ECOS DOS VELHOS TEMPOS DE LISBOA - AS ESPERAS DE TOIROS E OS COSTUMES QUE SE PERDERAM

 


        A entrada do gado, a pé, no dia ou na véspera das corridas, feita com aquela vida, aqueles movimento e vibração próprios dos espectáculos de esplendente, ruidosa e colorida realização, foram, e serão sempre, o motivo de grande atracção no povo português.

        Campinos, cavaleiros, toiros e cabrestos, o povoléu que corre e grita, veículos dos mais variados que deslizam nas estradas e nas ruas, as janelas, muros e árvores a abarrotarem de gente que ferve de entusiasmo, tudo isto constitui um quadro de tintas fortes e cambiantes luminosos que a nossa retina fixa a par dos episódios pitorescos que tantas vezes sucedem.

        Referimo-nos apenas a esse cortejo, exuberante de cor, que á a entrada dos toiros, e não à largada de cornúpetos de hastes limpas, nas ruas, como número planeado.

        As esperas de gado vêm das épocas seculares em que os animais bravios viviam à solta nos campos e rude era a tarefa de conseguir a quantidade destinada aos torneios em que os toiros constituíam importante elemento. E sempre a passagem da manada era motivo de regozijo popular.

        O tempo foi rodando e hoje já não existe a necessidade de caçar os toiros bravos, porque são criados em propriedades vedadas e a sua reprodução é feita segundo especiais características de tipo e de sangue.

        Em Lisboa, as esperas foram uma das mais surpreendentes diversões da rapaziada do século passado (XIX), muito especialmente no tempo da praça do Campo de Sant'Ana.

        Uma chusma de tipóias e cavaleiros dirigia-se na véspera da corrida para as Marnotas, ao encontro dos toiros que ali repousavam desde manhãzinha.

        Dali partia o cortejo, seguindo pela Calçada de Carriche, Estrada do Lumiar, Campo Grande, e a manada descansava nas imediações do palácio Galveias, ao Campo Pequeno. Dada a meia-noite, tudo se preparava para tomar rumo para Arroios, Santa Bárbara e Campo de Sant'Ana, e à ordem do maioral lá iam os toiros na ponta da unha, com o ruidoso acompanhamento de campinos marialvas, povo, carruagens puxadas por velozes parelhas enguizalhadas e sempre na mão de hábeis batedores, que ansiavam obter o troféu da bandeirinha branca que se encontrava na porta do cavaleiro da praça de toiros, que existiu onde se ergue hoje a Escola Médica.

O palácio Galveias, no Campo Pequeno, e o frondoso ulmeiro, à sombra do qual tantas vezes descansaram os toiros lidados no Campo de Sant'Ana.

        Esse costume lisboeta já se apagou há muito, e a propósito damos a palavra a José Pedro do carmo, que, no livro Toiros — Arte Portuguesa, diz o seguinte:

         «Com a demolição da praça do Campo de Sant'Ana acabaram em Lisboa as saudosas esperas de toiros.

        Algumas vezes vieram desenjaulados para o Campo Pequeno os curros destinados a este tauródromo, mas em nada se assemelhava essa condução de gado bravo às que em tempos idos foram as genuínas esperas».

        A praça do Campo de Sant'Ana foi demolida em 1889; a do Campo Pequeno inaugurada em 1892, e já em 1896 o erudito aficionado Manuel Ferreira de Barros se queixava:

        «Que diriam o conde de Vimioso, o marquês de Castelo Melhor e o conde da Anadia e outros, se vissem os toiros enjaulados!

        As guitarras da Severa e de outras figuras chorariam plangentemente a abolição das suas queridas esperas de toiros».

        Com a perda de tal costume, calaram-se as guitarras e as vozes do sentimento e da alegria que predominavam nos centros de animação que eram os retiros que havia desde o Senhor Roubado, passando pelo «Colete Encarnado», até o velhíssimo «João do Grão», casa que existiu perto do local onde foi construído o Instituto Bacteriológico.

        Dessa velharia mantém-se hoje apenas o «Quebra-Bilhas», no Campo Grande, o «Altinho» no Largo do Mitelo, e pouco mais.

        Ainda é principalmente o Ribatejo, com a ardência do espírito da sua gente, que vai resistindo à onda avassaladora que tende ao desaparecimento das festas de características bem nacionais em que figura a espera de gado. Moita do Ribatejo, Vila Franca de Xira — que marca na heráldica com o seu «Colete Encarnado» e correspondente àquele entusiasmo com que Alcochete ostenta o seu «Barrete Verde» e amanhã Santarém erguerá o seu «Pampilho de Oiro».

        Na verdade apreciamos as entradas de toiros, mas sem os exageros deploráveis que não oferecem interesse algum.

        Lisboa transformou-se; é uma sombra do passado. Apagaram-se tradições dum curioso pitoresco.

        E, a propósito, o crítico de Arte e olisipógrafo de grande relevo que foi Nogueira de Brito, queixava-se e com funda razão no prefácio do livro Evocações do Passado de José Pedro do Carmo, publicado há alguns anos:

        «Lisboa foi a pouco e pouco perdendo a sua feição de terra despreocupada, onde havia uma ingenuidade da diversão popular que a recomendava, e até a engrandecia, a olhos de nacionais e estrangeiros.

        E tudo sofreu o embate, a cilindração do progresso, tornando difícil a expansão das camadas populares condenadas a esse arremedo de europeização.

        Subúrbios e até alguns pontos relativamente centrais da Lisboa oitocentista sofreram a derrocada de recantos simpáticos, de usos inofensivos, mas gratos ao povo alfacinha e, como por encanto, a cidade transformou-se.

        O camartelo demolidor arrancou das velhas paredes caiadas os sugestivos registos de azulejos, tão nossos, esventrou desalmadamente trechos de carácter citadino tradicional e, tomando conta de tudo, condenou hortas e locandas, arrasou vergéis e recantos floridos e a própria sombra do arvoredo caseiro foi atirada para longe para que, nas paragens onde ela benèficamente protegia gente pacata ou buliçosa, se erguessem caixotes esburacados de janelas uniformes a fingir da grandeza arquitectural.

        Acabaram os retiros dos arredores que deixaram de o ser, as guitarras, e os seus cantores e essa Arte a valer, que não era incompatível com as horas alegres do povo, arrebicou-se».

