8 DE JUNHO DE 1890 – SINTRA: MAIS UM RETRATO DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO COM HONRAS DE PRIMEIRA PÁGINA (na imprensa portuguesa)

 


Biblioteca nacional de Portugal

José Bento d’Araujo

Quem escreve estas linhas é um dos velhos aficcionados do toureio portuguez, e, em especial, um enthusiasta pelo toureio  a cavallo, por esse toureio elegante, artistico, arriscado, que só se executa do Caia para cá e que não encontra bellezas na lide tauromachica, quer a pé ou montada, que possam equiparar-se-lhe.

Desde Vimioso, o primeiro cavalleiro que nos arrebatou na velha arena do Campo de Sant’Anna, até aos cavalleiros actuaes, nem em um só deixámos de ter que admirar. Sedvem, Bettencourt, Mesquita, Batalha, Mourisca, José e António Monteiro, José Bento (de Araújo) e outros, além dos amadores, Tinoco, Luiz do Rego, e mais alguns tambem distinctos, teem-nos proporcionado tardes admiraveis, em que ao arrojo temos visto reunidos os conhecimentos da arte, e as maiores difficuldades d’esta postas em pratica.

Não pretendemos baralhar todos os nomes como que attribuindo a todos esses artistas egual merito. Não; mas o que é certo é que todos elles, do primeiro ao ultimo nos tem proporcionado ensejo de collocarmos o toureio a cavallo, pelo systema portuguez, em plana muito superior a tudo o que lá fóra temos visto. A Hespanha produz espadas quer de muleta em punho arrebatam a multidão. O que ella, porém, nunca produziu foi um cavalleiro, que exiba os prodigios de agilidade, de força de musculos, de conhecimentos de equitação e de toureio que em geral nos patenteiam os cavalleiros portuguezes e em especial os grandes mestres como eram Vimioso, Sedvem, etc.

Isto tudo vem a proposito de José Bento d’Araujo cujo retrato hoje publicamos.


Temos seguido dia a dia os progressos d’esse valente rapaz, d’esse extraordinario calção, d’esse toureiro de sangue, cujo nome é já tão querido, que collocado n’um cartaz é sempre garantia de bons lucros para uma empreza.

José Bento (de Araújo) reune a um typo deveras sympathico qualidades inexcediveis. Aquelle rapagão modesto, que bifurcado n’um cavallo nos faz lembrar pela firmeza uma estatua equestre desde muito que se tornou notado. Andou primeiro pela provincia toureando nas praças de segunda ordem. Apenas porém debutou, e logo o seu nome chegou a Lisboa como o d’um artista a quem estava destinado um largo futuro.

Os primeiros torneios em que compareceu na praça do Campo de Sant’Anna foram para elle outras tantas glorias.

As suas festas n’aquella praça assignalavam-se pelas grandes enchentes.

Para os beneficios podia-se dar como passado o sol. A gente d’Alcantara, sitio que é o seu, encarregava-se de não deixar ficar um bilhete na casa, como porém os admiradores de José Bento (de Araújo) não eram só os amadores d’Alcantara, mas os de toda a cidade os bilhetes do sol elevavam-se sempre a preços que se egualavam quasi aos dos logares superiores.

Quanto aos bilhetes de sombra e camarotes não chegavam para as encomendas. O José Bento (de Araújo) tem amigos e admiradores em todas as classes da sociedade.

Demoliu-se a velha praça e o nosso homem começou a fazer carreira pelo Porto, recebendo tão extraordinarias ovações que eccoavam em Lisboa. Dêem ao José Bento (de Araújo) o boi mais valente, leal ou desleal que seja, o boi mais difficil, o mais temivel, porque o publico vê sempre o valente cavalleiro collocar-se na frente da fera, e gritar-lhe como sempre, a todos, bravos ou mansos, leaes ou desleaes:

— Eh! real!

E solto este grito o cavallo, posto em acção, parte como um raio e o ferro é sempre collocado com perfeição, se o touro deu sorte, quer esta seja á tira, á meia volta, ou de qualquer outro genero.

O — Eh! real! — solto pelo José Bento (de Araújo) significa que o touro não tarda em ser enfeitado com uma bella farpa, valentemente e artisticamente collocada, porque o nosso briographado é sem duvida, hoje, um dos primeiros picadores portuguezes.

Temos a certeza, tem-a toda a gente, de que se José Bento (de Araújo) um dia fôr convidado para ir tourear n’uma praça de Paris, os parisienses, que se arrebatam ante todas as manifestações da mais rasgada coragem, lhe proporcionarão um dos maiores triumphos que um artista de tal ordem póde ambicionar.



José Bento (de Araújo) realisa no proximo domingo, em Cintra, a sua festa artistica.

A casa encher-se-hia sem mais attractivos que não fosse o nome do festejado cavalleiro. Mas dar-se ha uma novidade e essa de primeira ordem. Apresentar-se-ha a famosa amazona Maestrick, que lidará um touro, com um denodo de que já deu prova na praça do Cartaxo.

D’aqui felicitamos já o bom do José Bento (de Araújo) pelos seus triumphos d’essa tarde e pelos resultados monetarios que ha de auferir, porque com certeza lhe hão de sobrar espectadores, e por consequencia faltar  bilhetes para os pedidos.

Daremos tambem o retrato e biographia de madame Maestrick, a heroina da tarde de 8.

In DIARIO ILLUSTRADO, Lisboa – 5 de Junho de 1890

NOTAS: 

O concurso para a edificação da praça do Campo Pequeno foi lançado em 1890.

O cavaleiro José Bento de Araújo acabou por ser convidado para tourear em Paris em 1891. 

Depois da capital, o "caballero en plaza" português actuou até quase ao fim de 1893 em Nîmes e em inúmeras praças de França.