A CAVALARIA TAUROMÁQUICA PORTUGUESA - CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO MENCIONADO


 

"FADOS, MULHERES E TOIROS"
Pepe Luiz, Lisboa - 1945

A CAVALARIA TAUROMÁQUICA PORTUGUESA

E a alta expressão do seu valor artístico gravado numa gloriosa história de séculos

O toireio eqüestre significou sempre uma escola de destreza demonstrada primitivamente nos torneios em que fulgiam galas e intervinham monarcas e aristocratas..

Os séculos foram rodando e obedientes ao pensamento de Platão, de que «o belo é o esplendor da verdade», os cavaleiros sorteavam reses bravas, aprumados e de figura bem construída, palpitantes de vida, cavalheirismo e galantaria. E arrogantemente, empunhando o garrochão, pelejavam inspirados na magnitude e exaltação de primores toireiros.

A arte do toireio a cavalo, provindo de épocas recuadas da história da Península Ibérica, criou raízes vigorosas na Pátria Portuguesa, onde progrediu de maneira profunda.

É vulgar chamar-se arte de Marialva ao toireio eqüestre. Esta denominação não tem rigorosa propriedade, por que o célebre titular que desempenhava as funções de Estribeiro-Mor de Sua Majestade D. José I não foi um lidador, mas um potente impulsionador dos métodos de ensinar cavalos e da forma mais apropriada à utilização dos mesmos animais por parte dos ginetes.

Os processos do Marquês de Marialva contribuíram muitíssimo para o aperfeiçoamento das artes e trabalhos vários do manejo dos cavalos e adestramento dos soldados para a campanha, e disso muito aproveitaram os cavaleiros que se entregavam à caça e a outras diversões e torneios sob os bons preceitos de bem cavalgar.

Desde tempos longínquos, que os portugueses não eram dispensados nas festas de toiros celebradas em Espanha, promovidas pela côrte, e onde toireavam e matavam o rojão

Sòmente nos princípios do século XIX apareceram alguns cavaleiros de sangue plebeu, desenvolvendo-se depois o profissionalismo, sem, contudo os fidalgos deixarem de toirear nas magnificentes  corridas organizadas para comemoração de datas históricas, coroações, casamentos, e baptizados reais, e ainda em festejos de significado filantrópico.

No decurso aproximado de século e meio, alguns nomes ficaram exarados nos fastos da arte de toirear a cavalo: Duque do Cadaval, os Sedvem — grandes companheiros do rei D. Miguel de Bragança, que também toireava, servindo-se de fogosas montadas — D. João de Meneses, Marqueses de Castelo Melhor e de Belas, Diogo de Bettencourt, Visconde das Galveias, Carlos Relvas, D. António de Portugal, Conde da Esperança, José Casimiro Monteiro, Carlos Cipriano Batalha, Conde de Fontalva, Manuel Mourisca, Alfredo Tinoco, Alfredo Marreca, D. Luiz do Rêgo, Conde de S. Martinho, Vitorino Fróis, Joaquim Alves, Fernando de Oliveira, José Bento de Araújo, Simão da Veiga (pai), D. Rui da Câmara (filho do Conde da Ribeira), Manuel e José Casimiro de Almeida, Conde da Tôrre, Adelino Raposo, Morgado Covas, Eduardo Macedo, D. Alexandre e D. João de Mascarenhas e outros.


O momento das cortesias numa corrida de gala, no Campo Pequeno, vendo-se, no primeiro plano, os cavaleiros Simôes Serra, Manuel Casimiro, José Bento de Araújo, Fernando de Oliveira, Joaquim Alves e Eduardo Macedo.

Passando em revista os feitos assinalados em peleja heróica com os toiros, encontramos páginas doiradas escritas nas arenas não apenas do México, mas também da Espanha, França, Brasil, Argentina, e de algumas cidades africanas, pelos cavaleiros de Portugal, que, de casaca de sêda e brocados de oiro, tricórnio emplumado, sujeitando cavalos de raça e lidando reses bravas, nunca deixaram de realizar fainas arriscadas e temperadas por uma refulgente arte. E em tôda a parte arrancam entusiasmos ferventes e alcançam um predomínio justificador da felicíssima frase do ilustre escritor e dramaturgo, Presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Dr. Júlio Dantas: «Uma guitarra nas mãos, um bom cavalo entre os joelhos, um toiro pela frente, e aí temos o português!»

In FADO, MULHERES E TOIROS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa - 1945

AS TOIRADAS NO SÉCULO XVIII


 


"FADOS, MULHERES E TOIROS"
Pepe Luiz, Lisboa - 1945

AS TOIRADAS NO SÉCULO XVIII

Sendo o reinado de D. João V caracterizado pelo fausto e magnificência da côrte, os festejos e os divertimentos, em que intervinha a assistência real, não podiam também deixar de ser assinalados pelo luxo e grandeza.

Estava indicado que seriam as toiradas os principais números do programa, já pelo que elas tinham de tradicional, já pelo que possuíam de emotivo, de belo e atraente.

Nas toiradas residiram sempre as preferências  e as paixões dos portugueses. Era nelas que os mais astutos, os mais valorosamente decididos desciam à liça, mostrando à sua dama que o amor estava tão radicado no seu coração, como a arte de lidar toiros lhe subjugava a alma de ardentes aficionados.

Como nas épocas anteriores, toireava-se para triunfar das feras e do amor…

Uma diferença sòmente se registava no comêço do século XVIII: a faustosidade nas corridas de toiros reais, que não era inferior àquela que Filipe I de Portugal e Filipe II de Espanha fêz marcar nas festividades que organizou por ocasião do seu reinado.

Já no meu livro Ao Estribo, fiz referência ao aparato de que as toiradas começaram a revestir-se no domínio dos Filipes.

Em tardes de corridas expunha-se um deslumbrante cerimonial e dos palanques e das janelas dos palácios, junto dos quais tinha lugar a função taurina, pendiam ricas tapeçarias recamadas de oiro. A madeira com que construíam os palanques era doirada, não faltando as sanefas e cortinas de valiosíssimos panos de sêda e de brocado de Flandres.

Na época de D. João V, o Magnânimo, até pouco além do meado do século XVIII, acentuaram-se as galas de forma que as corridas de toiros continuaram a ser reputadas de grandes acontecimentos.

O cavaleiro constituía o fulcro de tôdas as atenções.

