22 DE JULHO DE 1894 - LISBOA: TOUROS DE MORTE EM PORTUGAL - O PEDIDO APRESENTADO AO REI DOM CARLOS I


Biblioteca nacional de Portugal

É do seguinte theor a representação que a Sua Magestade El-Rei vae ser entregue, pedindo que seja permittida a morte de um touro em cada corrida, na praça do Campo Pequeno:

SENHOR!

Foram sempre as corridas de touros a diversão mais predilecta na peninsula, e a unica que tem conseguido em Portugal emocionar profundamente o povo, attrahindo-o em alegre turbilhão e fazendo-lhe vibrar a alma ardente e enthusiastica, durante as variadas phases d'aquelles masculos combates, em que o arrojo e a arte se alliam, para maior grandeza e luzimento d'elles.

Esse sentimento popular é tão arreigado que atarvessou os seculos, incolume, palpitando hoje talvez mais vivido e inextinguivel do que nos tempos idos. Animar esse sentimento caracteristico e vigoroso do povo portuguez é um dever indeclinavel; dar-lhe maior plenitude, e nitidez maior á comprehensão d'aquella nobre arte, concorrendo para que ella se manifeste em toda a sua verdadeira grandeza e luzimento - - seria a mais grata deferencia d'um Rei para o povo, que em taes diversões se retempera das asperezas e fadigas d'uma semana de trabalho.

Essa comprehensão, essa verdadeira grandeza e luzimento, só poderão existir no complemento logico e alevantado d'uma corrida de touros - - a morte do animal vencido pelo homem; o baquear da fera, impotente e inerte, aos pés do luctador triumphante!

Ha quem accuse de barbaridade a sorte de morte. Mas os poucos que a accusam esquecem-se de que a liberdade dos cultos permitte á tribu judaica o cumprimento do barbaro ritual na matança do gado, sem que até hoje ninguem tenha erguido o minimo protesto. Os proprios que teem como selvagem o transe supremo em que o desenlace é rapido, não se lembram de que os touros, uma vez recolhidos com vida ao touril, estão sujeitos, na maioria dos casos, a ser enviados a outras corridas, sendo para elles o soffrimento constantemente repetido. E ainda os que julgam ser o melhor complemento da arte de correr touros a sorte das pégas, não veem a flagrante desproporção entre um homem indefeso que tenta luctar com um animal feroz, e a corpulencia da fera que geralmente deixa maltratado o adversario, e não raro consegue matal-o.

Bem notaes, Senhor, quanto ha de paradoxal em considerações d'esta natureza, e que enorme differença existe entre estas praticas sanccionadas pelo uso, e o golpe de morte que abrevia o soffrimento, completa logicamente o toureio e dá ao espectaculo o devido esplendor!


Poder-se-ha dizer não ser justo desprezar interesses de classe, visto como os toureiros portuguezes não estão exercitados para executar a sorte de morte. Mas ninguem ha por certo que deseje vel-os desprezados, principalmente os interesses que se referem ao toureio a cavallo, o mais nobre e tão vinculado na tradição popular.

Senhor! O que de ha muito está sendo pedido pelas circumstancias é que esses gloriosos artistas do reino visinho, que frequentemente veem a Portugal, possam ostentar aqui toda a arte do seu trabalho, executando-o por completo pelo menos n'um dos touros destinados a cada corrida, em logar de repetirem simulacros irrisorios que nada teem de imponente, nem de satisfatorio para o publico.


Eis, Senhor, o que vimos pedir a Vossa Magestade, confiados em que as nossas palavras calarão no animo do Rei que, com a sua assistencia frequente e com o seu applauso, tem revelado ser um sincero participante na diversão mais predilecta e caracteristica do povo portuguez!


A commissão é composta dos seguintes senhores:

Alfredo Scarlatti Quadrio, Antonio da Costa Guerra, Antonio Perestrello de Vasconcellos, Antonio de Siqueira (S. Martinho), D., Arthur Telles, Augusto de Lacerda, Ayres d'Ornellas Vasconcellos, Duarte Pinto Coelho (dr.), Ernesto de Lorena Queiroz, Francisco Costa, Francisco Xavier d'Almeida, João Cypriano Rodrigues Batalha, João Fletcher Junior, José Luiz de Sousa Coutinho (D.), José Pereira Palha Blanco, José Pinto de Campos, José Ribeiro da Cunha, Luiz Patricio Correia Gomes, Manuel Figueira Freire da Camara, Manuel Theotonio Laranja, Marianno Pina, (ausente), Paulino da Cunha e Silva (commendador), Salvador Marques, Segismundo Costa, Victor da Silva Lisboa, Victorino Froes, Visconde de Alverca e Visconde de Varzea.

A presente representação pode ser já assignada nos seguintes estabelecimentos:

Café Suisso, largo do Camões e Café Madrid, ao Chiado; Tabacarias: Julio, calaçada do Carmo; Monaco, praça de D. Pedro; Costa, rua Aurea; Mora, rua Aurea; Maia, rua Aurea; Nova Aurea, rua Aurea e Americana, Chiado.

In A TOURADA, Lisboa - 22 de Julho de 1894

NOTA: D. Carlos I recusou o pedido.