        É assim mesmo. E não se pense que a radical transformação, por que Lisboa passou, data de há muito tempo. Não senhores: há uns quarenta anos. Desde então que se está verificando acentuada mutação na fisionomia citadina.

        Os costumes, esses então, vêm sofrendo uma modificação considerável. O povo vivia e divertia-se de outra maneira.

Daqui a muitos anos ainda se falará, com saudade, do Suíço, um dos mais típicos cafés taurinos de Lisboa.

        No desfiar das recordações de longínquos tempos, acode-nos à memória o Café Marrare, que era um centro do marialvismo e gente de teatro, junto do Hotel Francfort de Santa Justa; a cocheira do Espanhol na Rua dos Correeiros, onde eram alugadas montadas a alguns amadores do toireio e aos passeantes da Avenida, do Campo Pequno e do Campo Grande que transitavam pelas portas do Rego que desapareceram, passando, mais tarde, o maior movimento a fazer-se pela Avenida da República¸as damas de tournure; os cavalheiros de sobrecasaca cintada e chapéu alto; a rapaziada de calça apertadinha e madeixas puxadas para a testa; os janotas do Chiado; os batedores das tipóias cujas parelhas feriam lume nas calçadas, esses clássicos veículos que nos inspiraram um capítulo do livro Fado, Mulheres e Toiros; os bailes de máscaras no Salão da Trindade, nos Teatros de D. Amélia, D. Maria, Real Coliseu e no das Portas de Santo Antão, com as suas habituais cenas de pancadaria de que eram protagonistas brigões enciumados; os retiros instalados em pitorescos rincões sitos fora de portas: «Perna de Pau», «Zé dos Pacatos», «Águia Roxa», «Fonte do Loiro», «O Casaca», perto do local onde fica hoje «Montanha», «Tia Iria», «Caliça», e nestas casas era praxe, em quarta-feira de Cinzas, confraternizarem toireiros e artistas de teatro.

        Ali apareciam guitarristas das mais variadas condições sociais, que desferiam notas de cristal nas suas banzas da forma dum coração, para acompanharem, nos seus expressivos fados, o Caixinhas, a Amélia das Laranjas, a Júlia Florista, a Júlia Mendes, a Maria Vitória, etc., que cantavam sem o objectivo de exercerem profissão fadista, mas simplesmente para darem ao ambiente uma feição portuguesa, enternecendo os ouvintes e a si próprios.

        Mais nos fala a lembrança dos verdes anos da mocidade: as toirinhas e as cavalhadas; os cafés cantantes — com o virtuoso da guitarra Luís Petrolino, o mestre do Armandinho — o concerto Chat Noir, da Rua do Alecrim, casas em que a juventude folgazã se divertia na época que antecedeu ao aparecimento dos clubes Maxim's, Magestic, Bristol, Palace, Mayer e outros, e para onde debandaram os frequentadores alegres daqueles cafés que eram sucessores dos antigos botequins; as feiras de Alcântara e Belém, derivadas da outra das Amoreiras e seguidas pela de Agosto na Rotunda, e de Santos, e, modernamente, pela que o diário O Século organiza, há quatro anos, no parque José Maria Eugénio — onde há trinta e tantos anos funcionou o Jardim Zoológico e o velódromo —, a favor da sua notável obra de assistência da Colónia Balnear Infantil.

        No velódromo de Palhavã assistimos a algumas corridas com Belo de Almeida e a outras do memorável campeonato internacional, a que concorreram o nosso José Bento Pessoa, o ás dos ciclistas portugueses desse tempo, e os franceses Jacquelin e Buisson.

        Já que falámos das feiras populares de Lisboa transitemos para o teatro de revista que constituía um prato indispensável e saboroso para o povo que ali buscava horas de distracção. Nesse género de teatro havia escritores da especialidade — autênticos continuadores do Jacobety — o Penha Coutinho, o Baptista Dinis, Celestino da Silva, Lino Ferreira, o Artur Arriegas, nosso inesquecível amigo, que era um poeta romântico — provou-o no seu livro de sonetos Neurasténicos — e que, em certa altura, se dedicou à feitura  de obras de teatro ligeiro e de semanários humorísticos, alguns da sua propriedade, e outros apenas da sua direcção.

        O toireiro Manuel dos Santos também meteu no Teatro Chalet, da feira de Alcântara, a revista «Colhido e volteado» que deu uma boa série de representações; porém, uma das mais gritantes que se representaram nas feiras foi a «Zás, trás, pás».

        Nesse tempo estavam na berra os artistas dessa classe de teatro: Isabel Tainha, Perpétua Viegas, Júlia mendes, Rebocho, Eusébio de Melo, e outros mais.

        As últimas revistas de que nos lembramos nos teatros da feira de Agosto foram: «A Espiga», «Zig-Zag» e «Águas de Bacalhau» e para algumas destas obras compôs música dum popular encanto o devotado amigo, que não olvidamos, o maestro Alves Coelho.

        Na voragem destruidora dos costumes de outras eras, foram-se as tardes em que as famílias iam para a Avenida da Liberdade ver passar as equipagens, cavaleiros e amazonas que à toirada se dirigiam; as festas artísticas dos toireuiros; os bandos anunciadores das corridas que tanta vida emprestavam aos bairros populares; os pregões alegres dos mil vendedores de tanta coisa de que se necessita na casa de cada um; os círios da Atalaia; os bailes campestres; as marchas buliçosas que consecutivamente passavam sob as nossas janelas nas noites dos santos populares; campeonatos dos desportos nacionais que eram o jogo de pau e o chinquilho de tão populares tradições; os grupos dramáticos das sociedades de recreio, de onde saíram tantos actores; o próprio Carnaval com o seu frenético movimento, e o bom gosto na apresentação de carros tirados por belas parelhas e guiados por adniráveis mãos de rédea como eram José Libânio, Ribeiro da Silva, João Barral — o tal que mandou construir uma vitória propositadamente para transportar o Guerrita em dias de corrida de toiros —, o Colares, o João Bregaro, o conde de Fontalva, o Anastácio Fernandes, o Dias Amado, das tisanas, etc.; a dança da luta , com as suas acrobacias executadas por homens da Bica vestidos de gladiadores romanos; as cegadas; os batalhões de Alfama e doutros bairros; e os da estudantada que atravessavam a cidade no meio de geral hilaridade, nas vésperas do Entrudo; os marialvas montados em lindos corcéis seguidos dos mestres de equitação Gagliardi, D. José Manuel da Cunha Meneses, António Correia, Miranda, Chaves e, por último, o José Mota e Carlos Telhado. Tudo foi para as regiões misteriosas do olvido!...