Os cavaleiros tauromáquicos foram e são os ilustres varões que evocam um passado glorioso e hoje se impõem como os mais lídimos representantes daqueles ousados que deram o cunho de beleza e valentia aos torneios e lutas, por meio dos quais se mediam a coragem e a destreza.

O cavaleiro, seja amador ou artista, reproduz, no seu clássico labor, o requinte de elegância, o valor ingénito duma raça que sempre se afirmou ante os mais perigosos adversários e os maus duros obstáculos.

Os portugueses foram sempre assim. Quando as naus seguiam uma rota de mistério, a tripulação cantava o fado, tangendo as suas banzas; e, na volta das conquistas em África e na Índia, vinham defrontar-se com os toiros.

Também a nota de garbo e de arrôjo, assumida pelo cavaleiro, concorreu sempre poderosamente para o conjunto de beleza que tanto realce fornece a uma corrida de toiros, cuja feição primitiva nunca se afastou da lide eqüestre.

A arte de lidar, a pé, reses bravas assenta sôbre bases ensaiadas e desenvolvidas pelo toireio a cavalo.

Tanto a lide pedestre como a eqüestre irmanam-se actualmente, num tal grau de perfeição, que leva a acreditar os portugueses de consumados toireiros a cavalo e os espanhóis sublimes no trabalho da infantaria.

Há escolas de toireio, e magníficos estilos nelas inspirados. Tanto o toireio a pé como a cavalo dispõem dos seus princípios, leis, processos que nada têm que ver com a nacionalidade do toireador, mas especialmente com a perfeição com que é executado. Até agora, no autêntico toireio a cavalo, ainda não houve quem ultrapassasse os lusitanos.

Pode ser que no futuro venha a luzir algum astro novo. Pode ser. Por enquanto não dei por tal supremacia.

O impulso dado em Portugal às corridas de toiros, na primeira metade do século XVIII, provocou o aparecimento de sublimes figuras, como D. Jaime de Melo, o terceiro Duque de Cadaval, que legou aos seus descendentes ricas pearas de gado, cuja bravura e corpulência não são desconhecidas dos portugueses.

O referido duque rojoneava com perfeição e, no toireio a pé, mostrava valentia e conhecimentos tais, que executava com o estoque a sorte já nesse tempo conhecida por estocada de mete e saca, que hoje em Espanha não se pratica com freqüencia.

O Marquês de Marialva, que foi um exímio picador, fêz ligar, desde essa época, o seu nome à tauromaquia e de tal sorte que toireio eqüestre é ainda hoje denominado a Arte de Marialva.

Ora, o Marquês de Marialva foi um grande mestre de equitação; ditou leis e fêz operar grandes modificações em tudo que à cavalaria dizia respeito.

Até na indumentária dos equites êle introduziu aperfeiçoamentos.

Como não podia deixar de ser, na arte de toirear a cavalo também se registou um progresso que dia a dia vem mostrando novos e iluminados processos que jamais deixaram de primar, em todos os seus pormenores, por uma inexcedível galhardia e vistosidade.

Há um facto que merece referência especial: nesse tempo áureo, nenhum toiro vinha à peleja, que não tivesse seis anos de idade e que não trouxesse a cornamenta desimpedida de qualquer atavio. As hastes eram limpas e aguçadas, e a lide tinha a finalidade lógica a morte do toiro.

Hoje, em Portugal, ainda se anda a discutir se de novo o toiro deve ir à praça en puntas e se se há-de matar ou não.

Tudo isto é um reflexo da época.

Actualmente é raro sair do toril um bicho com idade superior a três anos. É que hoje atravessam as bancadas da praça uns indivíduos a apregoarem: Água fresca ou capilé, cá estão sandwichs ou bolinhos de amor!...

Não pense o leitor que em Espanha se passam casos de moldes diversos. Não, senhor.

É freqüente verem-se uns vendedores vestidos de branco, com certos ares amaneirados, feminis, a incomodarem os ouvidos dos espectadores: — Paquetes de almendra tostá y pelá!

Já lá vai o tempo do botijos de cassaya!...

Mas o toireio a cavalo tem muito que se lhe diga pela capital importância oferecida nos mais pequenos detalhes.

À alta concepção que sempre revelou, impõe-se, aos que praticam tão sublime arte, juntar o absoluto respeito pela tradição e uma vigorosa personalidade própria dos portugueses de rija têmpera que sempre exerceram predomínio no toireio eqüestre.

In GADO, MULHERES E TOIROS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa - 1945

7 DE FEVEREIRO DE 1897 - RIO DE JANEIRO: PUBLICAÇÃO A PEDIDO DOS CAVALEIROS ALFREDO TINOCO DA SILVA E JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


PUBLICAÇÕES A PEDIDO

Agradecimento

Os distinctos artistas tauromachicos Alfredo Tino e José Bento (de Araújo) pedem-nos a publicação do seguinte:

Alfredo Tinoco da Silva e José Bento de Araujo, tendo regressado do Rio de Janeiro, onde trabalharam como artistas tauromachicos, vêm, embora um tanto tarde, manifestar o agradecimento de que se acham possuidos para com todos que na capital da Republica Brasileira lhes deram as mais assignaladas provas de amizade e de apreço.

Não podem deixar de se referir em primeiro logar á imprensa fluminense, que tanto os distingiu, exaltando-lhes os meritos artisticos e dando-lhes coragem e incitamento pela seriedade da sua critica.

A Imprensa do Rio de Janeiro deixou-nos penhorados pela fórma amavel com que sempre nos tratou, contribuindo assim para o luzimento e apparato dos varios torneios que alli demos.

Não podemos tambem olvidar o bom e generoso publico d'essa capital, que nos distinguiu com os seus applausos e as suas saudações enthusiasticas, immerecidas. de certo para quem, como nós, não passa de dous modestos artistas.

Agradecemos, po ultimo, a todas as collectividades que nos honraram com a sua sympathia, a todos os particulares que nos auxiliaram para o cabal desempenho da nossa missão, a todos finalmente que nos dispensaram favores de tal ordem que nem toda a gratidão que pudesse brotar dos nossos corações seria sufficiente para compensar.

É possivel que dentro em breve voltemos ao Brasil. Se o fizermos, como esperamos, teremos então occasião de agradecer pessoalmente a muitos cavalheiros d'ahi a sua affectuosa amizade.

