CHRONICA DAS CORRIDAS
TOUROS EM ALGÉS
3.ª corrida da epocha de 1895
ESPADA - Joaquim Navarro (Quinito).
SOBRESALIENTE - Francisco Carrillo.
TOUROS - Do ex.mo sr. Emilio Infante da Camara.
Alguns attractivos, taes como, a feira de Sacavem e a festa no hyppodromo, desviaram um pouco a concorrencia da praça de Algés.
Sejamos francos: se um dia formos emprezarios a primeira cousa que fazemos é offerecer a praça para as senhoras promoverem corridas. Podem contar comnosco e com a nossa praça.
Ha um desastre, ha um naufragio, ha um pretexto para as madamas espalharem o flato, o que se lembram é d'uma corrida de touros, por ser o espectaculo mais productivo e mais nacional. Muito bem.
Digam-me as minhas ricas almas caritativas da bolsa alheia, quando é que se lembrarão de não promoverem festas em dias de corridas de touros?
Emprezarios palermas, vêde as vossas casas desertas, e deixae vos seduzir pelas maviosas palavrinhas das candidas creaturas que só em vós pensam quando necessitam d'uma corridinha de touros. Vão-lhes ao bolso, e quando se lhes offerece a occasião, elles ahi estão bajojos, panocas, tansos, e presos pelo beicinho, como ursos de feira, a roncarem atraz do domador porco immundo. Idiotas.
Deixemos a divagação e vamos aos toureiros e ás feras.
A corrida agradou a uns e desagradou a outros como sempre. Cá a rapaziada, que rabisca no jornaleco, vae dizer o que se passou, e sente não dizer tudo, porque para isso não lhe chegava o jornal e muito menos a massa que tinha que gastar no cartorio de qualquer escrivão amigo.
Vamos ao espada.
Quinito
Trabalhador em alguns touros, desconfiado n'outros, porque já sabe como ellas mordem, e se as suas faenas não foram luzidissimas deve-se a uma serie infinita de defeitos, que as rezes apresentam.
Na lide á hespanhola esteve trabalhador no 2.º touro e apathico no 1.º, que era de respeito, de poder e com aquella velhacaria natural nos touros corridos e de saber.
Teve quites bonitos e de effeito no 2.º touro, e só lhe notámos que demorou a lide para proveito seu, visto que no 2.º touro podia luzir-se, o que conseguiu, embora isso não nos agradasse; mas como agradou ao publico, cala-te bôcca, socega penna, e vamos adiante.
Com bandarilhas não gostámos. Não houve motivo para não entrar mais um pouco no terreno da sorte, consentindo, para poder aproveitar com segurança el hachazo e collocar bem os ferros.
Não o fez, não consentia, defendia-se com os touros, e mal chegava os ferros.
Quando el toro cargaba la suerte, deixava los palillos e sahia por pies. Não gostámos.
Com a muleta teve uma faena superior e com intelligencia n'um dos touros.
Foi colhido sem consequencias, e não mostrou desejos de esquivar-se á brega.
Com touros claros é possivel e crivel que tenha uma tarde de glorias.
Muito descuidado na direcção da praça, consentindo um perfeito herradero, e muito demorado na mudança do primeiro tercio.
A serie de encontros do cavallo com o touro deve-se ao mau serviços dos peões e da pouca energia do matador. Causou respeito e medo o 1.º touro para a lide á hespanhola, e d'ahi a descuidada direcção.
Sobresaliente novillero Carrillo
Teve um dos melhores touros da corrida, que foram poucos; mas a ignorancia, manifestamente declarada, inhibe-nos de o apreciar.
Com as bandarilhas fez o que pôde e o que soube.
Com a muleta fez o que soube e o que pôde, ou seja grão com arroz, ou arroz com grão. Adeusinho, e fica-te por lá; não te esqueças.
Cavalleiros
Tinoco.
Anda com mala pata.
Emquanto não se benzer com um corno, e não fizer o mesmo que o celebre algarvio fez ao Tejo, quando este lhe enguliu o cahique, ha-de dar motivo aos despeitados para lhe morderem nas canellas. Ha cães por todos os lados, ha por ahi cada bull-dog que está a precisar de balinha de marmello.
Quando Tinoco saía da praça ...
que puxavam o trem que o conduzia ...
e foi ...
por causa de ... palavras!
... Assim .... Já vês que ...
... era impossivel ...
... ter ...
... ha-de ser breve ...
... percebes Tinoco?
José Bento (de Araújo)
Foi um heroe, um cavalleiro consummado, um artista valente e correcto. O seu 1.º touro foi brilhantemente farpeado com arte, denodo e frescura.