        Já vão longe as temporadas anuais da ópera em S. Carlos; da alta comédia e da boa zarzuela no D. Amélia, depois República e agora Cine S. Luís; de opereta no Trindade e Avenida; dos cavalinhos no Coliseu da Rua da Palma e depois no das Portas de Santo Antão; de farsa no Ginásio; das peças históricas no D. Maria e dos dramas de faca e alguidar, do género grand-guignol, que fazia chorar as pedras da calçada... no Príncipe Real, hoje Apolo, e das revistas baptistinianas no Rato. E com isto também se foram as caricaturas fustigantes dos costumes e da política que saíam do lápis extraordinário de Rafael Bordalo Pinheiro, Celso Hermínio, Leal da Câmara e Jorge Colaço.

        Até desapareceram das ruas desta cidade de mármore e granito esses tipos com quem topávamos constantemente: o rei da madureza, sapateiro e poeta; o José Augusto, dos sermões; as manas Perliquitetes; o Gaspar da Viola; o Anão dos Assobios; o Sr. Daupiás; o Santa Casa está roubada; o Luciano das ratas; o Homem dos abat-jours que apregoava o seu artigo com voz de tenor; a tarinta réis e a pataco... b... a... ra... a... to... o... o! e que pelo saudoso empresário Taveira, da Trindade, foi aproveitado para uma revista de Eduardo Schwalbach; o Tim das flores; o Vertical; o Comboio das onze — que ainda não há muito tempo o vimos, sempre a nove, cosido com as paredes a conversar consigo próprio; o Ravachol, o palrador que estava plantado num estrado, à entrada dos teatros das feiras populares, a chamar gente; o Pálidas Madrugadas; o Oportuno, com o seu bonèzinho de pala e que era um alho para descobrir namoros e oferecer os seus serviços na troca de correspondência dos bem-amados, sim, porque nesse tempo não havia telefones! Os comunicados eram todos feitos à força de missivas perfumadas!

        Também tivemos o Burnay, um boémio incorrigível, muito delgadinho, como os cigarros que chupava, sempre altivo, e espirituoso na conversação; e subia e descia diàriamente o Chiado em busca de amigos e conhecidos a quem pedia emprestada aquela coisa com que se compram os melões, e por tal razão lhe chamavam o Precurador Geral das Coroas! Foi-se o Tremidinho, e hoje temos o Zé Maria, o Cauteleiro fardado, que se expressa em latim como fosse formado nalguma faculdade, o que não é de admirar, dada a quantidade de anos que esteve empregado numa casa de comidas, em Coimbra, muito frequentada pelos estudantes da Universidade. «Hoc opus hic labor est», exclama ele agora para vender as várias fracções de lotaria, o que lhe já vai sendo difícil pelo peso dos anos que lhe está quebrando o desembaraço.

        Os anos passam, a idade derrota a vida, e todos seguem o caminho das malvas — passe o plebeísmo — não há dúvida. Mas o certo e que a esses tipos não se seguiram outros com o mesmo espírito, com aquele pitoresco e originalidade que dão carácter a determinados ambientes.

        Mas apareceu o fado industrializado, à sombra do qual algumas damas se apresentam nos tablados recamadas de jóias, envergando sedas e a cantar sambas, tangos e o «Antonio Vargas Heredia» num flamenco... estilo mascavado!

        O modernismo arrasou o melhor que o passado nos legara.

        Várias vezes ouvimos pela radiotelefonia a transmissão de diversos serões festivos. Pois uma coisa nos produz estranheza: é que as ovações mais calorosas, que afogam as goelas dos difusores, estalam depois de se ter ouvido um swing, um fox... Uma loucura!

        E dizem-nos que isto são expansões da rapaziada e da raparigada que frequentam os bailes. É sintomático. Precisamente à juventude é que se torna necessário dizer que o nosso país possui música linda que não deve ser preterida pela dos sertões!

        O progresso desfez tantos e tão interessantes costumes da nossa terra, mas, em substituição, trouxe-nos os cabeleireiros de senhoras e bares para as acanhadas ruelas da Moiraria e Alfama e outros bairros de gente do povo; as damas pintadas das pontas dos cabelos às unhas dos pés; o êxodo do ambiente familiar, etc. E depois ribomba, constantemente, o trovão da vida cara!

        Por muito tempo que vivamos, sempre se nos apresentará a visão dos quadros típicos do povo da terra lisboeta e as colinas recamadas de casinhas com os seus telhados vermelhos e de roupa branquinha às janelas.

        Não esqueçamos o pitoresco e o ar castiço da velha cidade «cuja graça é Lisboa», ainda não há muito cantada pelo nosso estimado amigo de muitos anos e excelso escritor Bourbon e Meneses, em prosa cristalina tecida com mão de mestre na sua tebaida onde entra o perfume das florinhas que, enamoradamente, cultiva, ali, na vertente do Castelo, mui pertinho da portuguesíssima Rua da Saudade, nossa vizinha há cerca de meio século.

In LISBOA DAS TOIRADAS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa - s.d.

1 DE ABRIL DE 1888 - LISBOA: O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO NA ÚLTIMA CORRIDA DA PRAÇA DO CAMPO DE SANT'ANNA


 

A PRAÇA DE TOIROS DO CAMPO DE SANT'ANNA



A antecessora do actual Campo Pequeno levou um ano a construir e teve meio século de doirada existência

Está provado que a primeira praça de toiros que houve em Lisboa, e de certa duração, foi a da Junqueira, inaugurada a 8 de Julho de 1738, com os cavaleiros duque de Cadaval, marquês de Alegrete, marquês de Távora e Manuel Sampaio de Melo, que toireavam a rojão, auxiliados por quatro «capinhas» ou «toireiros volantes».

Tudo isto foi devido à ideia de se manter os espectáculos de outrora, em que prevaleciam a elegância e o arrojo de titulares, que bem cavalgando, cravavam garrochões no alto do cachaço de bravas e corpulentas reses.