Por agora limitamo-nos a este agradecimento, que é a justa expressão do que sentimos, o reflexo do que se nos passa na alma, o cumprimento de um dever sacratissimo que nós tinhamos forçosamente de fazer, seguindo os dictames da nossa consciencia.

A todos, pois, um leal e franco aperto de mão.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 1897.

ALFREDO TINOCO DA SILVA.

JOSÉ BENTO DE ARAUJO.

(Do Atlantico).


In GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro - 10 de Março de 1897

1 DE JANEIRO DE 1908 - RIO DE JANEIRO: O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO MANDA PUBLICAR CARTÃO DE BOAS FESTAS

 


1908


In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro - 1 DE JANEIRO DE 1908

28 DE ABRIL DE 1901 - SERRA DO PILAR: O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO TENCIONA MANDAR CONSTRUIR PRAÇA DE TOUROS


 

— Consta que José Bento de Araujo tenciona mandar construir, na Serra do Pilar, uma praça de touros.

A inauguração será em junho.

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro - 28 DE ABRIL DE 1901

8 DE NOVEMBRO DE 1896 - RIO DE JANEIRO: COM OITO TOUROS, INCLUINDO O BICHO QUE DESFEITEOU O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO NA CORRIDA ANTERIOR


 

In GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro - 7 de Novembro de 1896

5 DE SETEMBRO DE 1897 - RIO DE JANEIRO: FESTA ARTÍSTICA DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO

 


Biblioteca Nacional do Brasil

Hoje, — é preciso fechar a chronica com uma noticia alegre! — hoje, na Praça de Touros, festa artistica de José Bento de Araujo. Haverá quem tenha coragem de ficar em casa, digerindo melancolocamente a canja do almoço, em vez de ir applaudir a pericia e a elegancia do arrojado cavalleiro?

In JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro - 5 de Setembro de 1897

23 DE MAIO DE 1895 - INAUGURAÇÃO DA PRAÇA DE TOUROS DE ALGÉS


 


A POPULAR PRAÇA DE ALGÉS

 

A antiga praça de touros de Algés, nos arredores de Lisboa.
Foto: Internet

 O conflito aberto entre alguns cavaleiros que desejavam ganhar, por corrida, mais uma dezena de milhar de réis do que os cento e vinte mil que a empresa do Campo pequeno lhes pagava, levou à iniciativa da construção duma praça de toiros, em Algés, alguns aficionados entre os quais Teodoro e reinaldo Pinto Basto, Silva Bruscki, Scarlatti Quádrio e Manuel Figueira, do Clube Tauromáquico Português.

(NOTA: Esta informação só parcialmente é verdadeira. Na realidade os cavaleiros pretendiam mais dinheiro, informação antecipada sobre os programas das corridas, etc... Este assunto será desenvolvido neste blogue um dia destes.)

A inauguração efectuou-se em 23 de Maio de 1895 com os cavaleiros Alfredo Tinoco, José Bento de Araújo, Fernando de Oliveira e Manuel Casimiro; os bandarilheiros João Roberto, Teodoro, Jorge Cadete, Saldanha, Minuto, Pescadero, Rodas e Moyano e toiros de Vitorino Fróis. Várias corridas formais se realizaram nessa temporada, inclusive a da festa artística de Teodoro e Cadete, algumas delas com a caolboração dos amadores: cavaleiros João Gagliardi e D. José Manuel da Cunha Meneses, ambos equitadores de fama; e os forcados Aires de Serpa, Finzi, Armando da Fonseca, Alberto Albuquerque, Manuel Esteves, Couto paixão, Júlio Nunes e Fernando Cifka.

Já no final da temporada exibiram-se: Mateito, Currinche, o negro El Chileno e a tão reclamada toireira espanhola La Guerrita, a qual, segundo a crítica do tempo... lembrou a intervaleira Cartuxa!...

Em 1898 toireou o grande Guerrita, mas a casa teve apenas uma escassa meia entrada, porque nesse dia o Campo Pequeno apresentava no seu cartaz, António Reverte e Algabeño (pais) com os seus bandarilheiros e picadores. E, a propósito, conta-se que o califa cordovês exclamara ao obervar tão pouca gente nas bancadas: «Estes, sim, são meus amigos verdadeiros, porque vêm aqui, propositadamente, para me ver!»

Na alegre e arrabaldina praça houve, em 1900, umas dezasseis corridas de toiros con bons artistas, como Algabeño (pai), Emílio e Ricardo Bombita e Faíco, procurando a empresa competir com a do Campo Pequeno, mas o resultado foi algo funesto para ambas as partes. Já nesse tempo se verificava não ser possível, no mesmo dia, conseguir espectadores suficientes nas duas praças.

Em consequência de a empresa primitiva não ter satisfeito alguns compromissos tributários, a Câmara Municipal de oeiras pôs a praça em hasta pública, sendo adjudicada a Eduardo Pedroso, cujos herdeiros são os actuais proprietários.

Foi em Algés, no ano de 1903, que se despediu o velho João Calabaça, e na organização dessa corrida em que entraram Fernando de Olievira e Manuel dos Santos, foi instituído o prémio de uma bengala com castão de prata para o toireiro amador que melhor estivesse nessa tarde. Concorreram João de Oliveira, Alexandre Vieira, Inocêncio Angelo, Augusto de Sousa e Alfredo dos Santos, sendo o último quem triunfou.

Na época de 1908 enveredou-se pelo género dos festivais, e foi, então, que apareceram os «Pauliteiros de Miranda», os negros de Luanda que montavam uns garraios; os toireiros marrecos; e o popularíssimo cavaleiro José Borges, dos Correios. Todavia, a nota de grande sensação foi dada pelos dois niños sevilhanos Gallito e Limeño, o primeiro dos quais, tempo depois, se revelou a figura mais completa do toireio, cuja recordação viverá eternamente na alma de todo o mundo aficionado. E, por este pormenor, à história da vida artística de Joselito, o Gigante de Gelves, está ligada a praça carabanchelera dos lisboetas.

Vieram a seguir La Reverte e Madame Mayestrick, havendo depois, uma vez por outra, qualquer corrida formal que atraía a atenção dos amantes da Festa Brava; mas os espectáculos mais frequentes eram organizados à base do género cómico em que se destacava o popular e engraçado António Preto.

