SPORT
TOUROS
Uma boa tourada, a de domingo, com touros bravos, sortes magnificas, concurrencia numerosa e muito barulho, salpicado de incidentes proprios da diversão. Não fosse a má catadura do tempo, que ameaçava, a cada instante, mimosear-nos com um diluvio, e não sei até onde teria chegado o enthusiasmo dos aficionados, que acudiram pressurosamente aos acenos de uma tarde que promettia ser ainda superior á de oito dias antes.
D'esse enthusiasmo e desse barulho nem tudo foi de louvar, seja dito de passagem, porque os reclamos do publico para que o Sr. intelligente mandasse pegar dous touros, que haviam sido recolhidos, foram desarrazoados, primeiro que tudo, improprios e inconvenientes.
O papel de intelligente n'uma praça de touros é logar de grande importancia e de enorme responsabilidade; d'elle depende, em grande parte, o successo da corrida, a elle cabe sempre evitar desastres, que o publico bem sabe não serem raros em espectaculos d'esta natureza.
Uma das primeiras obrigações do intelligente é a escolha das feras que devem ser pegadas, para o que deverá attender ás condições do bicho, altura, força, armação, e ainda ao estado em que se encontre depois da lide e do trasteio.
Ora, dos dous touros que o publico queria á fina força ver pegados, um não dera ao espada ensanchas de ser preparado com o capote, conservando-se até ao final de cabeça alta e na posse de todos os seus recursos; o outro, de armação demasiado apertada, já havia mostrado em corrida transacta não offerecer logar para o corpo de um forcado, que creio estar ainda a estas horas penando sériamente como estão curtos e bicudos... os tempos.
Antes destes, outros touros tinham vindo á arena em condições de darem boas pégas; e foram recolhidos sem protesto. Justamente á retirada dos dous bichos improprios para esse trabalho, o publico reclama, grita, bate com as bengalas, apostropha (palavra arrevezada que encobre uma porção de cousas feias) o intelligente e, sem respeito pelo cavalleiro Adelino Raposo, que está no redondel, montado no seu fino ginete, prompto a enthusiasmar os entendidos com ousadia das suas sortes e com o brilho da sua primorosa arte de equitador, atira á arena as almofadas em que se senta, derrubando chapéos, maguando senhoras e pondo em grava risco toureiros e cavalleiro, a quem nenhuma culpa cabia pelo descontentamento dos protestantes fundibularios!
Felizmente, como não podia deixar de ser, levantou-se uma forte reacção, a cuja frente se collocaram todas as gentis aficionadas da sombra e dos camarotes, e o espectaculo continuou, entre applausos ao intelligente, que sustentou, em boa hora, as ordens dadas, e aos bravos artistas, que redobravam de esforços para contentar os reclamantes.
Para que estas scenas se não repitam, porque, além de desgraciosas, podem acarretar accidentes lamentaveis, que m'o perdoem as minhas convicções de extremo defensor da liberdade do commercio, mas as taes almofadas devem ser prohibidas, ou então, quando muito, afivelladas com cadeiado de segurança ao logar de contacto, de modo a que os protestos, com ellas, seja feito pessoalmente pelos portadores.
Ás 4 horas em ponto entraram na praça os tres cavalleiros José Bento (de Araújo), de casaca de velludo verde, Tinoco, de setim preto, perdão de setim negro, e Adelino Raposo, de velludo côr de vinho, seguidos da luzida quadrilha, moços de forcado, moços de curro, andarilhos e cavallos de combate. As cortezias foram feitas com grande luzimento, apezar de uns movimentos de protesto do ginete montado por Adelino.
O 1º touro, preto, listão, couba e Tinoco, que lhe cravou tres ferros á meia volta, um á estribeira e um curto, terminando em garupa revolta, que foi um primor.
Dignos de nota e de applauso dous quites de Calabaça, feitos a tempo e com muitas pernas.
O publico chamou á arena o correcto cavalleiro e fez-lhe uma calorosa ovação.
O 2º touro, preto, dansarino e pulador como um gamo, levou á gaiola um bello par de bandarilhas de Calabaça, que o enfeitou com mais dous pares igualmente bons, par e meio de felix e par e meio de Rocha.
Pechuga procurou passar o bicho de capote, mas o bicho não
quiz. São gostos!
O 3º, o muito conhecido Estevão cachacudo, fez o que poude para furtar-se ao castigo; mas José Bento (de Araújo), que não é para graças, taes artes poz em pratica que a fera, ao ser recolhida, havia sido mimoseada com um bom ferro á garupa, um outro tambem á garupa bem esperado na recarga, um á meia volta, em sorte offerecida aos dous collegas Tinoco e Adelino, e dous curtos postos com pericia notavel e muito arrojo. O sabidissimo bicho, que só deixava o habitual trote de mula de medico para cortar terreno como um arado americano, chegou a ir procurar o José Bento (de Araújo) por cima da anda do ruco.