As toiradas da Junqueira eram alternadas com jogos de cavalaria, em especial as canas e alcanzias, todos eles constituindo manifestações de destreza, com formidáveis alardes de equitação, em que os portugueses sempre foram primorosos.

Nas corridas de toiros realizadas na dita praça, na primeira metade do século XVIII, vigorava a usança de o cavaleiro se apear quando era desfeiteado pelo toiro em rude arremetida, para valentemente, em luta arriscada, cravar o estoque ao adversário, que tombava vergado ao ímpeto vigoroso dum esforço.

Dos cavaleiros aristocratas de então havia um que sobrelevava todos: o 3.º duque de Cadaval, que ocupou o lugar de estribeiro-mor da corte de D. João V e foi habilíssimo no toireio a cavalo e também no de pé, que nos terreiros e praças estava alvorecendo.

Na segunda metade do século XVIII, cerca de 1763, foi edificada, no local onde está hoje o Jardim da Estrela, uma praça de toiros, efectuando-se ali corridas com a antiga pompa, e uma se recorda que foi a comemorativa do natalício do príncipe da Beira, o filho de D. Maria I.

Toirearam exímios cavaleiros portugueses; um espada, peões auxiliares (capinhas) e picadores espanhóis; e cooperando também na função robustos moços de forcado, todos rapazes da Borda d'Água.

Noutros brincos de toiros se salientaram o cavaleiro João Gambeta e capinhas espanhóis.

No Campo de Sant'Ana houve, por volta de 1767, uma praça na qual deram nota destacada os cavaleiros António José de Araújo Gramato e José Soares Maduro; e o intervaleiro «Coxo de Benavente».

À roda do ano de 1771 realizaram-se toiradas nos terrenos juntos ao palácio do marquês de Louriçal, cerca do actual Largo da Anunciada, e onde, mais tarde, existiu o Passeio Público que precedeu à parte da entrada da Avenida da Liberdade.

De 1790 a 1830 realizaram-se toiradas na praça do Salitre, que existiu a meio da actual Avenida da Liberdade, defronte da entrada da rua que deu o nome ao circo referido, o qual teve na sua inauguração a presença do príncipe D. João — que mais tarde subiu ao trono sob o título de D. João VI —, da sua comitiva completa e do famoso intendente Pina Manique. No Salitre ficou memorável a actuação dos cavaleiros Gambeta, Sousa Belo, Máximo Veloso e João Grilo, os espadas portugueses Faria, Joaquim Grilo, Roquete, Mendonça, Bacharel, que estoquearam de verdade; e capinhas, os primitivos Calabaças e Cadetes.

A referida praça terminou os seus dias adaptada a espectáculos de teatro e de circo.

No Poço dos Negros, perto do Beco do Carrasco, em 1818, foi levantada também uma praça de toiros, de que era proprietário José Pimentel Bettencourt.

Apeada a referida praça do Campo de Sant'Ana, uma outra foi erguida no local onde está hoje a Escola Médica e que constitui berço artístico de muitas figuras da tauromaquia nacional. Então as corridas tinham doze e treze toiros, alguns mastodônticos, dizem as folhas do tempo. Um documento curioso afirma que nas primeiras fases do Campo de Sant'Ana toireava-se de lenço atado na cabeça e de cigarro na boca, e o neto era alvo de todas as chufas e o mais apupado depois da autoridade. Não havia inteligente e os toireiros sabiam menos, mas trabalhavam mais!...

O traje de luces e a montera, marcando a elegância do lidador de pé, só apareceram no penúltimo quarto do século passado e a ciência taurina progrediu a par do luxo da indumentária.

A histórica praça de toiros, de que ainda hoje tanto se fala, foi aquela que se seguiu à que no mesmo local deixou de existir por volta da primeira década do século XIX. É da segunda praça que nos vamos ocupar, embrenhando-nos nas crónicas da época e servindo-nos também das narrativas a que desde rapaz os nossos ouvidos se habituaram.

Os entusiasmos que se notavam na deficiente praça do Salitre muito concorreram para o nascimento dum tauródromo de construção mais perfeita e dentro das possibilidades de então; e daí a razão por que D. Miguel, que o povo cognominara de «príncipe-toireiro», bastante influiu para que fosse lavrado um decreto autorizando a Real Casa Pia de Lisboa a proceder às obras, revertendo exclusivamente o rendimento da praça para aquele estabelecimento, que procura recursos para a manutenção de órfãos sem aparo que ali têm asilo carinhoso e educação.

A respeito da fundação da última praça de Campo de Sant'Ana, conta-se que, certo dia, D. Miguel determinou dar uma toirada de beneficência, e soube que o empresário da velha praça do Salitre levantava dificuldades e regateava o preço do aluguer.

Mandou chamar o seu amigo Sedvem, cavaleiro célebre, encarregou-o de dirigir a obra de construção imediata de uma praça de toiros, sem olhar a despesas, e fez publicar um decreto que dava à Real Casa Pia o privilégio da receita daquela e doutras praças nalgumas léguas em redor. Ficou o D. José Serrate, explorador do Salitre, encerrado em sérios apuros e o público, contentíssimo com um circo taurino melhor, também gozou com a pirraça feita ao onzeneiro empresário.

Nasceu assim a praça do Campo de Sant'Ana.

A construção durou um ano e na tarde luminosa e quente de 3 de Julho de 1831 realizou-se a corrida da inauguração, com a assistência de D. Miguel e sua irmã, a infanta D. Maria da Assunção, e de tudo que havia de mais representativo na sociedade lisboeta.

Os cavaleiros F. Grilo e Veloso abateram toiros a rojão e nas quadrilhas dos «espadas» Sebastián García e Pedro José Rodriguez figurava o português José Mendonça, ex-aluno da Casa Pia, que um dia abalara para Espanha com o fim de se dedicar à profissão de toireiro, no que adquiriu certa fama.

Houve toiros lidados a pé, por bandarilheiros portugueses, entre eles António Roberto, Joaquim Grilo, Roquete e Bacharel, e o grupo de forcados compunha-se de dez elementos. Intervieram no espectáculo quatro intervaleiros pretos, cães de fila largados aos toiros mansos, e também se verificaram os duelos a que a arte sujeitava os cavaleiros quando o seu trabalho corria irregularmente.

