16 DE MAIO DE 1897 – LISBOA: SOLIDARIEDADE NA ARENA…



TAUROMACHIA

 Praça do Campo Pequeno


Tarde que predispunha para o divertimento popular. Sol quente, que alegra e incita á passeiata amena. Por isso, logo  depois das tres horas, as "tipoias" batiam, Avenida fóra, em caminho do Campo Pequeno; os cavallos trotavam com pouco afan, mas os pingalins dos cocheiros avivavam lhes o cumprimento do dever, e elles lá iam, offegantes, suorentos mandando sem duvida ao diacho os aficionados, que pouco a pouco foram entrando na praça.

A enchente não foi completa mas a empreza teve o que em linguagem vulgar se chama uma casa boa.

Tomaram parte n'esta quinta corrida, os cavalleiros José Bento (de Araújo, Fernando de Oliveira e Adelino Raposo.

Espada, Parráo e os seus bandarilheiros e os nossos artistas Calabaça, Theodoro, Torres Branco e Salgado.

Os touros pertenciam ao sr. dr. Manuel Duarte Laranja, sahindo desiguaes e maus para a lide tanto de cavallo como de pé. Salientaram-se apenas o 9.º touro, (vinagre) e o 12.º, sendo o primeiro d'estes dois bandarilhado pelos hespanhoes da cuadrilla de Parráo e o segundo pelos bandarilheiros Calabaça e Torres Branco.

O trabalho dos cavalleiros seria muito bom se elles tivessem touros que lhes podessem compensar os seus esforços. Ainda assim o destro cavalleiro José Bento (de Araújo) no 1.º touro que lhe coube, pôde metter com bastante custo tres farpas e rematar o seu trabalho com um bem collocado ferro curto.

A Fernando de Oliveira coube o 5.º e 10.º touros. No primeiro, por mais que o procurasse, o animalejo nem mesmo espertado com meio par de bandarilhas por Theodoro, quiz arrancar para o cavalleiro, tendo este de se retirar da arena. No segundo Fernando de Oliveira collocou tres farpas e um ferro curto, e para isso teve de mudar de cavallo logo á primeira sorte por conhecer a rez que tinha de lidar.

A Adelino Raposo coube o 7.º touro. Apresentou-se montando um cavallo de José Bento (de Araújo), e conseguiu enfeitar a rez com duas farpas. No fim do seu trabalho foi chamado á arena, vindo acompanhado dos dois distinctos cavalleiros José Bento (de Araújo) e Fernando de Oliveira.

O espada Parráo esteve muito trabalhador em toda a corrida. Bandarilhou bem o 6.º touro, que lhe coube, a sós, fazendo a sorte de gaiola e collocando mais um par de bandarilhas em cambio e tres e meio pares a cuarteo.

Com a muleta deu bons passes de peitos naturaes e de engano, com a capa fez bons quites.

O seu trabalho agradou. Parráo cinge-se bem com as rezes.

Foi muito applaudido.

Os seus bandarilheiros fizeram o que poderam, tanto com bandarilhas como com capas.

Dos nossos bandarilheiros distinguiram-se Theodoro, Calabaça, Torres Branco e Salgado que empregaram bons pares de bandarilhas.

Theodoro fez bons quites durante a corrida.

Os moços de forcados fizeram 5 pegas sendo uma no 2.º touro de cara, na 3.º á meia volta, no 6.º, no 8.º e 12.º de cara, sendo esta ultima a melhor de todas.

Os touros eram conhecidos pelos nomes 1.º Capote, 2.º Listado, 3.º Mascarro, 4.º Piloto, 5.º Espelho, 6.º Airoso, 7.º Muscardo, 8.º Roldão, 9.º Alfaiate, 10.º Ministro, 11.º Archote, 12.º Price.

A direcção da corrida boa.

José Bento de Araujo e Fernando d'Oliveira foram, durante as cortezias, e depois da lide dos seus touros, alvo de calorosas ovações. O publico manifestou-lhes assim o alto apreço, em que teve o bizarro acto de generosidade, praticado pelos distinctos e sympathicos cavalleiros, em favor do seu collega Adelino Raposo.

A homenagem não podia ser mais justa nem mais significativa.


Na praça foram distribuidos profusamente os seguintes versos, dedicados ao sympathico José Bento (de Araújo):


É raro d'encontrar um bom amigo

E tu soubeste sel-o, cavalleiro!

Louva a tua bondade o mundo inteiro,

Mas o premio da acção fica comtigo!


Essa tua bondade sem egual

Em nuvens d'ouro a recompensa encerra,

Porque é aqui em baixo, aqui na terra,

Que todo o bem se paga e todo o mal!

 

Espirito gentil, que assim soubeste

Amparar um amigo na desgraça:

Qua saibam avaliar o que fizeste.

 

Tens a benção dos bons, que não é escassa,

E em meio do infortunio a que vieste

As lagrimas do amigo que te abraça!


ESCAMILLO JUNIOR

Biblioteca nacional de Portugal

In DIARIO ILLUSTRADO, Lisboa – 17 de Maio de 1897