6 DE ABRIL DE 1903 - LISBOA: PRAÇA DO CAMPO PEQUENO - CORRIDA EXTRAORDINÁRIA



A tourada á antiga portugueza

Á hora a que entramos na praça, 1 da tarde, já uma parte do sol está ocupado por espectadores e, caso extraordinario, na sombra, logares numerados, já se vêm (sic) senhoras..
Alguns camarotes encontram-se egualmente ocupados.

Na praça trabalha-se activamente; ultimam-se as decorações, especialmente a da tribuna real, que faz já prever um admirável effeito, pelo seu lindo aspecto decorativo.

A pista apresenta, como novidade em praças portuguezas, uma orla de arabescos a vermelho, branco e azul.

No touril, as grades foram cobertas por uma draperie de purpura, franjada a amarello.

Os camarotes de sombra estão guarnecidos de preciosas colchas de damasco de côres diversas, presas com cavilhas de metal amarello, alternando com cobrejões alemtejanos listrados de côres gritantes e cada um com pittorescos bouquets de flores.

Nos camarotes de sol, a decoração é toda a colchas de setim.

A guarnição do gradeamento dos fauteuils é de velludo grénat, com franjas da mesma côr.

Á volta de toda a praça pendem festões de verdura e rosas.


A tribuna real parece ser o foco de todo o effeito decorativo e, na verdade, é de um aspecto soberbo. Externamente, guarnecem-n’a magnificos panos de velludo purpura, onde destaca, n’uma elegante simplicidade, uma meia lua de rosas de vivo colorido, e ramos frescos de lilazes, arbustos floridos saem aos lados, sobre o fundo azul e branco dos cortinados de seda.

Interiormente de bom gosto tambem o modo como foi adornada a tribuna. As paredes são forradas de panejamentos de tom azul claro com applicações em relevo de escudetes portuguezes e flores de liz douradas. O pavimento esta alcatifado em ramagens vermelhas e o docel com pannos de setim de cores nacionaes.

A escada que da accesso á tribuna real esta egualmente ornamentada com gosto, brilhando magnificos vasos com arbustos em todos os degraus e aos cantos dos patamares, palmeiras e fetos, e poltronas de seda amarella.

Na sala que antecede, a mobilia é antiga, estofada a damasco. Sobre uma das mesas, 4 binoculos de corrida.

Eis como outro jornal descreve a corrida.

O 1º touro foi manso; o 2º nobre e cumpriu; o 3º e o 4º mansos; o 5º cumpriu; o 6º saiu o mais bravo de todos; o 7º, 8º e 9º foram maus; e o 10º era bravo.

José Bento (d'Araújo) e Fernando de Oliveira apanharam o touro mais bravo, e, pondo de parte o receio que no começo da lide ambos mostraram, com especialidade José Bento, que até cedeu uma sorte, foi o trabalho dos dois cavalleiros o mais luzido da tarde.

Fernando salientou-se n’uma saída falsa magnifica e n’um ferro curto primoroso, havendo outro tambem excelente de José Bento (de Araújo).

Obtiveram ambos uma ovação estrondosa.

José Bento (de Araújo) brindou pela imprensa.

Fernando d’Oliveira foi brindado com um alfinete d’ouro para gravata pelo sr. José Ignacio de Vallada. O alfinete foi entregue ao illustre artista espetado n’um charuto.

Manuel Casimiro e Joaquim Alves, não obstante terem diligenciado tourear, defrontaram-se com dois mansos, e não puderam brilhar, embora collocassem alguns ferros de valor.

Notamos contudo a maneira distinta e artistica por que Joaquim Alves preparou uma saída ao 8º touro do curro, estacando o seu cavallo com firmeza quando se viu com o terreno vencido pelo adversario.

Deveras apreciámos tambem os progressos de Eduardo Macedo, que rematou sortes com muito luzimento, entrando bem, calculando os terrenos como devia, e mostrando coragem.

Simões Serra consentiu admiravelmente os seus touros em duas recargas, collocando tambem algumas farpas com exito.

Observaremos, porém, que um e outro tiveram a sorte de lhes tocar o 5º e 10º touros, que se prestaram ao castigo.

A gente de pé esteve trabalhadora, e com o capote distinguiram-se Teodoro e Manuel dos Santos, estando diligente Torres Branco.

O 2º touro foi bem bandarilhado por Teodoro e Cadete. O 4º coube a Torres Branco e Manuel dos Santos, que o aproveitaram bem, apesar de ser manso.

Torres, á gaiola, deixou o melhor par da tarde, empregando bandarilhas de surpreza, das quaes saíram as bandeiras ingleza e portugueza.

Manuel dos Santos tambem pôz um bom par, apparecendo egualmente as bandeiras das duas nações.

Manuel dos Santos offerecera a serie aos monarcas, dizendo o seguinte:

— Tenho a honra de brindar a SS. MM. e faço votos pelas prosperidades das duas nações alliadas.

O mesmo toureiro que, durante a tarde, mostrou mais uma vez a sua coragem e vontade de agradar, fez cambios de joelhos, recortes,mareou os touros, adornando-se com intrepidez e, finalmente, passou de muleta o 4º - tirando alguns passes aceitaveis. dadas as pessimas condições do animal.
O trabalho dos dois artistas foi muito applaudido.

Silvestre Calabaça collocou dois pares bons no 9º e tentou um quiebro na cadeira que resultou imperfeito, porque o touro arrancou incerto.

A melhor pega da tarde foi a de Carraça, no 9º touro. O 1º enxovalhou uns poucos de forcados, e, por fim, nem á volta o conseguiram pegar.

O 2º touro foi pegado por Alcorrial e ainda melhor: ajudado pelos companheiros, e o 4º por João Couto, que egualmente fez figura. Houve uma pega de volta regular por “Pé de Chumbo” e Carraça.

O 7º foi pegado ao sopé por José Peixinho, que brindou por Eduardo VII, de joelho em terra.

Todos os toureiros offereceram sortes aos monarcas.

O rei de Inglaterra ficou muito bem impressionado com a corrida, demorando-se na praça mais tempo do que tencionava.

Gostou immenso das pegas e apreciou muito a intrepidez dos toureiros.

Eduardo VII sorria-se sempre que os forcados levavam boleos.

No sol houve bengalada rija entre dois espectadores. Os monarcas assestaram para lá os seus binoculos e parece terem apreciado muito esse numero extra-programa, em que recebeu um ferimento na cabeça... uma senhora, e foi preso um dos audazes corsarios lusos – perdão, um dos audazes contentores.O desfile, na Avenida, á volta dos touros, dizem que foi um espectaculo de verdadeira maravilha.

In O PRIMEIRO DE JANEIRO - 8 de Abril de 1903