19 DE JANEIRO DE 1908 – RIO DE JANEIRO: CORRIDA COM CARNAVAL À PORTA (na imprensa brasileira)


 

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TAUROMACHIA

Como em todos os annos, o popular D. José (Bento de Araújo), que é um semi-satanaz taurino, colleccionador de pontas emboladas, ao celebrar hontem o seu beneficio, dedicou-o á destemida rapaziada que compõe a miu nobre, leal, invicta e benemerita sociedade Tenentes do Diabo.

Por esse motivo, depois apagar o fogo das paixões vulcanicas e desoccupar as “calderas” do “buffet” social, os infatigaveis endemoniados, reunidos em “apretada piña” de franca amizade, abandonaram a caverna traslandando-se ao circo taurino.

O pharol solar illuminava os camarotes onde “acampaban” as hostes infernaes, capitaneadas por Lucifer, Belzebú, Barrabás, Mephistofeles e Pero Botelho. Alli, em meio da “soldadesca endemoniada” tremulavam os invictos pendões corcados de laureis. Alli, na deserta immenidade do vento, flammejavam com epilepticas saudades as bandeiras ganhas em cem batalhas carnavalescas. Alli... soava a trombeta da Fama immortalisando os Tenentes do Diabo, e o bombo proclamando rei do ruido a “Zé Pereira”.

A praça transformada em inferno taurino, assemelhava-se ao sensual paraiso de Mafoma, e nella, aromatisando o ambiente, mostravam seus feitiços ondinas e vencidas, “enjauladas” em gazes, tules e sedas; umas, luzindo mantilhas hespanholas; outras, chapéos afrancezados; e todas nardos, dahlias e cravos engarçados entre os brancos “encajes” de seus “corpihos” (????)  vaporosos.

D. José (o eterno beneficiado) parodiando Luis XV, luzia casaca de seda negra, bordada pelas “proprias” mãos das fadas. Seu secretario particular girava-lhe em torno como a lua ao redor do sol; os “idolatras” de Euterpe (????) tocaram uma “flamenca” melopéa incandescendo o sangue dos “anacletos”, e os marinheiros norte-americanos com suas jocosas excentricidades divertiam-se a mais não poder.

Assim as cousas, occupa a presidencia do tribunal taurino, o distincto “aficionado” D. José Vieira Duarte. Lisboa, o corneta de ordens, enche os dous “carrillos” e sopra, sopra e o clarim annuncia o desfile regio “de los diestros”.

A “cavalgata anti-torera” compõe-se de uma banda de clarins, a cavallo, vestindo “trajes” infernaes; um carro “a la Frederica”, conduzindo o beneficiado, cavalleiros Morgado de Covas e Victor Marques e os bandarilheiros”Maera” e Manuel dos Santos; outro carro (de aluguel) com o resto dos toureiros que compõem a “cuadrilla” e uma pequena escolta de forcados e pastores.

Que dizer da tourada?

Sendo-nos impossivel detalhal-a, por falta material de tempo, diremos resumindo que, em conjuncto, foi superior.

Os touros lidados, excepto os sexto e ultimo, deram jogo, demonstrando bravura.


Os cavalleiros José Bento (de Araújo) e Morgado de Covas mostraram mais uma vez a arte toureira que possuem e a intelligencia e valor que transbordam, quando querem luzir.

Victor Marques fez tão pouca cousa, que não merece qualificativo.

Os espadas Villa e “Cantaritos” ambos com muitas ganas de mostrar suas habilidades, ganharam muitas palmas, merecidas, conseguindo tirar do publico carioca essa glacial indifferença com que assiste á sorte mais arriscada e difficil que tem o toureio classico.

Villa usa terno granada e ouro e empolga “dos altos, uno de pecho” e varios naturaes. “Marcando los tiempos” e “por derecho” entra a “volapié” e assignala uma boa estocada.

Passes, 6; minutos empregados na morte, 4.

“Cantaritos”, que tem “enxundia” ????  toureira em todo o corpo, veste terno tabaco e ouro; alveja com a “muleta” a cabeça do seu rival, e mais fresco qo que uma “lechuga”, mettendo o pé esquerdo, dá um passe “alto”, dous “de pecho” com a “rodilla en tierra”, um “ayudado” e varios naturaes, que enlouquecem o publico soberano, pela elegancia, aprumo e valentia com que os executa o “diestro”. “Cantaritos” entra “a matar” per???? como Deus manda e assignala, nas “agujas”, uma estocada com uma bandarilha “de a curta” ????.

Passes, 1; minutos empregados na sorte, 3.

Em bandarilhas os dous “matadores” estiveram a boa altura; Villa, com um par superior, “aprovechando”, e “Cantaritos” com outro idem “al cuarteo”.

Dos “muchachos” nada de máo se pôde dizer, pois todos cumpriram bem. “Maera”, “ ????” com um touro “guasón” e “resabiado” fez o milagre de cravar um par “al cuarteo”. Immelhoravel, “tras” e uma bonita preparação que lhe valeu palmas. Manuel dos Santos poz outro idem superior e sofffreu um “encontronazo” sahindo “volteado”, sem consequencias. Alfredo poz um par “cambiando”, archi-superior e deu um “lance” de capa no penultimo touro, como dão os mestres. Thomé cravou um á sahida da gaiola, muito bom, e trabalhou muito com o capote, “aunque” sem luzimento.

Oliveira cumpriu com um par regular e Angelo deu o salto da “garrocha” com muita limpeza.

Ferros postos. 18.

“Encontronazos” soffridos pelos cavallos, 4.

Passes de “muleta”. 13.

“Desarmes”. 00.

Estocadas assignaladas. 2.

Bandarilhas postas. 29.

Justo Verdades.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro – 20 de Janeiro de 1908