Esse acontecimento marcou o início de capítulos brilhantes da tauromaquia nacional com os seus episódios de heroísmo, arte e deslumbramento, em que os nomes do conde de Vimioso e D. João de Meneses aparecem como legítimos herdeiros daquelas virtudes destacadas do marquês de Marialva, o estribeiro-mor do rei D. José I.

Seguiram-se outros fidalgos no cultivo da nobre arte do toireio equestre, que luziram em corridas de gala, para as quais a praça do Campo de Sant'Ana era decorada com panos de veludo e damasco, guarnecidos de franjas de oiro reluzente. Havia riqueza na decoração e gosto e elegância na indumentária dos cavaleiros e dos toireiros de pé, alguns deles também aristocratas.

O mundanismo fazia ali centro de reunião, para aplaudir a fina flor do amadorismo.

A magnificência subiu a alto grau por ocasião das corridas efectuadas quando do casamento de D. Luís I e da visita do rei de Espanha, Afonso Xii, em 1882, sendo a segunda promovida pelo conde de Fontalva, que nela toireou a cavalo, com Carlos Relvas e D. António de Portugal, da família Vimioso.


Durante os cinquenta anos de vida que teve a praça do Campo de Sant'Ana, no seu redondel desfilaram ganadarias de fama, como foram as de D. Rafael José da Cunha, Dr. Máximo Falcão, Roquete, conde de Sobral, Emílio Infante (pai), Dr. Laranja, D. Caetano de Bragança, Palha Blanco, Estêvão de Oliveira, etc.

A antiga praça do Campo de Sant'Anna, em Lisboa.
Foto: Arquivo da CML

Enriqueceram também os pergaminhos da história daquela praça (durante os seus 50 anos de vida), entre tantos nomes prestigiosos, os seguintes cavaleiros: Mourisca, marqueses de Belas e Castelo Melhor, Galveias, Batalha, D. Luís do Rego, Tinoco, os Monteiros, José Bento (de Araújo), Manuel Casimiro e Fernando de Oliveira, havendo os dois últimos ali tido auspiciosa estreia; os espadas: Cuchares, Frascuelo, Lagartijo, Fernando Gomez Gallo —  o pai do genial Rafael e do inesquecível Joselito —, Cara Ancha, Pescadero, Mazzantini, Punteret, que trouxe na sua quadrilha o bandarilheiro Filipe Aragô Minuto que ficou por cá alguns anos e foi encontrar a morte numa corrida na praça da Covilhã.

(...)

Mais elementos que muito se celebrizaram na velha praça: os três irmãos Pina Manique, os Caldeiras, Botas, os Robertos, José Cadete, os Peixinhos, Sancho, Calabaça, Caixinhas, Pontes, Poeira; os forcados Galache, Rafoa, Silva Lisboa, etc.

O cavaleiro José Bento de Araújo a actuar mais tarde na praça do Campo Pequeno, em Lisboa.
Foto: Arquivo da CML

Como não cabe aqui a história completa do toireio desse tempo, a lista não é mais extensa.

Antes, porém, de terminar estas linhas de evocação, salientemos as festas artísticas que eram espectáculos deslumbrantes; a banda dos cegos da Casa Pia que abrilhantava as corridas; as esperas de gado em buliçosas madrugadas; os bandos anunciadores das corridas, que eram cortejos garridos que atravessavam a cidade de lés a lés; a aura de que desfrutava o festejado dramaturgo e cronista taurino Salvador Marques que possuía o célebre semanário O Toireiro, que já em 1876 se queixava dos «toiros pequenos, raquíticos e linfáticos que comprovavam a decadência das raças!...»; a velocidade de seta dos azougados andarilhos Jorge Cadete e Manuel dos Santos, que mais tarde foram populares toireiros; os balões do capitão Martinez e de Mr. Bitard, que, saindo do Campo de Sant'Ana, caíram em vários pontos da cidade e arredores.

O espanhol pousou numa água-furtada cerca da Mouraria e enfiou pela janela que mais perto encontrou.

As locatárias, umas pobres velhotas, vendo entrar aquela avantesma vestida de encarnado, julgaram ter na frente o diabo!... Não ganharam para o susto!

(...)

Em 1878 terminou o velho hábito de as cortesias serem repetidas no final das corridas.

O primeiro espectáculo nocturno realizou-se em 1880 e, para isso, foi construído um dispositivo semelhante a um aracnídeo, de cujas pernas saíam bicos de gás. O povo ainda hoje chama «aranha» à instalação eléctrica que ilumina a arena do Campo Pequeno e tem o valor duma grande jóia cravejada de pedras preciosas... conforme se rumoreja.

Bilheteira da nova praça do Campo Pequeno, em Lisboa.
Foto: Arquivo da CML

Os últimos empresários daquela praça foram Alegria, Vitorino Marques — que também dirigia as corridas —  e Costa Guerra, homens inteirados no complicadíssimo mister de organizadores de espectáculos, sujeitos à mais rigorosa crítica, particularmente dos que nada perdoam.

A última corrida no Campo de Sant'Ana foi realizada sob a vigência da empresa Guerra & C.ª, que tinha como elementos principal o velho e competente Costa Guerra, o mais espanhol dos aficionados portugueses — assim o classificou Joaquim Sette que na Vida Ribatejana forneceu também esta pormenorizada notícia:

«A aura de pompa e de felicidade adejava sobre os seus propósitos; as temporadas foram das mais belas para a conquista de prosélitos.

Esse empresário proporcionou ao público os melhores carteles que se fixaram nos umbrais daquele circo. Tardes de emoção comunicativa avasslavam as massas.

Riscos iminentes atraíam a sentimentalidade. E as filigranas, prodígio de um estilo celso, arvoravam em ídolos os toireiros audazes. Mas... como o que é bom dura pouco, após quatro anos de exploração, Costa Guerra fazia anunciar para 27 de Novembro de 1887 a despedida da Empresa. Data que a chuva  fez transferir para 4 de Dezembro, e que pelo dito motivo só se efectuou em terça-feira, 6.

Apesar da época, a corrida, que começou às 2 ½ da tarde, foi magnífica. O curro, de Roberto & Irmão, saiu nobre e voluntário, tendo havido toiros bravíssimos, que pareciam ter tido a noção do festival.