Em certa altura — 1913 — realizou-se uma corrida em benefício de Manuel e José Casimiro, ficando este sem um lindo cardão que lhe fora oferecido pelo Dr. Augusto Assis, de Alhandra. O cavalo recebera uma perfuração no ventre, não podendo ser evitado o triste percalço, apesar da intervenção rápida do capote de Teodoro. Fomos testemunhas do episódio e da consternação produzida no espírito do público que enchia a praça.

(NOTA: A praça de touros de Algés acabou por ser demolida muitos anos depois. No entretanto, serviu de armazém de compra e venda de papelão e de metais. Hoje, existe no local um parque de estacionamento. No comments!)

In LISBOA DAS TOIRADAS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa - s.d.

18 DE AGOSTO DE 1892 - "DA ABERTURA DO CAMPO PEQUENO AOS NOSSOS DIAS"

 



Quando, em 1888, começaram a circular os rumores de que a praça do Campo de Sant'Ana tinha sido vistoriada e dada por incapaz, os toireiros José Peixe, Rio Sancho, Calabaça e José Costa dirigiram-se ao Governo Civil com o fim de pedirem as obras tão necessárias ao edifício da dita casa de espectáculos. Foi-lhes respondido que o referido assunto estava afecto à proprietária da praça que era a Casa Pia. Sucedia, porém, que o Director dessa instituição, o Dr. Oliva, nada dizia, nem fazia, segundo revela José Peixinho no seu livro de memórias.

A antiga praça do Campo de Sant'Anna

Tomaram depois o caminho de Belém, onde o referido Director, ao ouvir as razões apresentadas pelos toireiros, incluindo os lamentos pelo estado de abandono a que chegou o edifício da histórica praça, se mostrou, a princípio, carrancudo, terminando por fazer algumas promessas agradáveis.

Duas vezes José Peixe foi à Casa Pia, conseguindo que se realizasse segunda vistoria, dando-se então, definitivamente, a praça por incapaz de funcionar. Peixinho, depois, elevou no seu cérebro a ideia da construção duma praça digna da capital e, nesse sentido, envidou enormes esforços. Fizeram-se representações; promoveu-se grande propaganda e até se alvitraram, para a edificação do tauródromo, vários pontos, entre os quais o alto da Avenida da Liberdade e o Campo Grande.

Entretanto, o deputado Carlos Testa, na sala do Parlamento, barafustava contra a ideia de tão importante nelhoramento citadino, chegando a propor a proibição das corridas de toiros, no que era acompanhado pelo Dr. Teófilo Ferreira, ao tempo vereador da Câmara Municipal de Lisboa.

A campanha movida pelos referidos antipatizantes do espectáculo taurino deu um resultado contraproducente porque, em muitos pontos do País, apareceram novas praças e a Festa propagava-se, notàvelmente, o que veio provar que o povo português gosta de toiros.

Nos meados de Setembro de 1889, José Peixe levou à presença do Director da Casa Pia o arquitecto Dias da Silva que, por sua vez, era portador do projecto duma praça de toiros que se pensava construir em Queluz.

O Dr. Oliva elogiou o trabalho do arquitecto e convidou este a elaborar um projecto de uma praça de harmonia com a categoria da capital, ao que Dias da Silva acedeu sem cobrar um vintém.

Os toireiros com José Peixe à frente, promoveram várias diligências junto dos ministros e da Câmara Municipal.

No gabinete do Ministro das Obras Públicas, cuja pasta estava confiada a Frederico Arouca, passou-se o seguinte caso, conforme a narrativa publicada nas «Memórias» do popular artista:

«A ocasião foi boa porque o encontramos acompanhado de diversos trunfos que nos prestaram o seu apoio. O ministro, todo gaiteiro, lembrando-se ainda dos seus tempos de rapaz, em que era forcado amador, perguntou ao Rio Sancho se ainda passava bem de capa as reses, por baixo, endireitando-lhes a cabeça para a pega.

Arouca afirmou interessar-se pelo assunto e não demorar o expediente da secretaria, e o DirectorGeral do Ministério das Obras Públicas elogiou o projecto, achando-o bem feito, pelo que o Dias da Silva ficou mui agradecido e todo inchado (sic)».

No mesmo ano, a Câmara Municipal, após renhida discussão entre os vereadores, aprovou a concessão do terreno para a edificação da praça, iniciativa que era apoiada pelos edis Dr. Bettencourt Raposo e Pinto Bastos, os ardentes defensores da causa.

A direcção da Casa Pia pôs a concurso a importante obra e, no prazo próprio, foi concedida à Empresa Tauromáquica Lisbonense que ficou com o exclusivo das corridas de toiros dentro da área de Lisboa durante 99 anos. De forma que em 1982 a referida instituição de Assistência tomará conta do circo.


Concessão do terreno à Real Casa Pia para uma praça de touros no Campo Pequeno
Hemeroteca Digital de Lisboa

José Peixe não quis fazer parte da comissão instaladora da referida empresa proprietária, pelo motivo de ser artista, indicando para o substituir Joaquim Pedro Monteiro.

A comissão fundadora foi constituída pelos seguintes elementos:

Albino José Baptista, Alfredo de Ascensão Machado, António Cardoso de Oliveira Júnior, Domingos Esteves de Oliveira, Eduardo Perry Vidal, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Bizarro da Silva, João Cipriano R. Batalha, Joaquim Pedro Monteiro, José Antónion Fernandes Júnior, José do Espírito Santo Silva, José Baptista Pinhão, José Rodrigues Pires, Luís Reynaud, Manuel Gouveia Júnior, Manuel Alves Dinis e Manuel Luís Fernandes, cujos nomes ilustres se encontram perpetuados, no mármore, na fachada principal da formosa praça do Campo Pequeno. E a primeira direcção ficou desta forma organizada: engenheiro Ressano Garcia, Luís de Oliveira Calheiros (conde da Guarda), João Cipriano Roiz Batalha, Albino José Baptista, Eduardo Perry Vidal e Manuel Alves Dinis.

Apesar de não estarem concluídos os torreões, a cobertura das galerias e alguns trechos do exterior, a inauguração da praça realizou-se em 18 de Agosto de 1892.

Foi um dia de festa na capital alfacinha. E como se tratava de uma quarta-feira, muitos patrões tiveram de dispensar os seus empregados, e houve lojas que, a meio da tarde, tiveram de fechar, porque todo o pessoal foi aos toiros.

