2 DE OUTUBRO DE 1898 - RIO DE JANEIRO: UMA TOURADA MEDÍOCRE... (na imprensa brasileira)

 



SPORT

TOUROS

Eu não sei bem ao certo se ha duzia e meia de leitores, para quem as noticias tauromachicas sejam um condimento indispensavel n'um jornal que se preze. Desconfio, no entanto, que o numero tem augmentado sensivelmente nos ultimos tempos, a julgar pelo accrescimo da concurrencia aos bellos espectaculos do sport iberico na praça das Larangeiras.

Domingo havia a Penha, e a festa de caridade no Jardim Botanico, e o concerto do Centro Artistico, o que quer dizer que ás duas metades do Rio de Janeiro se offerecia, com sobras, ensejo de divertirem-se conforme os gostos e as posses. Pois assim mesmo a corrida de touros teve um grande concurso de aficionados, que trocaram os descantes da romaria, e a rua de palmeiras do Jardim Botanico, e as harmonias do concerto, pelas sensações fortes da tourada, com um contrapeso de uma chuvinha de molha-tolos, que nem serviu para arrefecer os enthusiasmos, quanto mais para maldizer a escolha.

Aos que não foram, ou porque tivessem de levar á poetica ermida uma promessa de cèra, ou porque não pudessem furtar-se ao gracioso convite das gentis protectoras do Asylo de Nossa Senhora Auxiliadora, ou ainda por terem de dar contas do seu amor á arte ao nosso sollega Luiz de Castro, a esses que só a noticia de uma corrida má poderá minorar o desgosto, digo eu, de cima da minha preferencia feliz: roubados, meus caros amigos, roubadissimos.

Façam apenas uma fraca idéa d'isto: depois de quatro touros, muito sabidos, com que se houveram habilmente Adelino Raposo, Calabaça, em maré de sorte, Morenito, Xavier, Cruz e Rocha, e de tres garraios coitadinhos! para as niñas toureiras, pobresitas! — entra na arena, como um raio, um touro negro d'azeviche, corpulento, bem encornado e de muito poder, e puro, meus ricos senhores, puro como quem mais o fôr.

E esta féra veio para Pechuga; e Pechuga, que estava para a cousa, enfeitou-a com um par de bandarilhas a quiebro, um a sêsgo e dous a quarteo, e passou-a de muleta, e tudo isto com tanta alegria, tanta arte e tanta bravura, que eu nem ponho mais nada na carta para não recomeçar a gritar: bravo! seu catita! Olè! Olè! guapo torero!

Não me lembrei mais de cousa alguma do que havia visto, nem fiquei em estado de poder apreciar o que se seguiu; apenas de um modo muito indeciso e nevoado, me recordo de um primoroso salto de vara pelo Xavier, do successo do José Bento (de Araújo), depois de trocar o seu ginete pelo do Adelino Raposo, de dous trambolhões monumentaes inflingidos em dous forcados pelo mesmo touro real que Pechuga lidou, e finalmente de uma péga d'aquellas feita pelo Antonio no bicho que sahiu para a troupe do Pae Paulino.

 Á sahida ainda ouvi um cavalheiro muito impertigado, de roupa clara e polainas dizer n'um tom de quem toma capilé e só come carnes brancas: "... como o touro que veio para Pechuga é que haviam de ser todos".

Que lèsma! dous touros como aquelle, só dous, não havia homem, qual homem? não havia ninguem que os aguentasse n'uma só tarde.

In GAZETA DE NOTICIAS, Rio de Janeiro - 4 de Outubro de 1898