez o mesmo, com pouco luzimento, dada a fama de bom, que trouxe da Europa.

A pantomina do setimo touro teve resultado diveertido, molhada por um aguaceiro.

Justo Verdades.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 18 de Janeiro de 1907

PRÓXIMA TOURADA

17 DE NOVEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: ESTREIA DA CUADRILHA IBÉRICA NA PRAÇA DA CAPITAL


 

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Tauromachia

Se o tempo permittir, fará hoje a sua estréa no “redondel” do Campo de Marte a excellente  quadrilha de toureiros dirigida pelo conhecido e afamado cavalheiro José Bento de Araujo, estimado e querido dos “aficionados” cariocas.

Esse popular “rejoneador”, correspondendo á acceitação que lhe é dispensada peelo publico desta Capital, sem poupar esforços nem sacrificios, contratou em Hespanha o conhecido “matador” de touros Herrero (Cantaritos) e o notavel bandarilheiro Antonio Soriano (Maera).

Fazem tambem parte da “cuadrilla” os estimados bandarilheiros Alfredo dos Santos, João de Oliveira e Ribeiro Thomé e os arrrojados cavalleiros Morgado de Covas (em viagem para esta Capital) e Victor Marques.

Inutil, pois, nos parece salientar que com tão completa “cuadrilla” de toureiros, a presente temporada tauromachica a iniciar-se hoje logrará, não sómente o favor publico, como tambem optimos resultados materiaes e estrondoso sucesso.

Temos ainda a informar aos nossos leitores que o querido José Bento (de Araújo) contratou, em Hespanha, a celebre “matadora” Pepita Hernandez, a qual deve estréar em uma das corridas do proximo mez de Dezembro, e está em negociações para contratar o notavel “matador” Rafael Gomez (Gallito). O cavalleiro José Bento (de Araújo) trouxe, com a “troupe”, dez magnificos cavallos de sangue, dignos da attenção do publico.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 17 de Novembro de 1907

10 DE NOVEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: CHEGADA À CAPITAL DO BANDARILHEIRO ESPANHOL ANTONIO MAERA E DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 

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Touradas

Chegaram hontem, a esta Capital o cavalleiro José Bento de Araujo e o bandarilheiro hespanhol Antonio Maera, que hontem mesmo nos visitaram. Segundo nos disse José Bento (de Araújo), fará a inauguração da temporada, domingo, 17 do corrente, com uma tourada organizada a capricho e em que estréam  artistas de alto valor. Finaalmente, José Bento (de Araújo) prometteu-nos um sem numero de surpresas.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 11 de Novembro de 1907

9 DE NOVEMBRO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO REGRESSA AO BRASIL PARA A NOVA TEMPORADA


 

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 Touradas

 Deve amanhecer hoje beste porto o vapor alemão Rugia, que traz para o Rio o cavalleiro José Bento de Araujo, que vem reabrir a 17 de corrente, a praça do Mangue, com uma habil cuadrilla de toureiros.

 Da gente de pé, ha verdadeiros artistas como Manuel dos Santos, Ribeiro Thomé, não contando o celebre Maera, hoje reputado o primeiro peão de briga (NOTA: brega) em toda a Hespanha e com a afamada tourreira hespanhola Pepita, competidora de La Reverte.

No caes Pharoux haverá lancha ás 6 ½ horas da manhã para quem quizer ir a bordo.

In JORNAL DO BRASIL, 9 de Novembro de 1907

 O ANÚNCIO DA PRIMEIRA TOURADA  É PUBLICADO DIAS DEPOIS


In JORNAL DO BRASIL, 17 de Novembro de 1907

3 DE MARÇO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: TEMPORADA ACABA COM UMA BOA TOURADA


 


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Tauromachia

Consummatum est!...

Com a corrida realizada hontem, terminou a presente temporada tauromachica.


Para gaudio do cavalleiro José Bento (de Araújo), director da cuadrilla, juro que, salvo alguns senões, a temporada foi excellente, deixando gratas recordações entre os bons aficionados.

