19 DE JULHO DE 1908 - CARTEL DE LUXO NA PRAÇA DE TOUROS DE AVEIRO

 

TAUROMACHIA

Tercia corrida

Biblioteca nacional de Portugal

Com menos de meia casa, fraca em todos os sectores, houve no domingo no redondel do Rocio, a terceira tourada da empreza. Á hora competente, presente a auctoridade, e no logar da inteligencia o sr. Antonio da Costa, de profissão marnoto, mas antigo artista tauromachico nas horas vagas, começou a função, sahindo á arena o lusido cortejo dos peões nos seus trages reluzentes, de prata e ouro, e atraz o destemido e alegre cavalleiro José Bento d'Araujo, montando um soberbo cavallo castanho escuro, rico e lindamente ajaezado, em que fez magistralmente as cortezias, ao som do hymno do estylo, sendo muito applaudido.

Mudando de montada voltou ao circo á espera do primeiro touro, que era preto e partiu bem, aproveitando-lhe uma boa gaiola. Ainda lhe meteu mais ferragem a contento do publico, que n'uma chamada o festejou calorosamente.

Sahiu o 2.º, tambem preto e bravo, em que Manuel dos Santos fez a gaiola, e pregou mais algumas bandarilhas bem, fazendo um lindo passe de capote de joelhos; Thomaz da Rocha salientou-se por bonitos pares com que enfeitou o inimigo, tendo ambos uma ovação. Péga boa.

 


O 3.º ribatejano era de côr negra, mas muito mansôrro, e por isso os bandarilheiros secundarios, Thadeu e Arthur Felix, pouco poderam fazer.

4.º touro, preto, taludo e sabido, que Manuel dos Santos mimoseou com meio par á gaiola. Um par por elle offerecido ao publico foi bom, assim como a ajuda do companheiro Pinheiro, recebendo palmas.

Depois do competente intervallo, tornou á pista o arrojado José Bento (de Araújo), a quem coube o 5.º chavelhudo, negro e bem feito, que era rebelde ao castigo, mas o cavalleiro mostrou os seus recursos, metendo-lhe alguns ferros superiores, como foi o que offereceu a todo o publico, recebendo uma quente ovação.


Do touril rompeu o 6.º bicho da manada, que vinha com subscripto para o sympathico Thomaz da Rocha, um artista muito correcto, que conquistou por completo o publico, e que bandarilhou o seu adversário com lindos pares, sendo coadjuvado pelo collega Thadeu, rapaz sympathico tambem, que pouco fez. Manuel dos Santos passou-o bem de capote, tendo depois uma boa pega de cara pelo forcado Cadão, recebendo depois todos justos applausos.

7.º touro, amarello-torrado, já conhecido, e por isso rebelde á lide, e de muito pé, mas apesar d'isso recebeu dos toureiros varios mimos ferrados, e variados passes de capa, tendo uma valente pega de cara pelo forcado Anselmo Cazimiro.

O oitavo e ultimo animal que devia funccionar, era um malfadado touro que se tinha dado mal com a mudança d'ares, e estava em tal estado de magreza, que não podia marrar, e por isso os profissionaes o deixaram em paz, mas os furiosos tumultuariamente invadiram a praça e foram atacal-o, havendo ainda alguns boléos.

Esquecia nos mencionar que Manuel dos Santos logo no primeiro touro, por um descuido, apanhou na trincheira um pinhão d'estalo, motivo talvez porque não fez a figura que havia a esperar.

A festa taurina foi abrilhantada com a excellente musica de Vagos, que festejava o remate das sortes com os primeiros compassos da revolucionaria Marselheza, e tocava alternadamente a fanfarra da secção Baroosa de Magalhães do Asylo-escola districtal, agradando ambas muito.

Emfim, a tourada, pelo que fica dito, se não foi superior ás demais, não ficou inferior, e de fóra veio bastante e boa gente, animando a cidade.

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Em vista da falta de concorrencia que se tem notado nas touradas, aliás realisadas com elementos artisticos de primeira ordem, dadas pelo arrojado emprezario, o sr. Domingos João dos Reis, e que lhe teem acarretado grandes despezas, desgostos e prejuizos, resolveu não dar mais touradas por sua conta, deixando já de realisar a que tinha combinado e annunciado para o proximo dia 2 d'agosto.

In CAMPEÃO DAS PROVINCIAS, Aveiro – 22 de Julho de 1908