Bravo, Zé Bento (de Araújo)!
Fiquem sabendo, meninos, joias, queridinhos, ricos filhos, que este jornal, ainda que mal escripto e por consequencia sem auctoridade, é orgão do cavalleiro Zé Bentinho. Querem mais franqueza? Só falta uma coisa para a declaração ser completa: Guerrita dá-me dinheiro, veste-me, calça-me, sustenta-me e paga-me a entrada para o applaudir.
Já vêem que um pendego, como eu, não está lá com meias medidas, é pago e repago, por consequencia ha-de dizer bem e tocar las palmas.
Arre, malandros! digo eu.
Picadores
Com as puyas com que trabalham é melhor a auctoridade prohibir essa lide.
Francamente, estamos n'um paiz de peigas!
Então o ferro da bandarilha, que é mais comprido, admitte-se, e não se tolera a puya de tentar? Como querem que um picador agarre bem o morrillo se as puyas não penetram? Que grandes penetras são estes senhores que se horrorisam com que um touro seja picado e retire a causa, e não se apoquentam por vêr na cachaceira 10 ou 12 ferros de 21 centimetros, que durante horas de conservam espetados no bichinho?
Então a puya é mais mortificante que as bandarilhas?
Ó meninos, fechem as praças de touros, porque, realmente, nós somos muito haumanos, e não queremos estar a vêr fazer mal aos animaes!
Vamos para o Inferno e não temos esperanças de bebermos alguma coisinha no Entroncamento, assim como quem diz no Purgatorio.
Malvados! Selvagens! Ai credo!
Bandarilheiros
Rodas, Moyano, Theodoro, Cadete e Saldanha bem no que fizeram.
Os restantes, Sevilhanos. Pipos e Pipas á altura da fama que gosam. Olé los niños valientes.
Pegadores
Duas pegas boas e rijas.
Director da corrida
Um perfeito presidente da camara dos deputados.
Quem toma o expediente que Jayme tomou, na questão do orçamento, perdão, na questão do capote, se era Theodoro ou Quinito que deveria tourear, prova que tem recursos presidenciaes. E a grande questão +e que, a campainha tocou, e os elitos do sol e da sombra metteram a viola no sacco e a coisa passou sem protestos.
Arre diabo, com essa energia ainda a gente ha de ver coisas boas; ao menos valha-nos o Jayme.
(Já me esquecia dizer que o Jayme tambem me dá dinheiro).
Em me dando para dizer bem, é isto que veem. O que vale é que este jornal é lido só pelos seus redactores, porque se muita gente o lêsse sempre desconfiariam alguma coisa. Emfim, por emquanto vamos assim, até chegar o dia... de balanço final.
Monos sabios
Appareceu um com bigode. Que grande reinação!
Serviço da praça
Pessimo, horrivel e sem ordem. O unico que comprehende bem o seu logar é o Pae Paulino.
Reparem para a carinha d'elle, quando abre a porta aos cavalleiros.
Homens dos pasteis
Uns mariolões de bonet branco a incommodarem toda a gente.
Homens da cerveja
O prato de resistencia para os espectadores. Fabricas de gargalhadas e grandes consumidores de papel pardo.
Touros
Saibam quantos lerem esta resenha que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1895, no dia 13 do mez de junho, n'esta cidade á beira-mar plantada, perante mim se correram 12 touros, que tiveram a seguinte classificação: o 2.º, 5.º e 9.º bons, ainda que chegavam ao ultimo tercio com má intenção, o 8.º regular, o 3.º um animal de muito poder, valentia e velhacaria e o 11.º de menos poder que este ultimo, mas com as mesmas qualidades do 3.º. Os restantes podem ir todos para a raiz da grande choupa que os ha-de matar, que não fazem cá falta nenhuma.
Por ser facto notorio e provado com as testemunhas presentes, todos maiores, casados, solteiros, viuvos, moradores n'esta cidade de Santo Antonio Milagroso, que as corridas de touros são todas a mesma coisa, a questão é mudar lhe o nome ao lavrador; attesto ser verdade o que as respectivas victimas me disseram, que, além de boas pessoas, estão sempre em risco de terem as costellas partidas por causa dos matutos com que lidam.
Assim fica lavrado nas minhas notas, adeus, ó menino como pachastes, até domingo se Deuz quizer.
Logar do signal publico, um sello de 800 réis ao tabellião, que já estou farto de reconhecer tunantes, e eu mais não digo.
ROMÃO GOMES
In A TOURADA - REVISTA TAURINA, Lisboa - 3 de Junho de 1895