Foram lidados a primor pelo saudoso grupo de artistas que trabalhou com o seguinte detalhe:

1.º para Casimiro Monteiro; 2.º para irmãos Robertos; 3.º para José e Rafael Peixinho; 4.º para José Bento (de Araújo); 5.º para Sancho e João Roberto; 6.º para João Calabaça e Minuto; Intervalo. 7.º para A. Tinoco; 8.º para irmãos Robertos; 9.º para José Peixinho e Minuto; 10.º para D. Luís do Rego; 11.º para João Roberto e José da Costa; 12.º para Calabaça e Rafael.


A apraça do Campo de Sant'Anna foi demolida em 1889.
Foto: Arquivo da CML

Tudo se organizou para a inauguração ser em Domingo de Páscoa, 1 de Abril de 1888; mas a vistoria dos peritos, ordenada a todas as casas de espectáculo, em virtude da catástrofe do teatro portuense Baquet, condenando o edifício, fez ficar nula toda a organização.

Eis porque a toirada de despedida da empresa Guerra & C.ª foi a derradeira no tauródromo das melhores tradições taurinas de Portugal».

In LISBOA DAS TOIRADAS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, s.d. (provavelmente nos anos 40).


NOTA: A praça do Campo de Sant'Ana foi demolida em 1889. A do Campo Pequeno foi inaugurada em 1892.

O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO - OUTRO RETRATO


 



José Bento de Araújo
Foto: © Arquivo Rui Araújo

José Bento de Araújo — Nasceu na freguesia da Ajuda, em Lisboa, em 1852 (NOTA: a data correcta é 18 de Setembro de 1851), estreando-se na praça da Junqueira em 1874, numa corrida de vacas, tornando-se logo notável. Mais tarde tomou parte numa corrida em Sacavém, apresentando-se depois na extinta praça do Campo de Sant’Ana, toireando sempre com geral agrado, ao lado de Manuel Mourisca, José Monteiro e António Monteiro. Correu depois todas as praças das províncias, onde era recebido com aplausos por todo o público, e dia a dia alcançava os mais assinalados triunfos da sua carreira gloriosa de artista.

Extinta a praça do Campo de Sant’Ana, José Bento (de Araújo) ainda se conservou entre nós muito tempo e mais tarde partiu para o estrangeiro, toireando em Paris, Nimes, Avignon, Marselha e outras praças, obtendo ali mais êxitos e a estima e consideração dos franceses. Os jornais daquele país teceram-lhe os maiores elogios, considerando-o um dos toireiros mais valentes e notáveis da tauromaquia portuguesa.

Depois de dois anos de ausência voltou no ano de 1893 à sua Pátria, sendo acolhido com o maior entusiasmo, como se viu na primeira corrida a que assistiu no Campo Pequeno, em que foi aclamado por todo o público.

Trabalhou em diversas praças espanholas, inclusive nas de Madrid e San Sebastian, matando numa corrida um toiro a rojão.

Nas sortes de gaiola, que fazia com todo o brilhantismo, era exímio, como o demonstrou nas corridas em que toireou na praça do Campo Pequeno. Bom pulso e consentindo muito os toiros, o seu trabalho era sempre o mais correcto e luzido possível e raramente se via um ferro, colocado pelo aplaudido cavaleiro, que não ficasse no seu lugar. Dotado de uma coragem que ia além dos limites da vulgaridade, para ele não havia toiros que se não pudessem lidar. Fazia-lhe tanta diferença ter de toirear um toiro puro como um com oito ou nove praças. Para ele era a mesma coisa.

Fossem corridos ou puros os toiros que tinha pela frente, as farpas eram-lhes metidas até onde custavam dinheiro!...

Nas suas atitudes perante qualquer problema de carácter colectivo também era enérgico e desassombrado.

Quando da célebre greve dos cavaleiros que passaram para a praça de Algés, José Bento (de Araújo) foi um dos principais promotores do movimento e tudo por causa do aumento de 10$000 réis por corrida que eles reclamavam. Nesse tempo os cavaleiros venciam 125$000 réis. O assunto depois resolveu-se e todos voltaram ao Campo Pequeno.

Ainda há quem, como nós, se lembre das festas artísticas do referido cavaleiro que chegou a trazer os saltadores landeses que «voavam» por cima dos toiros; o célebre D. Tancredo Lopez Don Tancredo — o autêntico; e os lutadores do Coliseu, destacando-se um francês que conseguiu fazer uma pega de cara e ficou ferido na cabeça, saindo, portanto, vencedor aos pontos… naturais!

Também fez estrear nas praças de toiros Madame Mayestrick.

José Bento (de Araújo) foi um cavaleiro muito popular e, pelo seu feitio alegre, o escritor e cronista taurino portuense Guedes de Oliveira admirava-o bastante, afirmando a tal respeito que corrida sem Zé Bento (de Araújo) tinha aspecto de drama!...


Henrique António Guedes de Oliveira (1865 - 1932).
Arquivo do Município de Gondomar

Foi sete vezes ao Brasil, onde agradou bastante, chegando a levar daqui alguns curros de toiros e, para isso, alugou, uma das vezes, uns cerrados, onde conservava os animais. Um amigo, em certa ocasião, deu-lhe a guardar uma bezerra e, tempos depois, foi por ela, mas recebeu a surpresa de não a encontrar.

E quando perguntou pela bezerra a José Bento (de Araújo), este, imperturbável, respondeu: 

«Comemose-a»!

Mais tarde a bezerra apareceu e o caso não passou de uma brincadeira do divertido artista.

No Cartaxo, numa corrida da feira dos Santos, sofreu uma violentíssima colhida e em resultado da mesma, os médicos queriam amputar-lhe uma perna, o que ele, deliberadamente, não consentiu. E assim evitou de ser convertido num manco!

Quando José Bento (de Araújo) esteve em Nimes, e para documentar o sucesso que obteve em França, o periódico tauromáquico local Le Picador, de 28 de Maio de 1893, publicou uma poesia dedicada ao aplaudido cavaleiro que terminava desta forma:

«Tu es l’enfant gâté des spectateurs nimois,

Redouble donc d’ardeur, car pour eux, tu le vois,

Il faut non seulement planter tes javelines

Mais leur montrer aussi ce que chacun devine:

Le goût parfait de l’art, qui fait seul leur régal,

Pour que tu puisses d’eux parler en Portugal»


O cavaleiro José Bento de Araújo por terras de França.
Arquivo Bibliothèque Nationale de France (BNF), Paris

Toireou até aos sessenta e tantos anos e a última corrida foi na vila de Cascais, em que ao cair do cavalo, por efeito dumas tonturas e depois de o seu grande amigo e peão Manuel dos Santos lhe fazer o quite, exclamou:

Não quero mais. Vi dois toiros em vez de um!