As reses eram possantes e pertenciam a Emílio Infante (pai), sendo lidadas pelos cavaleiros Alfredo Tinoco e Fernando de Oliveira (NOTA: O cavaleiro José Bento de Araújo esteve em França entre 1890 e 1893), pelos bandarilheiros Vicente Roberto, Roberto da Fonseca, José peixinho, João Calabaça, Rafael Peixinho, João Roberto e os espanhóis que permaneciam, há tempo no nosso país, Minuto e Pescadero.

A expressiva e cerimoniosa nota do momento solene da inauguração da praça, das mais lindas da Península, deu-a o velho Joaquim Pedro Monteiro que, descendo ao redondel e ao lado de Vicente Roberto, foi entregar o primeiro ferro que ali se viu cravar. Recebeu-o o cavaleiro Alfredo Tinoco, com o qual sangrou no alto do morrillo o primeiro toiro que saíu pela porta dos currais naquele dia memorável. Tudo quanto se seguiu naquela impoenente praça constitui um precioso conjunto de elementos para a história da casa a que fizemos já larga referência no nosso livro Fado, Mulheres e Toiros (1945) e nela palpitam factos e personagens que não são de esquecer.


Uma das muitas obras do jornalista Pepe Luiz

É precisamente essa história que vamos ampliar, servindo-nos de dados que nos foi possível obter junto de várias fontes que vieram reforçar o que possuímos no nosso arquivo, algo substancioso.

Desde já destacamos o amável e proveitoso acolhimento que nos dispensaram a Empresa Tauromáquica Lisbonense e a Sociedade do Campo Pequeno, Ltdª.

Retomemos a tarefa, revolvendo antigas crónicas, programas e volumes encaixados em velhos armários:

Quando da inauguração da Praça do Campo Pequeno, tínhamos apenas, vindos da do Campo de Sant'Ana, e, portanto, isentos de alternativa, os cavaleiros profissionais Manuel Mourisca, José Maria Casimiro Monteiro, Alfredo Tinoco da Silva, Fernando de Oliveira e José Bento de Araújo.


A nova praça de touros da capital
Hemeroteca Digital de Lisboa

A alternativa foi exigência aparecida na nova praça lisboeta.

José Pedro do Carmo, a este respeito, forneceu às Bandarilhas de Fogo estes curiosos elementos:

«Fidalgos na essência e por excelência ditavam leis nessa época, na arte de Marialva. Eram os nobilíssimos cavaleiros amadores D. Luís do Rego, visconde de Várzea, depois marquês de Castelo Melhor, Alfredo Marreca, Vitorino Fróis, visconde de Asseca, D. António Freire de Siqueira (S. Martinho), Carlos Relvas, D. António de Portugal, visconde de Alverca, D. José de Mascarenhas, D. Nuno de Almada, D. José Manuel da Cunha Meneses, D. Caetano de Bragança, Alfredo Anjos, visconde da Graça, etc., que apenas toireavam por sport, só para amigos e convidados em pequenas praças improvisadas, nas suas propriedades fora de Lisboa, ou então nas corridas de gala, chamadas toiradas de fidalgos, sem remuneração de espécie alguma, ainda muitas vezes reforçando do seu bolso a receita dessas corridas organizadas para fins de beneficência.

Dos cavaleiros que profissionalmente toireavam sem alternativa pelas praças da província, havia, apenas, Manuel Casimiro, Adelino Raposo, Fernando Ricardo Pereira, Francisco Simões Serra, Cristiano de Mendonça, José Maria do Lago e uma senhora de nacionalidade francesa, que fora discípula de J. (José) Bento de Araújo, de nome Clotilde Mayestrick.


Praça do Campo Pequeno

Como Manuel Mourisca e José Casimiro Monteiro estivessem um tanto afastados do toireio, e José Bento de Araújo andasse por Madrid, França e Brasil a cumprir os seus longos contratos, não fazia sentido que apenas Tinoco e Fernando trabalhassem em todas as corridas do Campo Pequeno.

Por este motivo era necessário abrir caminho aos novos, legalizando-lhes a situação de profissionais, o que se fez, tendo sido Manuel Casimiro de Almeida o primeiro que recebeu alternativa, em 21 de Agosto de 1892».

Nas efemérides de maior relevo da praça do Largo do Dr. Afonso Pena reza mais o seguinte: em 8 de Novembro de 1892 reapareceram e se despediram, segundo nos parece, os bandarilheiros fidalgos D. Diogo e D. Rafael Pina Manique, numa corrida em que entraram sócios do Clube Tauromáquico, entre eles os cavaleiros conde de S. Martinho e visconde de Várzea; e a 18 de Dezembro também se despediu dos aficionados de Lisboa Rafael Molina Lagartijo, el Grande, que trazia na sua quadrilha Juan Molina e Antolín.

Na segunda época do Campo Pequeno houve trinta e seis corridas, incluindo quatro nocturnas e quinze benefícios, e ainda, no meio desses festejos, realizaram-se as alternativas do cavaleiro Adelino Raposo e do bandarilheiro José Martins Azeiteiro.

Uma colhida grave se deu, que foi a do espada Juan Luiz Lagartija, que ficou com o crânio fracturado ao colocar um par de bandarilhas.

Em 23 de Abril Cara Ancha fez-se acompanhar pelo seu antigo bandarilheiro, nessa altura novilheiro, o Antonio Fuentes que anos depois se converteu em ídolo dos lisboetas. Estrearam-se também Faico que trazia os auxiliares Primito e Pulguita; Lobito, Fernando Gomez Gallo (pai de Rafael e de José); Bébe Chico e Guerrita reaparecia com o subalterno Almendro. Na tarde de 24 de Setembro, Carlos Relves farpeou na corrida promovida pela Imprensa a favor das vítimas do ciclone dos Açores. No ano seguinte, o célebre cavaleiro Manuel Mourisca ainda toireou com a sua habitual perícia.

Quase no final da temporada, anunciaram a sua despedida os notáveis amadores D. António Perestrelo e Dr. Duarte Pinto Coelho.

José Bento de Araújo revestia sempre o programa das suas festas com qualquer atracção e, então, ia buscar números desconhecidos em Lisboa. Em 1894, por exemplo, trouxe os saltadores landeses Marius Monier, Kroumir, Clarion e Bossu, todos exímios em dar saltos por cima dos toiros, uns com vara e outros sem ela, mas sempre com extrema agilidade e arte.

José Bento de Araújo no sul de França
Bibliothèque Nationale de France, Paris.

