A tourada
Um dos numeros mais interessantes e pittorescos do festivo pogramma de recepção.
Começou, antes da chegada de Eduardo VII, por se espalhar que não haveria tourada, porque o Rei, presidente da Associação Protectora dos Animaes, não assistiria a ella. Dahi a pouco affirmava-se o contrario, pois sabia-se que El_Rei de Portugal lhe telegraphara e que a resposta de Eduardo VII era o assentimento. Logo a corrida foi posta no programma e o governo começou por tomar quasi todos os camarotes para o corpo diplomatico, ministros, deputações do parlamento, officiaes inglezes, etc.
D'ahi em diante era uma febre, um delirio. Se para os pedidos de bilhetes a praça fosse quatro vezes maior — e leva 12.000 pessoas — era pequena ainda.
Venderam-se camarotes a 200$ e logares de sombra a 20$000!
Mas vamos á corrida:
Já constituiu para o povo uma parte interessante do espectaculo a ida e volta pela avenida da Liberdade, passando as carruagens reaes entre as alas compactas de pessoas que se descobriam respeitosas á passagem do Rei de Inglaterra, que ia fardado de coronel portuguez, á direita de D. Carlos, fardado de coronel honorario do «Oxford-fire Light Infantery» (NOTA: Oxfordshire and Buckinghamshire Light Infantry).
A ornementação da vasta praça do Campo Pequeno era vistosa e elegante. Colchas de seda, festões de verdura, bandeiras das duas nações, pannos azues, brancos e escarlates forrando as columnas, faixas de velludo carmezim nas balaustradas dos «fauteuils», o aspecto era encantandor.
Cheia a praça, rostos gentilissimos esmaltando o quadro, içado o pavilhão real, entram no seu camarote os dous Reis, a Rainha, o Infante e uma luzida comitiva, da qual faz parte o marquez de Soveral.
Todos de pé, tocam-se os hymnos, estrugem as acclamações: viva o Rei de Inglaterra, hurrah, hurrah! Soam palmas, agitam-se lenços, e Eduardo VII, visivelmente commovido, faz continencias militares e curva repetidas vezes a cabeça.
Tomam em seguida logar, ficando o Rei de Inglaterra ao centro, dando a direita á Rainha D. Maria Pia e a esquerda a El-Rei e ao Infante.
Então, o director das corridas manda começar.
O COMBATE
Entram na arena os charamelleiros; depois o neto com quatro pagens, realizando as cortezias do estylo.
Logo após os dous coches da Casa Real, com criados de taboa, conduzindo os seis cavalleiros José Bento (de Araújo), Fernando de Oliveira, Manuel Casimiro, Joaquim Alves, Simões Serra e Eduardo de Macedo.
Os seis apeiam-se e, em linha, fazem a venia com o joelho em terra; levantam-se, sahem pela porta dos bandarilheiros, em direcção aos corredores, de onde se dirigem ao corredor dos cavalleiros, para montarem a cavallo.
Depois a mula das farpas na fórma costumada.
Entra em seguida na arena todo o cortejo, assim composto: seis cavalleiros, oito bandarilheiros, ficando quatro de cada lado; dezeseis moços de forcado, oito por banda; pessoal do touril, charamelleiros, doze cavallos de combate, conduzidos por criados de libré; dez campinos montados, etc., etc.
Executam-se então as cortezias, que tiveram o mais bello «ensemble».
Nesse momento o quadro que apresentava a arena era do mais soberbo effeito.
Os cavalleiros, vestindo fatos de grande valor, apresentaram os ginetes ricamente ajaezados.
Findas as cortezias, seguem-se os comprimentos aos soberanos por todo o pessoal. Avançam primeiro os oito bandarilheiros, que fazem a venia de joelhos em terra; depois avançam os 16 moços de forcado, que fazem outro tanto; o pessoal do touril, etc.
Os moços de forcado vão logo occupar os seus postos, fazendo casa da guarda.
Voltam á pista os cavalleiros José Bento (de Araújo) e Fernando de Oliveira.
A Fernando e a Manuel dos Santos couberam as honras da corrida. O Rei Eduardo, que pela primeira vez assistia a uma tourada, gostou immensamente e riu com vontade de todos os episodios.
Mandou distribuir 40$ pelos forcados.
No fim da lide do setimo touro retirou-se toda a familia real, repetindo-se por essa occasião os hymnos e as acclamações, que Suas Magestades e Altezas ouviram de pé.
Dezenas de photographos tiraram croquis do soberbo espectaculo, muitos dos quaes illustrarão as paginas da revista Brasil Portugal.
In JORNAL DO BRASIL, Rio de Jwneiro - 28 de Abril de 1903