TAUROMACHIA
Tercia corrida
Com menos de meia casa, fraca em todos os sectores, houve no
domingo no redondel do Rocio, a terceira tourada da empreza. Á hora competente,
presente a auctoridade, e no logar da inteligencia o sr. Antonio da Costa, de
profissão marnoto, mas antigo artista tauromachico nas horas vagas, começou a
função, sahindo á arena o lusido cortejo dos peões nos seus trages reluzentes, de prata e ouro, e atraz o destemido
e alegre cavalleiro José Bento d'Araujo, montando um soberbo cavallo castanho
escuro, rico e lindamente ajaezado, em que fez magistralmente as cortezias, ao
som do hymno do estylo, sendo muito applaudido.
Mudando de montada voltou ao circo á espera do primeiro
touro, que era preto e partiu bem, aproveitando-lhe uma boa gaiola. Ainda lhe meteu mais ferragem a
contento do publico, que n'uma chamada o festejou calorosamente.
Sahiu o 2.º, tambem preto e bravo, em que Manuel dos Santos fez a gaiola, e pregou mais algumas bandarilhas bem, fazendo um lindo passe de capote de joelhos; Thomaz da Rocha salientou-se por bonitos pares com que enfeitou o inimigo, tendo ambos uma ovação. Péga boa.
O 3.º ribatejano era de côr negra, mas muito mansôrro, e por
isso os bandarilheiros secundarios, Thadeu e Arthur Felix, pouco poderam fazer.
4.º touro, preto, taludo e sabido, que Manuel dos Santos
mimoseou com meio par á gaiola. Um
par por elle offerecido ao publico foi bom, assim como a ajuda do companheiro
Pinheiro, recebendo palmas.
Depois do competente intervallo, tornou á pista o arrojado
José Bento (de Araújo), a quem coube o 5.º chavelhudo, negro e bem feito, que
era rebelde ao castigo, mas o cavalleiro mostrou os seus recursos, metendo-lhe
alguns ferros superiores, como foi o que offereceu a todo o publico, recebendo
uma quente ovação.
Do touril rompeu o 6.º bicho da manada, que vinha com subscripto para o sympathico Thomaz da Rocha, um artista muito correcto, que conquistou por completo o publico, e que bandarilhou o seu adversário com lindos pares, sendo coadjuvado pelo collega Thadeu, rapaz sympathico tambem, que pouco fez. Manuel dos Santos passou-o bem de capote, tendo depois uma boa pega de cara pelo forcado Cadão, recebendo depois todos justos applausos.
7.º touro, amarello-torrado, já conhecido, e por isso rebelde
á lide, e de muito pé, mas apesar d'isso recebeu dos toureiros varios mimos
ferrados, e variados passes de capa, tendo uma valente pega de cara pelo
forcado Anselmo Cazimiro.
O oitavo e ultimo animal que devia funccionar, era um
malfadado touro que se tinha dado mal com a mudança d'ares, e estava em tal
estado de magreza, que não podia marrar, e por isso os profissionaes o deixaram
em paz, mas os furiosos
tumultuariamente invadiram a praça e foram atacal-o, havendo ainda alguns
boléos.
Esquecia nos mencionar que Manuel dos Santos logo no primeiro
touro, por um descuido, apanhou na trincheira um pinhão d'estalo, motivo talvez porque não fez a figura que havia a
esperar.
A festa taurina foi abrilhantada com a excellente musica de
Vagos, que festejava o remate das sortes com os primeiros compassos da
revolucionaria Marselheza, e tocava alternadamente a fanfarra da secção Baroosa
de Magalhães do Asylo-escola districtal, agradando ambas muito.
Emfim, a tourada, pelo que fica dito, se não foi superior ás
demais, não ficou inferior, e de fóra veio bastante e boa gente, animando a
cidade.
*
Em vista da falta de concorrencia que se tem notado nas
touradas, aliás realisadas com elementos artisticos de primeira ordem, dadas
pelo arrojado emprezario, o sr. Domingos João dos Reis, e que lhe teem
acarretado grandes despezas, desgostos e prejuizos, resolveu não dar mais
touradas por sua conta, deixando já de realisar a que tinha combinado e
annunciado para o proximo dia 2 d'agosto.
In CAMPEÃO DAS PROVINCIAS, Aveiro – 22 de Julho de 1908