2 DE JUNHO DE 1895 - PORTO: UMA TOURADA POUCO ANIMADA E POUCO INTERESSANTE APESAR DA PRESTAÇÃO DO CAVALEIRO JOSÉ BENTO DE ARAÚJO



Touros no Porto


Biblioteca nacional de Portugal

2.ª corrida

Fabrilo, Reverte e José Bento (de Araújo)

Hontem houve segunda corrida, mas esteve muito menos animada e interessante do que a do dia anterior. O gado era na maior parte matreiro e cobarde, havendo até um boi que retirou da arena sem os artistas conseguirem collocar-lhe um unico par de ferros.

Foi cavalleiro José Bento de Araujo, que trabalhou muito bem, collocando com pericia alguns pares de ferros curtos nos touros que lhe couberam. O referido artista foi muito applaudido pelo publico.


Os espadas Reverte e Fabrilo houveram-se com distincção, especialmente o primeiro, quer na collocação de bandarilhas, quer no trabalho de capote e na simulação da sorte de morte. Os espectadores tambem os festejaram muito.

O curro da corrida de hontem eram tambem do sr. commendador Carlos Marques. Muito desegual, absolutamente inferior ao da vespera. Apenas um boi claro para pé e um bravo e voluntario para cavallo na primeira parte. Na segunda, toiros mal intencionados, brandos, e um tão cobarde, que fugia da propria sombra.

Fabrilo, a quem, como matador mais antigo, coube romper a lide, fez um excellente e honesto trabalho em bandarilhas, bem que os touros que lhe couberam lhe não deixassem fazer luzir todas as suas faculdades - que as tem, e reaes. Poz n'uma gaiola, e a quiebro, um bello par; prendeu mais alguns pares a cuarteo, bons pelo modo como desenhou e rematou as sortes; e teve ainda um outro par a quiebro, d'aquelles capazes de levantar da sepultura, n'um impeto de enthusiasmo, todos os esqueletos dos preteritos aficionados. N'uma outra gaiola, como marcasse mais larga a saida do touro, e este se encabritasse, prendeu os rehiletes muito baixos e trazeiros. Precalços: a que grande toureiro não aconteceu tal, alguma vez?

Com a muleta teve alguns passes de muita arte e elegancia. E não se lhe devia ter condemnado a estocada que simulou, absolutamente justificada, visto que a fera arrancou no momento em que o diestro liaba el trapo, e ella foi por consequencia em propria e legitima defeza - de recurso, como se lhe deve chamar e chama.

Reverte foi o mesmo toureiro da vespera - trabalhador e applaudidissimo: teve os mesmos passes de muleta, que na vespera tanto agradaram, mareou uma das rezes, prendeu alguns grandes pares a quiebro - os seus quiebros - e deixou ainda uns dois ou tres, muito bons, a quarteio. O publico repetiu-lhe a ovação da vespera.

José Bento de Araujo, que no seu primeiro boi, por mais que o procurasse, não conseguira metter mais do que tres ferros, despicou-se no segundo, que resultou voluntarioso, e no qual, depois de seis magnificos ferros largos, deixou dois pares curtos do mais brilhante effeito.

Notavel, tambem, a lide, do terceiro, em que deixou ainda dois pares curtos do mais alto merecimento. O festejadissimo cavalleiro offereceu o seu primeiro ferro ao sr. dr. Assis Brazil, que o presentou com uma badine linda.

Muito bem, pelo modo incançavel como trabalharam, todos os bandarilheiros, hespanhoes e portugueses. Cumpre notar que José Martins prendeu um par a quiebro, aproveitando, de certo valor, e que José dos Santos metteu um bom par, n'uma gaiola.

Em pégas - o melhor forcado foi o nosso Silva. E a direcção, como na vespera, foi acertadissima.

Os hespanhoes apresentaram-se todos de gravata e cinta preta. Memoravam a morte de Espartero, o Grande, cujo primeiro anniversario passou hontem.

(Do nosso correspondente)

In A TOURADA - REVISTA TAURINA, Lisboa - 3 de Junho de 1895