Com esta declaração espontanea, nascida do calor de minha justiça verdadeira, não se deve desvanecer a empreza, nem tampouco dormir sobre os louros colhidos.

Ao contrario, deve apresentar-se sempre forte, pois que, tendo um cartel onde figurem cavalleiros como Serra, matadores como Segurita e Machaquito, os aficionados á arte de Montes encherão sempre todas as dependencias da praça.

A aficion augmenta dia para dia, e se José Bento (de Araújo) quizer corresponder ao favor que todos lhe dispensam, proporcionando-lhes conhecer diestros de reconhecido merito (como os que actualmente figuram em sua cuadrilla), não ha duvida que ganhará maiores sympathias, fama de emprezario conscencioso e não poucos contos de réis.

Dentro de cinco dias, regressam a peninsula Segurita, Machiaquito, Vieira, Santos, Pingeiro, Canario e Nobre Infante.

A todos estes desejo feliz viagem e muitos triumphos em sua arriscada arte, estando certo dde que são tambem os votos dos muitos amigos e admiradores que aqui deixam.

A tourada de hontem foi magnfica: não faltou sol, nem alegria, nem... peripecias.

Os bichos (prevenidos talvez por algum cabestro de la manada que, pela ultima vez, iam ser lidados) demonstraram mais pujança, mais nobreza e mais vontade.

Dentre elles sobresahiu o setimo, da ganaderia de Estevam de Oliveira, que foi mesmo codicioso e com muito pé.


(José) Bento (de Araújo) e Serra, que tiveram de lidal-o adornaram-lhe o morrilho com onze ferros bons, sendo um de castigo posto na cruz por Serra e outro de cara por José Bento (de Araújo).

Durante a lide deste touro, Santos teve dous opportunos quites a corpo limpo e Machaquito outro superior a ponta de capote.

Nobre Infante e Lemos, aos quaes coube o quinto touro, estiveram infelizes.

Infante fez o que pôde, demonstrando valor e conhecimento, logrando apenas cravar um ferro, e Lemos fisgou outro, desastradamente, em logar pouco proprio do bichano.

O quarto touro, que sahiu da gaiola com um atrazo de vinte minutos, foi destinado a Segurita e Machaquito, dando Vieira bem um salto de vara.

Segurita entrou duas vezes a bandarilhar, retirando-se sem resultado, para voltar depois a citar a féra com um par curto.

Ao terminar a sorte, foi colhido e atirrado longe pelo animal, felizmente sem consequencias funestas.

Segurita, logo em seguida, tomou um capote e demonstrou, na propria cabeça do bicho, que tem valor, sangue frio e muito conhecimento da arte, emquanto Machaquito cravava par e meio no bicho e o passava de capa, como o propio Juan Molina nos seus melhores tempos.

Um e outro forram applaudidissimos.

No terceiro touro, Frini fez um quite superior a corpo limpo.

Vieira foi bem, trabalhando muito e com acerto.

Santos demonstrou mais uma vez que ha quem o eguale a correr, apesar de ter muito valor.

Canario muito infeliz e Pinheiro regular.

José Ponciano, que trabalhou de vetto, cravou tres ferros em defesa do cavallo que montava.

Russo e Pouca Roupa fizeram duas boas pegas, e a outra, boa tambem, do forcado novato José de Aragon.

Resumo: — A tourada boa; Serra (que montava um cavallo novo, educado por elle) superior; (José) Bento (de Araújo) como sempre, com muito vigor; Segurita e Machaquito mais bravos que bravissimos.

E ????? (NOTA: Ilegível) nova temporada.

Justo Verdades.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 4 de Março de 1907

3 DE MARÇO DE 1907 – RIO DE JANEIRO: TOURADA DE DESPEDIDA DA CUADRILHA DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO


 

SPORT

Tauromachia

A tourada do proximo domingo deve ser outra enchente como a da festa do cavalheiro José Bento d’Araujo, pois que esta é com os mesmos elementos da outra, isto é, rigorosamente á antiga portugueza, e demais a mais para despedida da «cuadrilla».

A tourada é em homenagem a imprensa e publico desta capital.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 1 de Março de 1907