Temos presente o seguinte episódio: no começo duma corrida no Campo Pequeno, saíu José Casimiro para receber o ferro das mãos do matador.

Entretanto surgiu um velho de boa figura, calvo, a pedir ao artista espanhol que o deixasse fazer a entrega. Assim sucedeu e não sem a surpresa do matador perante um acto para ele tão misterioso. O velho, ainda com a figura desempenada, era José Bento (de Araújo) que depois de colocar a farpa na mão do cavaleiro se voltou para o público e o saudou, levantando os dois braços e retirando-se cabisbaixo, a chorar. Era a verdadeira e angustiosa despedida de José Bento (de Araújo), o que para muitas pessoas passou despercebido.

Faleceu em Lisboa no dia 2 de Setembro de 1924.

No alto da frontaria dum prédio, ao fundo da Rua da Sociedade Farmacêutica, está um painel de azulejos de grandes dimensões em que se encontra reproduzida a máscula figura de José Bento de Araújo, fardado, montando um soberbo cavalo de cortesias.


A frontaria descrita por Pepe Luis está, hoje, neste estado. O prédio pertencia à família Araújo.
Foto: Família de José Bento de Araújo

Esse trabalho artístico constitui uma expressiva recordação daquele que foi popularíssimo toireiro e que possuia tanta valentia como espírito e bondade.

In LISBOA DAS TOIRADAS, Pepe Luis, Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, s.d. (provavelmente nos anos 40).

O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO - UM RETRATO



ARAUJO (José Bento de). Cavaleiro tauromáquico, profissional. Nasceu em Lisboa, no bairro de Alcântara, em 18 de Setembro de 1851, e faleceu na mesma cidade, em 2 de Setembro de 1924. Foi dos mais valentes do seu tempo, e famoso pelas anecdotas castiças que se lhe atribuem. Toureou em tôdas as praças do país, no Brasil e em França, amealhando o bastante para montar em Lisboa cocheiras com luxuosos trens de aluguer.

In GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA, Volume III, Editorial Enciclopédia Limitada, Lisboa - Rio de Janeiro - 1936

NOTA: O cavaleiro José Bento de Araújo toureou em praças de Portugal, França (Paris, Nîmes, Marselha, Montpellier, Arles, Avignon, Mont-de-Marsan, etc,), Brasil (Rio de Janeiro, etc,), Espanha (Madrid, Caudete, Barcelona, San Sebastián, Santander, etc.).

18 DE AGOSTO DE 1892 - LISBOA: INAUGURAÇÃO DA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO


 

Biblioteca nacional de España

NUEVA PLAZA

El 18 del mes anterior, se inauguró en Lisboa la nova Praça de touros do Campo Pequeno, que ha venido á sustituir á la derruida del campo de Santa Ana, y que ntado con arreglo al proyecto del arquitecto portugués, Antonio José Dias da Silva. Tiene la forma cilíndrica, base circular, de estilo árabe, aspecto monumental y ocupa un área de 5 840 metros cuadrados, presentando en el sitio correspondiente á los cuatro puntos cardinales, otros tantos torreones esbeltos y espaciosos, con destino especial cada uno de ellos. En el que forma la fachada principal, está la entrada para la tribuna regia, á la que precede un salón de 48 metros cuadrados que comunica con un mirador á 30 metros de altura, desde el que se sorprende un magnífico panorama de la ciudad y el Tajo.

El círculo exterior del edificio mide 80 metros de diámetro por 18 de alzada; en su construcción se han tenido presentes los soberbios circos españoles de Madrid y Valencia; está emplazada á poca menor distancia que la de la capital de España del centro de la población, y hace una cabida de 11.100 espectadores.

Además de la tribuna real, cuenta con 20 palcos grandes de 1,80 metros de frente e cuarenta y seis pequeños de 1,20, siendo los primeros divisibles. Los tendidos de sol y sombra son 14, divididos en filas, numeradas las dos primeras, que corresponden á la barrera y contrabarrera de las plazas españolas. El redondel, comprendiendo la barrera, tiene un radio de 20,35 metros, y los huecos de la fachada se elevan al número de 420.

Del resto de las dependencias, dotadas todas de suficiente amplitud y desahogo, se distinguen la enfermería, con 60 metros cuadrados y salida directa al exterior; una caballeriza con 160 metros también cuadrados y algunos patios cubiertos para el servicio y abrigo de los caballos de los rejoneadores.

El conjunto de la nueva plaza es artístico y grandioso; su edificación sólida y esbelta y el monumento, en fin, honra á sus artífices y á la bella capital portuguesa, que con él se ha engalanado recientemente.

In LA LIDIA, Madrid - 26 de Setembro de 1892

20 DE JULHO DE 1891 - PARIS: AS SENHORAS TOUREIRAS E ACESSORIAMENTE O CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO...



Biblioteca nacional de España

Notas sueltas.

Se dan caballeras en Plaza.

Por fin debutó en París hace dos corridas la anunciada Mlle. Gentis. La artista no se prodigó gran cosa en su estreno, saliendo del paso con un solo rejoncillo, sin duda por aquello de que para muestra basta un botón.

Después de esta amazona, aparecerá en el Coso con el mismo carácter, otra mocita de diez y seis años, marsellesa, llamada Mlle. Camila Emery, que abandona igualmente la alta escuela por el toreo á caballo.


Y agregando á dichas artistas á Clotilde Maestrich, que toma parte hace tiempo en las fiestas taurinas de Portugal, existe ya una trinidad de demoiselles, capaz de sacar de apuros, en un momento determinado, á una Empresa como la de Madrid, por ejemplo.

¿Qué aficionado galante dejaría de asistir á admirar la agilidad y las hechuras de las nuevas lidíadoras?

Maestrich, Gentis y Emery

son las tres mozas hasta allí,

que abren al arte taurino

un agradable camino

con sus aficiones. ¡Oui!