Na temporada de 1895, houve estas corridas: em 20 de Setembro, a promovida pela comissão do monumento ao grande jornalista Eduardo Coelho, na qual entrou Faico com a sua quadrilha completa de bandarilheiros e picadores; em 27 de Outubro, uma outra, a favor da Caixa de Pensões «Tauromáquica Portuguesa», espectáculo a que assistiu a excelsa actriz francesa Sara Bernardt; e foi por essa altura que começou interessando o nosso público a famosa parelha de reheliteros Rodas e Moyano.

Ainda em 1895, Emílio Bomba apresentou ao nosso público o seu irmão Ricardo Torres Bombita II, rapaz que estava dando os primeiros passos na Arte, e que mais tarde atingiu a celebridade; e Manuel Moursica voltou ao Campo Pequeno, ao lado do seu colega Adelino Raposo e de Emílio Torres Bombita I, para toirear na corrida organizada com o fim de se obterem fundos para a construção do Asilo de Santo António.

Em 1896, Guerrita, Antonio Reverte e Quinito conseguiram tardes de enorme sensação no Campo Pequeno e no ano seguinte registou-se na mesma praça uma grave colhida de Henrique Vargas Minuto.

Foi esta temporada fatídica para os Minutos porque outro Minuto, o bandarilheiro Filipe Aragô, encontrou a morte em resultado dum acidente ocorrido na tarde de 2 de Maio na praça da Covilhã.

Anote-se que na dita época começou a adquirir popularidade na afición portuguesa o célebre peão Patatero da quadrilha de Guerrita.

No ano de 1897 debutaram Parrao (acompanhado do peão El Americano) e Esteban Diaz que se apresentava vestido ao estilo da época de Goya, dava o salto de Martincho e toireava de capa.

Depois de adiada duas vezes, por motivo da chuva, na tarde de 14 de Novembro efectivou-se uma corrida de toiros de Carlos Marques com Antonio Reverte, Quinito, Emílio Bomba e Parrao. Também, nessa época, foi dado admirar a bela estampa do toiro Playero, o antecessor do Capirote.

Em 1898, a empresa realizou uma corrida comemorativa do centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. Depois, revestia-se de grande esplendor uma outra, promovida pelo Clube Tauromáquico, em que saíram treze toiros de vários lavradores para os cavaleiros Alfredo Marreca, D. Luís do Rego, conde de S. Martinho e viscondes de Alverca e de Várzea.

Duas grandes corridas se celebraram também, nessa temporada: a do Instituto de D. Afonso e a do Congresso Internacional da Imprensa, havendo, na primeira, toireado os sócios do Clube Tauromáquico, e, na segunda, Algabeño (pai) e os cavaleiros Fernando de Oliveira e Manuel Casimiro que enfrentaram doze toiros de Máximo Falcão.

Causou sensação, em 20 de Agosto de 1899, o espada negro German de León Facultades, natural do Peru, que fora bandarilheiro de Angel Pastor.

Na ápoca de 1900 estrearam-se os novilheiros Rafael El Gallo, Corcito e Chicuelo (pai) e também a troupe árabe marroquina Has Bragen, cujos elementos, montados em velozes cavalos, executavam uns exercícios próprios da sua raça intitulados «correr pólvora». E era de esperar que os tiros nunca mais acabavam!...

Em 1901, resultou concorrida, no dia 2 de Junho, a corrida em benefício da Assistência Nacional aos Tuberculosos, com doze toiros da Casa Bragança lidados pelos cavaleiros Luís do Rego, Vitorino Fróis, visconde de Alverca e conde de S. Lourenço; bandarilheiros Pedro de Figueiredo, Mário Duarte, D. Luís Lumiares, Simão da veiga (pai), Henrique Freire e Paulo David; forcados José Calazans, Pedro de Oliveira, João Marcelino de Azevedo, Pedro Navarro, Artur dos Santos e D. José Castelo Branco.

Vinda de Algés, onde deu corridas de doze toiros com os espadas Guerrita e Mazzantini e os melhores artistas portugueses, surgiu no Campo Pequeno, na temporada de 1901, a empresa formada por João C. R. Batalha, Artur Teles e Luís Gama, que bons espectáculos realizou, cooperando, numa parte deles, os espadas Emílio e Ricardo Bombita e Faico que obtiveram clamoroso sucesso.

Deve-se à dita empresa o facto de abrir a assinatura, pela vez primeira, nas praças portuguesas.

No dito ano, no dia de Santo António, o público ficou deslumbrado com a serenidade de Don Tancredo Lopez, anunciado como o Rei do Valor.

Nessa tarde estreou-se, também, o novilheiro Palomar Caro que se assutou tanto com o tamanho e hastes dos toiros de Estêvão de Oliveira, de Pancas — animais com os seus cinco anos no lombo — que fugiu para o hotel, havendo Manuel dos Santos, para salvar o mau passo da corrida, de toirear, nos três tércios, os mastodônticos bichos destinados ao espada referido.

No dia 7 de Julho, o popularíssimo toireiro Manuel dos Santos foi colhido pelo 7.º toiro o Esganado, de Faustino da Gama, que lhe ocasionou a fractura da perna esquerda. Seguiu para o hospital de S. José às 7 horas da tarde e ali ficou recolhido no quarto n.º 7!...

A 8 de Maio de 1902 a empresa promoveu um concurso de cavaleiros, com o prémio de 200$000 réis, e ao qual concorreram Fernando de Oliveira, Manuel Casimiro, Joaquim Alves e Simões Serra. Saíu triunfador o primeiro dos aludidos artistas.

O cavaleiro Joaquim Alves fez a sua festa artística em 15 de Junho, incluindo no programa um certâmen de bandarilheiros com um prémio de 200$000 réis para o triunfador. O resultado da votação foi o seguinte: Silvestre Calabaça, 1.298; Manuel dos Santos, 1.208; Jorge Cadete, 1.043; Torres Branco, 939; Tomás da Rocha, 669; José Martins Azeiteiro, 396.

