17 DE NOVEMBRO DE 1898 - RIO DE JANEIRO: CORRIDA À ANTIGA PORTUGUESA PARA CELEBRAR TOMADA DE POSSE DO PRESIDENTE DO BRASIL E PRESENÇA DO CRUZADOR PORTUGUÊS ADAMASTOR (na imprensa brasileira)

 

Biblioteca nacional do Brasil

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Á ANTIGA PORTUGUEZA

Uma tourada esplendida a primeira tourada nocturna, realisada ante-hontem, em honra do conselheiro Ferreira do Amaral e dos officiaes do Adamastor.

Mesmo sem o condimento especial ser uma corrida à antiga portugueza, com o Neto, os forcados na casa da guarda, a mula das farpas e os pagens, a tourada de quarta-feira teria servido a satisfazer as exigencias dos aficionados mais incontentaveis. E isto porque o gado cumpriu excepcionalmente e porque os artistas, num despique louvavel, trabalharam com vontade e discursaram a valer.

O publico, por sua vez, acudiu numa concorrencia numerosa e brilhantissima e conservou-se, durante toda a corrida, numa afinação de enthusiasmo muito merecido pelos artistas e muito gentil para com os officiaes e para os marinheiros do cruzador portuguez.

A fanfarra do Adamastor, composta apenas de 12 figuras, foi delirantemente applaudida nos trechos sérios, nos fados e outras musicas populares que executou magistralmente antes da corrida e durante o intervallo. As cortezias foram feitas ao som do hymno da carta, ouvido de pé e de cabeça descoberta por aquellas cinco mil pessoas enthusiasmadas.

O commandante e a officialidade do Adamastor assistiram á tourada, acompanhados do Sr. Camello Lampreia, encarregado de negocios de Portugal, em tres camarotes lindamente enfeitados de bandeiras e sanefas das cores da bandeira portugueza.

No intervallo, foram offerecdidos pelos sympathicos cavalheiros directores da companhia uma taça de champagne aos bravos officiaes da marinha portugueza e ao Sr. capitão de mar e guerra Ferreira do Amaral um vistoso ramo de flôres artificiaes, preso a uma palma por fitas azul e branca em que se lê uma delicadissima dedicatoria.

Por seu turno, o Sr. commandante do Adamastor brindou aos bravos cavalheiros com um bello ramilhete, agradecendo-lhes a amabilidade que com aquella brilhante festa lhe faziam.

Ao terminar a corrida, foram os distinctos officiaes portuguezes acompanhados por todos os artistas e por enorme multidão de espectadores, que ergueram enthusiasticos vivas ao partirem os carros especiaes que a companhia do Jardim Botanico puzera ás ordens do Sr. conselheiro Ferreira do Amaral e dos seus commandados.

As cortezias feitas pelos tres cavalheiros Tinoco, José Bento (de Araújo) e Adelino Raposo, acompanhados de toda a cuadrilha, foram procedidas pela apresentação do Neto, o Ezequiel, que, depois dos cumprimentos á praça, montado em um tordilho adestrado, voltou á arena, ao galope de um cavallo negro, a receber as ordens da intelligencia, que transmitiu durante toda a corrida, com promptidão e coragem, molhando a mão d'uma feita, em recurso, como lhe cumpria, mas não conseguindo evitar que o corcel, pouco prompto no arranco, fosse beijado e mesmo entalado contra as taboas umas duas ou tres vezes.

O primeiro touro coube a Alfredo Tinoco, que lhe poz dous ferros á estribeira, recebendo o novo alazão dous beijos em resposta, que obrigaram o correcto cavalleiro a mudar de ginete. Montado no ruço de José Bento (de Araújo), ainda poz no bicho tres ferros longos e um curto, de primeira ordem. Depois de quatro passes de capota do Pechuga, bateu-lhe as palmas o José Cabeça, que foi pelos ares, mas voltou á carga, fazendo uma péga real.

O primeiro ferro posto por Alfredo Tinoco foi offerecido "ao Sr. commandante Ferreira do Amaral, á marinha portugueza, a Portugal".

O segundo bicho foi enfeitado por Calabaça com dous e meio pares e pelo Rocha com dous pares. O touro, que era um raio no primeiro estado, alcançou o cavallo do Neto, que se defendeu cravando-lhe um ferro. Morenito passou-o de capote regularmente, ajudado sem motivo por Pechuga, porque a fera repunha-se bem a todos os capotazos.

O terceiro coube a Xavier, que lhe poz á gaiola um bom par de bandarilhas, seguido de mais dous, e a Morenito, que lhe cravou par e meio, rematando a sorte falha por uma cambalhota elegantissima, de que se levantou teso como um catita.


O quarto touro sahiu para José Bento (de Araújo), que lhe metteu o primeiro ferro, em sorte offerecida ao Sr. Ferreira do Amaral e ao Sr. Camelo Lampreia; mas um ferro á estribeira, um á meia-volta, dous á tira; um curto, tambem á tira, riquissimo, offerecido á rapaziada de bordo, e um outro tambem curto e á tira, aos do Club dos Amadores, com o tricorne atirado no grupo dos apreciadores enthusiasticos do sector n. 2.

Depois de alguns passes do Pechuga, o Antonio bateu-lhe as palmas, um tanto desengonçado, e foi longe: o Fatal encornou apenas na haste direita, aguentou-se, repondo-se bem, mas não rematou a péga porque os companheiros andavam por longe, a ver o effeito da olluminação.

Terminado o intervallo de estylo, veiu á arena o quinto bicho, que deu a Xavier um bom salto de vara e foi enfeitado por Pechuga com um ferro em quiebro, outro á meia volta, ao sopé e um par com o touro parado, que até parecia castigo; Morenito, mais calmo poz dous bons pares de bandarilhas, em sorte, fazendo tres sahidas falsas de mestre. Pechuga passou a féra de muleta, sem grande brilho, e simulou a morte fóra de tempo. Antonio fez n'este touro uma boa péga.

O sexto touro coube á patuléa portugueza, que offereceu as primeiras sortes ao grupo de marinheiros portuguezes que assistiam á corrida, logo por baixo da fanfarra no sector n. 2. Dos muitos pares de bandarilhas com que o bicho foi enfeitado, é de justiça destacarmos os que foram postos por Calabaça, que estava em maré de sorte.

O ultimo touro veiu á praça para Adelino Raposo, que poz o primeiro ferro, á garupa, em sorte offerecida ao Sr. commandante Ferreira do Amaral; o segundo á meia volta, rematado á garupa; o terceiro, á tira "em agradecimento ao gentilissimo povo brasileiro, que viera honrar com a sua presença a festa offerecida aos marinheiros portuguezes"; o quarto, á meia-volta; e finalmente dous ferros curtos, ambos á meia-volta.

Sem preparo bastante, acercaram-se os forcados da féra, que os punha em debandada a cada investida, e que foi cuspindo, um após outro, o Antonio (que se desembolou umas poucas de vezes), um magricelas comprido que já alli vimos fazer uma boa péga, o José Cabeça, o Chico, á futrica, todo o bando em summa, que acabou olhando em supplica o intelligente, pouco resolvido a mandar recolher a féra.

O Sr. intelligente entendeu, e as chocas sahiram, pondo termo á balburdia e limitando talvez a doze metros os pontos falsos a empregar.


Amanhã haverá no Club Tauromachico Federal grandiosa corrida de sete bravissimos touros portuguezes.

In  GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro - 19 de Novembro de 1898