In LA LIDIA, Madrid - 20 de Julho de 1891

28 DE MAIO DE 1893 – NÎMES: EXERCÍCIO PERIGOSO A CAVALO...

 

Bibliothèque nationale de France

À la corrida du 28 mai (José) Bento d’Araujo, le vaillant et élégant caballero en plaza, se propose de piquer une paire de banderilles dites de Palmas, de la longueur de dix centimètres environ.


Pour arriver à exécuter ce périlleux et difficile exercice, il est obligé d’entraîner son cheval chaque jour, le cheval risquant d’être sacrifié par un faux mouvement. Le cavalier est obligé de laisser approcher le toro jusqu’à la hauteur des épaules du coursier et là, penché entre les cornes pour atteindre le garo, il pique.

Nos nombreux sportmens et nos aficionados sauront apprécier, comme il le mérite, ce beau travail d’homme de courage et de parfait écuyer.


In LA MISE À MORT, Nîmes – 20 a 27 de Maio de 1893

7 DE MAIO DE 1893 – NÎMES: CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO ENTUSIASMA O PÚBLICO


 

Bibliothèque nationale de France

PLAZA DE NIMES

DEUXIÈME COURSE D’ABONNEMENT – 7 MAI 1893

La deuxième corrida favorisée par un temps splendide a été excellente.

Les toros de Hernan de belle performance et de poids ont été supérieurs, ceux de Banuelos, plus petits mais bien pris, n’ont pas eu la même vigueur.

1º — Est reçu à sa sortie par quelques passes de Gonzalitto et de Pepe-Hillo. Luis Leal lui place une bonne paire de banderilles cuarteando, un peu à droite. Gonzalitto deux demi-paires aprovechando. Cayetano après quelques bonnes passes de muleta, termine par une magistrale estocade à volapié.


2º — Le brillant caballero en plaza José Bento d’Araujo, le favori des nimois, pique avec sa maéstria habituelle 2 rejons, dont la barbelure du fer insuffisante ne permet pas l’adhérence, 4 banderilles parfaites intercalant entre elles quelques recortes très appréciés des aficionados. Les deux dernières banderilles, une en las tablas (contre la barrière) l’autre al sesgo (à toutes jambes), ont soulevé l’enthousiasme du public.

Aprés avoir été désemboulé, ce toro est reçu par Pepe-Hillo avec 4 véroniques, 2 diverses e 1 passe de farol, très applaudies. Benito, après une salida falsa, lui cloue une demie paire. Méry une paire à la demi-vuelta, et Leal une bonne paire légèrement cuarteando. Pepe-Hillo lui donne une bonne estocade, un peu à droite après 14 passes avec la gauche.

3º — Prend 4 piques d’el Rubio et 2 de Baulero qu’il renverse. Cayetano très bien aux quites et dans les largas pour amener le toro au couloir ménagé pour enlever les caoutchoucs. Par suite du peu d’entente des employés chargés de ce service et malgré le travail de Gonzalitto, ce toro ne peut-être désemboulé.

Ils reçoit 3 paires de banderilles et deux demies, dont une de Gonzalitto, al quiebro très bonne.

Cayetano après 4 passes avec la gauche et 3 avec la droite, en finit par une estocade à volapié.

4º — Ce toro mou et fuyard est arrêté, malgré ses ruades, par quelques passes de cape très opportunes de Pepe-Hillo, il reçoit 4 demi-paires diverses de Luiz et Eduardo Leal et une autre bonne paire du premier.

Avec 11 passes, dont 9 avec la gauche et 2 avec la droite Cayetano donne à ce toro, qui avait choisi sa querencia près la barriére, une estocade mauvaise et pose mal son plumero.


5º — Destiné au caballero en plaza, a les cornes très ouvertes et est mou. (José) Bento (de Araújo) toujours vaillant pique, malgré les mauvaises qualités du toro qui se garde, 5 banderilles bonnes, mais un peu en avant, et après une salida falsa pique une paire vraiment supérieure qui est très applaudie par les spectateurs.

Quelques bonnes passes de Benito, rendent ce toro quedado. Méry lui place une paire moyenne. Luiz deux demi-paires mauvaises et Méry une demie semblable. Pepe-Hillo termine par une estocade un peu basse après 7 passes de muleta avec la gauche.

6º — Ce toro très puissant a les cornes ouvertes, il reçoit une bonne vara de Baulero, une d’el Rubio, pour une chute, qui permet à Cayetano de se montrer torero parfait dans les quites. Deux bons coups à pique longue et courte de chacun des picadores qui sont soulevés et doivent rentrer au toril, une corne ayant perforé le caoutchouc.

Gonzalitto après deux salidas falsas pose à ce toro qui a conservé toutes ses facultés, deux paires al sesgo bonnes et une demi-paire moyenne. Benito une bonne et une mauvaise paire.

Pepe-Hillo le passe supérieurement de muleta et signale une si bonne estocade, que le public applaudit frénétiquement.

RÉSUMÉ

Les toros. — Le 1er et le 2e bons, le 4e et le 5e mous, le 3e et le 6e supérieurs.

Pepe-Hillo s’est surpassé, torero intelligent et vaillant, plein d’à-propos et de sang froid dans les quites, régulier dans ses passes de cape et de muleta, il s’est montré matador consommé dans ses estocades.

Les banderilleros. — Travailleurs. Gonzalitto surtout, par son activité, sa supériorité aux banderilles et quelques bonnes passes de manteau a su se faire applaudir.

Les Picadores. — Bons, les bravos enthousiastes du public ont récompensé El Rubio et Baulero.

La présidence bonne, les services intérieurs, comme celui du cabestro déplorables.

En somme très belle course et comme les aficionados souhaitent d’en voir beaucoup.

In LA MISE À MORT, Nîmes – 13 a 20 de Maio de 1893

27 DE JULHO DE 1890 – PORTO: CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO PROMOVE UMA TOURADA DEDICADA AOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DA CIDADE

 

Biblioteca nacional de Portugal

Domingo proximo realisa-se no Porto uma tourada promovida pelo cavalleiro José Bento d’Araujo, na qual tomam parte os cavalleiros José Maria Fiuza, Luis Mexia, Luis Vellez e Jose Esteves Barahona.

São bandarilheiros os afamados Robertos, Joseito, Sancho, e outros.

A tourada é dedicada aos bombeiros voluntarios d’aquella cidade, que preparam uma manifestação ao seu promotor.


In DIARIO ILLUSTRADO, Lisboa – 24 de Julho de 1890