Com o fim de socorrer as vítimas da catástrofe da Martinica, o Clube Tauromáquico realizou um espectáculo com os seguintes elementos: cavaleiros Vitorino Fróis e D. Luís do Rego, marquês de Castelo Melhor e D. Nuno Almada; bandarilheiros Pedro de Figueiredo, Mário Duarte, D. Luís Lumiares e Paulo David; e forcados Pedro de Oliveira, Artur dos Santos, João Marcelino, Luís Pimentel, F. Santos, João Caldas, Carlos Gonçalves (mestre de armas) e D. Rui de S. Martinho. Em 24 de Agosto foi a apresentação de Maria Salomé La Reverte (NOTA: O seu nome era María Salomé Rodríguez Tripiana, aliás "La Reverte"); em 28 de Setembro, a de madame Mayestrick; e também a festa artística de João e Silvestre Calabaça, realizando este o habitual quiebro com os pés metidos num chapéu alto.

Romão Gomes, cronista de toiros muito apreciado nesse tempo, fez-se empresário para realizar, durante o inverno, umas corridas económicas, chegando a apresentar os novilheiros Juan Ripoli Arosco, um valenciano simpático e bom toireiro; Juan Sebastián Chispa, o sevilhano El Tato, Chicorrito, vários cavaleiros amadores e toireiros portugueses profissionais. O negócio resultou ruinoso, em virtude de haver chovido em vários domingos de corrida.

Uma deslumbrante corrida de gala se efectuou em 6 de Abril de 1903 por ocasião da visita do rei de Inglaterra, Eduardo VII, em que entraram os cavaleiros José Bento (de Araújo), Fernando de Oliveira, Manuel Casimiro, Joaquim Alves, Simões Serra e Eduardo Macedo; os bandarilheiros Calabaças, Teodoro, J. Cadete, José Martins, T. Branco, Manuel dos Santos, Tomás da Rocha, e dois grupos de forcados.

Em Junho, a 7, houve um certâmen de ganadarias em que Faico e António Montes e os melhores cavaleiros e bandarilheiros portugueses lidaram toiros de Emílio Infante (pai), F. da Gama, marquês de Castelo Melhor e Correia Branco, de Coruche; e a 14, a da Assistência Nacional aos Tuberculosos, com os cavaleiros D. António de Portugal, Vitorino Fróis, marquês de Castelo Melhor e D. José mascarenhas; os espadas Emílio Bombita e Algabeño I; os forcados Artur dos Santos, J. Marcelino, Luís Pimentel, J. Caldas, Estêvão Pimentel, Carlos Peixoto, C. Gonçalves e Germano Martins, sendo os toiros da Casa de Bragança.

No mesmo ano realizou-se ainda mais o seguinte: a ascensão do balão «Portugal», tripulado pelo famoso aeronauta francês Mr. Emile Carton; a estreia, como novilheiro, de Manuel Bienvenida (pai); e, em 11 de Dezembro, a corrida à antiga portuguesa em homenagem ao rei de Espanha D. Afonso XIII, e cujo cartaz era composto pelos cavaleiros José Bento (de Araújo), Fernando de Oliveira, Manuel Casimiro, Joaquim Alves e Eduardo Macedo; os bandarilheiros Calabaças, Cadete, J. Martins, T. Branco, Manuel dos Santos, Teodoro e Rocha; e dois grupos de forcados. Os toiros eram de Luís Gama.

1903 - José Bento de Araújo na corrida à antiga portuguesa em homenagem ao rei de Espanha
Hemeroteca Digital de Lisboa

Em 1904 houve uma data triste, que foi a de 12 de Maio, na qual perdeu a vida o célebre cavaleiro Fernando de Oliveira quando lidava um toiro do marquês de Castelo Melhor. Na corrida também colaboraram José Bento (de Araújo), Joaquim Alves e Simões Serra e os diestros Ricardo Bombita, Chicuelo (pai) que se faziam acompanhar dos afamados peões Antolín, Enrique Alvarez Morenito, Paco Sanchez Currinche e Eduardo Borrego Zocato, que depois foi apoderado de Chicuelo II, seu sobrinho. A propósito deste infausto acontecimento, fazemos uma larga descrição no livro Ao Estribo.

O grande cavaleiro Fernando d'Oliveira
Fonte: Illustração Portugueza, 16 de Maio de 1904

Na tarde de 26 de Março de 1905, efectuou-se uma corrida de grande aparato, quando da visita do Imperador Guilherme II, e no dia 18 de Junho realizou-se a memorável corrida a favor da Assistência Nacional aos Tuberculosos, com Ricardo Bombita e os melhores elementos do Clube Tauromáquico.

Para 30 de Julho estava anunciada a festa do bandarilheiro Silvestre Calabaça e o reclame subiu ao alto da retumbância, porque nessa tarde se estrearia Bahs Lessps, designado o Espada Boer.

(NOTA: O nome correcto do artista é Kregel Bahs Lesseps. O seu perfil pode ser consultado aqui: https://www.diariodecadiz.es/opinion/articulos/Insolitos_0_483852366.html

Eis o resumo da tourada mencionada por Pepe Luís, que foi publicado na revista "TIRO E SPORT", datada de 15 de Agosto de 1905:


Hemeroteca Digital de Lisboa
https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/tiroesport/1905/N312/N312_master/TiroeSportN312.PDF

THEATROS, CIRCOS, ARENAS E VELODROMOS

Chronica tauromachica

NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO: — Uma corrida tormentosa — A festa de Torres Branco.

Cheia de episodios a corrida que em festa de Silvestre Calabaça se realisou domingo 30, no Campo Pequeno e que teve uma grande enchente devido certamente á apresentação do pseudo espada boer.

Lidaram-se, ou para melhor dizer sahiram da gaiola dez animaes feios, pequenos e faltos de carnes e que á excepção d'uns tres que não passaram de regulares, nada mais fizeram do que mostrarem-se mansos.

Como acima dizemos o pseudo espada e talvez até pseudo boer Kregel Bahs Lesseps era o principal attractivo da corrida — attractivo este mais proprio de figurar n'um cartaz de Algés ou Sacavem.

Kregel, que tem uma figura sympathica conservou-se o mais tempo que poude dentro da trincheira e só quando o publico o reclamou é que saltando ao ruedo deu uns passes de capote em que logo mostrou os seus fracos recursos. Pegando no capote e na muleta confirmou que nada sabia ao dar uma especie de passes de que sahiu illeso por obra e graça do Espirito Santo.

No touro que competia á sua cuadrilla a qual era composta de Pescaderito que ha muito reside entre nós e d'um completo maleta, o publico reclamou que elle bandarilhasse e como se negasse a isso dizendo-se doente, o sr. major Dias chamou-o ao camarote da auctoridade e fez-lhe, diz-se, o seguinte ultimatum:

— Ou bandarilha ou vae preso.

