Biblioteca nacional de Portugal
CAMPO PEQUENO
Beneficio de Simões Serra
Com uma concorrencia
muito regular, realisou-se no domingo na Praça do Campo Pequeno a festa
artistica do cavalleiro Simões Serra.
O
beneficiado deve ter ficado satisfeito pelas provas de sympathia que recebeu,
mas o mesmo não lhe deve ter succedido com o resultado artistico da corrida,
que foi o que se póde imaginar de mais sensaborão, em consequencia do ordinarissimo
curro, fornecido pelo sr. Paulino da Cunha e Silva.
Chega a
parecer inverosimil, que haja um lavrador tão pouco cioso do credito do seu
nome, que não duvide e, apresentar na primeira praça do paiz, um curro como o
de que tratamos.
Que cabeças,
que cornos, que corpos e que bravura !...
A armação de
alguns, parecia mais de cabras que de bois (não confundir com touros !)
Houve um, o
7.º, que se alguem o visse em uma estradanão fugiria, porque era o typo real
dos bois de carro.
Que pernas !
Desconfiamos
que se tivesse quem o ensinasse, não teria difficuldade em passar para dentro
da trincheira, sem se incommodar a saltar.
Até mesmo de
carnes estavam n'um estado desgraçado.
Alguns eram
tão fracos, que o mais simples recorte os fazia cahir.
Uma perfeita
vergonha !
Sabemos de
um lavrador que a epoca passada nos apresentou dois dos melhores curros que
foram corridos n'esta praça, que, tendo soffrido este anno o dissabor de lhe
sahir um curro manso, mandou coar todos os touros que tinha para correr.
Se o sr.
Cunha seguisse o criterio do seu collega, teria até que mandar queimar as
hervas que se criam nos campos onde comiam os animalejos que mandou para o
beneficio de Simões Serra.
Ainda se
comprehende que este artista, não tendo talvez quem lhe fornecesse curro para a
sua corrida, acceitasse tudo o que houvesse, mas o que não se comprehende, é
que um lavrador não tivesse o pondunor preciso para se negar a trazer á
primeira praça um curro d'esta ordem.
Sabemos
perfeitamente que, com raras excepções, os nossos creadores de touros de lide
são meros commerciantes, mas procuraram sempre disfarçar o trapio com a
gordura, a bravura com o trapio, etc. ; mas, este curro, não tinha nada nada
que o recommendasse, nem mesmo para a choupa.
Felizmente,
houve um que se inutilisou antes da corrida, e tivemos portanto a vantagem de
um desconto de 10 por cento na nossa indignação.
José Bento (de Araújo), no primeiro, começou
muito indeciso, não regulando o andamento do cavallo, tendo por isso mais de um
pescanço, devendo-se no entanto citar um á volta e outro á tira, regulares.
No 6.º tambem não
conseguiu brilhar.
Simões Serra
toureou o 5.º com luzimento e muita vista.
E note se,
que o touro não era «una perita en dulce», como dizem os hespanhoes !
Antes pelo
contrario ; procurava constantemente os peitos do cavallo.
Serra
collocou-lhe uma farpa muito boa, e outras que o publico muito applaudiu.
Desculpe-nos,
Serra, o sahirmos das praxes usadas para os beneficiados, mas não podemos furtar-nos
ao dever de lhe perguntar, qual a razão porque soube tourear aquelle bicho, e
esta epocha tão pouco tem feito com touros nobres ?
Pois
reparámos que poucas vezes o seu cavallo se tem negado tanto como n'esta tarde
!
Emfim, o que
desejamos é que Simões Serra iniciasse na sua festa uma nova phase de correcção
artistica.
No 8.º nada
fez, porque aquillo não se toureia, e os peões não o ajudaram.
A proposito
: tocaremos mais uma vez no realejo a tal «polka da brega».
É realmente uma
vergonha que os nossos toureiros, com excepção de Theodoro, não saibam tirar um
touro das taboas.
Qual a razão
porque Rocha abriu no primeiro touro o capote para o tirar, e, quando o touro
entrou, em logar de repetir outro passe, para ficar no terreno de fóra e poder
assim estar prompto a avisar, fugiu para as taboas, levando de novo o animal a
onde o havia tirado ?
Era então
melhor fazer o que é costume entre nós : partir das taboas, metter-lhe o capote
e saltar a barreira do lado opposto !
Ao menos não
nos fazia soffrer a decepção de julgar que ia-mos ver alguma coisa e não vermos
nada !
Os outros
afinam sempre pelo mesmo diapasão, e por isso soffrem constantemente a desconsideração
de verem o publico chamar os artistas hespanhoes, para que ponham em sorte os
touros de cavallo.
É duro, mas
é assim ; e nós fazemos appello a todos os que se dedicam a escrever sobre
assumptos «bicudos», para que se ponha de lado a nota patriotica, e se chegue
duro sobre este assumpto, que nos parece merecer a mais severa attenção.
Com as
bandarilhas, apenas citaremos um par bom e outro muito bom, de Thomaz da Rocha,
e um bom, de Torres Blanco.
O espada
Antonio Montes, nada poude fazer com a muleta ; em primeiro logar porque os
touros se não prestaram, em segundo, porque era preciso fazer pegas, e,
portanto, o trabalho do espada, a quem se paga um dinheirão era dispensado.
Este
assumpto promettemos aos nossos leitores tratal-o em artigo especial, no
proximo numero.
Com as
bandarilhas, Montes, collocou um par de valor, pelo que ouviu palmas, assim
como por ensinar aos nossos peões como se tira um touro das taboas.
As honras da
tarde, foram sem duvida para os valentes forcados, principalmente a Florindo
que pegou á terceira, o quarto bicho, que apenas servia para dar derrotes.
A
intelligencia a cargo do publico.
M. T. David
In
REVISTA TAURINA, Lisboa - 3 de Agosto de 1902