O 4º, salgado, puro, de bonitas formas e muito sangue, veiu á praça para o espada El Pechuga, que o enfeitou com um par de bandarilhas á hespanhola, por cima dos cornos, um par em quiebro, riquissimo, e um á meia volta, ao sopé. A uma sahida falsa, feita com muita arte, já não houve doutor nenhum que gritasse fóra!
Com o capote, apezar de um passe simples e uma navarra perfeitos, não se mostrou Pechuga em posse dos seus recursos. Verdade é que, em toda a tarde, nos pareceu o bravo toureiro presa de alguma indisposição que o impedia de fazer o que póde. Muleta, nem a vimos.
Ameaços muito positivos de chuva aconselharam o Sr. intelligente a supprimir o intervallo, e o 5º touro, preto, listão, veiu á arena, sacudindo as moscas, todas as vezes que o Morenito e o Cruz lhe apontavam as bandarilhas; ainda assim, foi enfeitado com tres pares pelo Cruz e dous pelo Morenito, todos postos a preceito.
O 6º touro foi picado por Adelino Raposo, montado no seu soberbo ruço. Levou tres ferros longos á meia-volta, um á tira, e dous ferros curtos. Passado de capote por Pechuga, deu uma boa péga a um rapaz que teve a fortuna de repor-se a tempo.
O ultimo touro prestou se a entrar no Zé-Pereira da troupe Pai Paulino.
No meio do rolo inevitavel, quem pagou o pato foi o bumbo, que ficou em fanicos. O Cabeça bateu-lhe as palmas duas vezes, tantas quantas foi ao chão; como á segunda o bicho ficasse desembolado, pernas para que vos quero... E eu tambem...
In GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro - 30 de Agosto de 1898
NOTA
TOURADA EM HONRA DO POLÍTICO MANUEL FERRAZ DE CAMPOS SALLES
"Manuel Ferraz de Campos Salles nasceu na cidade de Campinas, estado de São Paulo, em 13 de fevereiro de 1841. Advogado, foi deputado provinciano pelo Partido Liberal de São Paulo (1868-1869). Membro das comissões provisória (1872) e permanente (1873) do Partido Republicano (PR), elegeu-se vereador em Campinas por este partido (1872-1876), e deputado geral (1885). Foi presidente da comissão central do Partido Republicano de São Paulo (1889), tendo sido deputado provincial por essa legenda (1882-1883 e 1888-1889). Foi ministro da Justiça do governo provisório (1889-1891) e senador por São Paulo à Assembleia Nacional Constituinte (1890-1891). Residindo na Europa (1892-1893), atuou como colaborador do Correio Paulistano. Voltou ao senado (1894-1895), e se tornou presidente do estado de São Paulo (1896-1897). Por meio de eleição direta, passou a exercer a presidência da República em 15 de novembro de 1898. Foi novamente senador por São Paulo (1909-1912), e assumiu o cargo de ministro plenipotenciário do Brasil na Argentina (1912). Faleceu na cidade de Santos, estado de São Paulo, em 28 de junho de 1913.
Contexto geral:
A eleição de Campos Sales expressou o triunfo da oligarquia cafeeira paulista, diante do esfacelamento da atividade política dos militares "jacobinos", envolvidos na tentativa de assassinato do presidente Prudente de Morais. Campos Sales concebeu a chamada "política dos governadores", que consistia em apoiar os grupos dominantes aliados ao governo federal em cada estado. Esse apoio estava condicionado à garantia de eleição, para o Congresso, de candidatos que defendessem o governo central, no que se refere às políticas nacionais, visto que Campos Sales instituiu a Comissão de Verificação pela qual os grupos politicamente dominantes validavam ou não o resultado de uma eleição.
A crise financeira foi enfrentada, momentaneamente, mediante a obtenção em Londres de um novo empréstimo, o funding loan - empréstimo para consolidar uma dívida. Esse acordo financeiro suspendeu temporariamente a cobrança de juros dos empréstimos anteriores, possibilitando que os recursos provenientes do novo empréstimo fossem utilizados para a criação de condições materiais para saldar seu débito.
Campos Sales criou o Instituto de Manguinhos, voltado, entre outras atribuições, para a fabricação de vacinas contra a peste bubônica. O Brasil contava, em 1900, com 17.318.554 habitantes, dos quais 64% viviam no campo."
FONTE:
http://presidentes.an.gov.br/index.php/arquivo-nacional/60-servicos/registro-de-autoridade/89-campos-salles