Não sabemos se isto assim se passou, pois o que apenas vimos foi o pobre boer ser chamado ao camarote da auctoridade, estar ali fallando com o sr. Dias e apparecer depois na trincheira guardado á vista por um chefe de policia e pegar n'um par de bandarilhas com o qual foi para a cabeça da rez, sendo em seguida colhido e levado em braços para a enfermaria.

Não sabemos em que se fundou a auctoridade para obrigar o pobre boer a bandarilhar, pois que nem no cartaz nem no programma ou detalhe da corrida estava marcado que ele bandarilharia. Foi um erro imperdoavel ou um abuso, tal ordem, e portanto perguntamos a quem caberiam as responsabilidades se Kregel tivesse tido uma colhida grave ou que o inutilisasse.

Os cartazes e programmas tambem estavam mal visados, pois que não diziam, como cremos ser obrigatorio, se o espada era matador de touros ou de novilhos.

Mas vamos á corrida e deixemos em paz todas estas trapalhadas.

Em primeiro logar fallaremos do sr. Antonio Nobre Infante que se apresentou como amador mas que nos dizem vae dedicar-se á vida de cavalleiro tauromachico.

Está bem a cavallo e mostra saber algo de equitação, (cousa já rara de ver nos que se dedicam ao toureio a cavallo), tendo tido ferros bem apontados, um dos quaes o primeiro que espetou, e sendo para lastimar que por vezes se atravessasse no caminho do touro, o que é anti-artistico. Um pouco mais de clama e pratica e virá a ser um dos nossos bons artistas.

Manuel Casimiro e Fernando Ricardo Pereira tanto nos touros a sós que cada um teve, como depois no touro a duo, cravaram alguns ferros á meia volta e á garupa, de escasso merecimento.

Dos bandarilheiros ha a notar o bello trabalho de M. dos Santos e Rocha em que brilharam bastante e tiveram bellos pares; um cambio á gaiola e uns pares no quinto touro, do beneficiado; um par magistral de Pescaderito; uma boa gaiola, de Torres Branco; um par de José Martins, etc.).

O toireiro não era boer, mas sim catalão que vivera em França, durante algum tempo e depois, para governo de vida, se lembrara de deixar crescer as barbas até ao peito, e pôs-se a toirear por essas praças. Apesar de o povo propalar que nesse dia acabaria o mundo... fomos aos toiros com o autor dos nossos dias, e encontrámos o Campo Pequeno à cunha. O pior aconteceu quando o loiro catalão, de boa figura, e largo chapéu com a aba esquerda pregada a um lado da copa, estava começando a toirear: o bicho colheu-o com violência, e o espada nunca mais apareceu, sendo o Manuel dos Santos quem carregou com o resto da corrida.


Hemeroteca Digital de Lisboa
https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/tiroesport/1905/N312/N312_master/TiroeSportN312.PDF

Outro espectáculo de gala se realizou no dia 28 de Outubro de 1905, em honra de Mr. Loubet, Presidente da República Francesa. Os toiros eram de Castelo melhor; e o pessoal artístico o seguinte: cavaleiros Manuel Casimiro, Ricardo Pereira, Eduardo Macedo e José Casimiro; e os espadas Quinito e Machaquito.

Em 1906 ficaram maltratados, durante a sua actuação, em vários espectáculos, os espadas Gallito e Cocherito de Bilbau, os bandarilheiros João de Oliveira — na tarde da estreia — José Martins Azeiteiro, o picador Angelo Sanchez, e o cavaleiro António Infante no dia do benefício dos toireiros inválidos, em que se apresentara como forcado.

No dia de Santo António de 1906 efectuo-se uma corrida à antiga portuguesa em homenagem ao Clube dos Fenianos, do Porto, promovida pelo Grande Clube de Lisboa que tinha a sua sede na parte do Palácio Foz onde mais tarde funcionou uma popular casa de espectáculos de variedades, com entrada pela Calçada da Glória, que encerrou as suas portas quando dum incêndio que ali irrompeu em 1928.

A 19 de Agosto, seguinte, realizou-se o benefício dos toireiros inválidos João Calabaça, João do Rio Sancho, Manuel Botas e José Santos da Mulateira, e em que os artistas no activo inverteram os papéis. Ferreira Estudante fez de cavaleiro e Cadete de cabo de forcados. Em 1907 tivemos o Manolete, pai do actual fenómeno; num dia de 1908, reapareceu o mestre cavaleiro Manuel Mourisca numa festa de Torres Branco; e na mesma temporada, Morgado de Covas perdeu, em virtude duma colhida, um bom cavalo de combate.

Na temporada de 1909 registaram-se vinte e três corridas — uma delas com o famoso mexicano Rodolfo Gaona —, sendo seis nocturnas. Foi neste ano que o empresário Luís Lacerda se lembrou de levantar uma praça de toiros em Cacilhas que poucos anos funcionou.

Em 1910 o número de corridas subiu a vinte e nove no Campo Pequeno, das quais se contaram dez nocturnas.

Na tarde de 8 de Setembro estreou-se em Lisboa o madrileño do bairro de Vallecas e denodado lutador Augustín García Malla, assim apodado porque o seu avô se dedicava ao fabrico de malhas de variadas qualidades. O referido diestro morreu, vítima duma cornada no estômago, por ocasião duma corrida na praça francesa de Lunel, em 1920.

Na segunda-feira 17 de Outubro foi solenizado o advento da República com uma corrida de cujo programa fizeram parte os cavaleiros Eduardo Macedo e Morgado de Covas e o espada Malla; e no domingo 23, seguinte, outra corrida se verificou, mas com o objectivo de socorrer as vítimas da revolução. Os toiros foram de Emílio Infante e com eles se entenderam sete cavaleiros, oito bandarilheiros e um grupo de forcados, sendo o espectáculo abrilhantado pelas bandas da Armada e de Infantaria I e pela charanga de Artilharia I. Eis a nota do pessoal artístico: cavaleiros João Marcelino, José Bento (de Araújo), Manuel Casimiro, Adelino Raposo, Eduardo Macedo, José Casimiro e Morgado; bandarilheiros, Teodoro, Cadete, Manuel dos Santos, Rocha, F. Xavier, R. Tomé, A. Vieira e João de Oliveira.

In LISBOA DAS TOIRADAS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa - s.d.