«O VIRTUOSISMO DA CAVALARIA PORTUGUESA»
Evocação de Vimioso, D. João de Meneses, Joaquim Alves e Morgado de Covas. — D. Luís do Rego, Alfredo Tinoco e José Bento (de Araújo) em Paris.
Os portugueses foram sempre os luminares do toireio equestre.
Não precisamos citar nomes ao acaso para encontrar os «virtuosos», os correctíssimos cavaleiros, como o conde de Vimioso, que toireou em selim raso e sem estribos, D. João de Meneses e Joaquim Alves, que seguravam a boca do cavalo apenas com um débil retrós, Morgado de Covas, que toireou segurando moedas de vintém no selim raso, as quais não sofriam o menor desvio durante a lide do toiro ; D. Luís do Rego, (Alfredo) Tinoco e José Bento (de Araújo), que em Paris, tanto nos bosques (NOTA : O jornalista Pepe Luís confunde «bosques» com o lugar onde existiu a «Gran Plaza de Toros du Bois de Boulogne» de Paris entre 10 de Agosto de 1889 e a demolição, em1893. Ficava no Bosque de Bolonha – «Bois de Boulogne». Hoje, o local da antiga praça pertence ao 16.º bairro de Paris. Ver : https://clubtaurindeparis.com/2024/12/01/toreros-dans-la-ville-lumiere-a-paris/ ) como na praça de toiros da Rua de Pergolèse (NOTA : a morada exacta era rua Pergolèse sem o «de», número 60), fizeram as delícias de numeroso público, e tantos outros. (Ver : https://ubtf.fr/wp-content/uploads/2020/04/des-taureaux-a-paris-min.pdf ou ainda https://patrimoinecourselandaise.org/2019/09/17/1889-la-gran-plaza-de-toros-du-bois-de-boulogne-a-paris/ )
No nosso país não é habitual o torneio em pontas nem tão-pouco a morte do toiro.
Devido a sangrentas notas de infortúnio ocasionadas por tantos rasgos de audácia que eram sintomas claros da rija têmpera da raça portuguesa, o absolutismo de alguns reis, de sangue um pouco distinto do dos seus antepassados, deu às toiradas uma outra feiçãoque não é bem aquela que corresponde à lealdade da luta e ao acalorado desejo do português que ama a sua festa favorita.
Não são, portanto, os artistas da actualidade os culpados de não haver corridas de verdad em Portugal.
Houve tempos em que se buzinou uma sonhada superioridade de (Antonio) Cañero sobre os cavaleiros portugueses porque o cordovês lidava toiros em pontas e matava a rojão.
Então os nosso cavaleiros quando vão a Espanha não o fazem também?
E a arte que os artistas portugueses revelam nos seus mais pequenos pormenores e o seu valor estético saborosìssimamente toireiro não representam uma vantagem sobre a forma de toirear de Cañero? (NOTA : ver https://www.elespanol.com/cultura/20190806/antonio-canero-genocida-franquista-cordobes-polemica-nombre/419208947_0.html )
Ainda mais uma vez, em Junho de 1926, se pretendeu, em nova tentativa, obter vitória.
Creio que está na recordação de toda a gente aficionada o que naquelas corridas ocorreu.
Na primeira tarde trabalhou José Casimiro e na segunda D. Rui da Câmara. O reclame gritava que estes nossos compatriotas toireavam em competência com Cañero, ressaltando entre os nomes dos competitores a palavra «contra».
Cañero contra José Casimiro.
Cañero contra D. Rui da Câmara.
Faço esta observação para responder, em princípio, àquelas pessoas que se esganiçavam a apregoar que Cañero tinha uma maneira diferente de toirear.
Se o toireio era diferente, como podia haver competência?
Como é possível um torneio com regulamentação especial para cada concorrente?
Toirear não é uma questão de corridas nem de desvarios. Tem o seu tempo de preparação, entrada, centro da sorte e remate. O toireio não depende de execução atrabiliária, porque possue regras de insofimável concepção.
O toireio equestre foi aperfeiçoado pelos Portugueses, que o estilizaram a ponto de se poderem matar toiros praticando a Arte com todas as suas regras, como tantas vezes sucede na vizinha Espanha, nas várias ocasiões em que os nossos cavaleiros a visitam.
O que há é quem toireie melhor e quem toireie pior. Assim é que está certo.
Quanto a Cañero nunca vi melhorar o seu trabalho. Montando cavalos de meio sangue, que só correm em linha recta, que não se dobram na cara do toiro, e accionam ainda sujeitos a um terrível ferramental de castigo, aquele toireiro profissional exibia-se num vertiginoso toireio acampinado, não conseguindo que o toiro humilhasse, não elegendo terrenos, não definindo as sortes, não marcando implìcitamente o centro das ditas, saindo delas de qualquer maneira e, por vezes, para o lado contrário ao que mandam os princípios elementares do toireio. O local onde deixava a ferragem também não era da preocupação de Cañero. Aguentava-se bem sobre o cavalo — por isso era capitão de cavalaria… — e desses fenónemos temos por cá muitos!...
Cañero fazia tiras e meias voltas e tentava sortes de cara, embora imperfeitamente.
Agora digam os do «pregão» :
— Não é isto um dos aspectos da autêntica arte de toirear a cavalo?
Não me falem pois no «fenómeno, espanto de Córdova», porque esse nunca existiu.
In «AO ESTRIBO», Pepe Luiz (NOTA : pseudónimo do jornalista, escritor e grande crítico tauromáquico José Luís Ribeiro, 1890-1962), Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, 1926.