24 DE JUNHO DE 1894 - LISBOA: UMA CORRIDA EXCELENTE NA PRAÇA DO CAMPO PEQUENO



Chronica das touradas

CAMPO PEQUENO

11.ª corrida da epocha. - Espada: Rafael Guerra, Guerrita. - Touros do sr. Palha Blanco.


Biblioteca nacional de Portugal

Ora atè que finalmente tivemos uma corrida excellente que deixou plenamente satisfeitos todos os amadores. Os attractivos da tarde eram o celebre Rafael II, o toureiro celebre de Cordova, essa terra abençoada d'onde saiu o Rafael I, cujo successor tão brilhantemente honra o logar deixado por seu mestre o grande Lagartijo: e os touros do sr. Palha Blanco. Por isso a praça do Campo Pequeno teve uma enchente quasi á cunha. Apenas nas galerias do sol havia alguns logares vagos. Vamos dar um resumo da tourada que correu animadamente.

Espada. - Trataremos em primeiro logar do celebre Guerrita, esse prodigioso artista, admiravel na arte, elegancia e valentia. O seu trabalho de capote foi primorosissimo. Cingido e parado teve passes inimitaveis. No 3.º touro com o capote fez dois passes chamados de chatre (com os braços cruzados), que é a primeira vez que se fazem na nossa praça. Com a muleta teve passes de peito, redondos e recortes por baixo, de um verdadeiro primor. No 4.º touro teve um passe de mulinete primoroso. Com as bandarilhas pouco poude fazer porque o touro foi o peor de todos. No decorrer da tourada muito trabalhador e deliciando o publico, por vezes, com uns adornos magnificos. Foi em toda a tarde alvo das mais ruidosas e merecidas ovações.

Cavalleiros. - José Bento (de Araújo) trabalhou correctamente nos dois touros que lidou. No 1.º, teve ferros á tira superiormente rematados. No 2.º todo o seu trabalho foi magnifico, pondo ferros á tira e á volta excellentemente rematados, fechando a lide com dois pares de bandarilhas de primeira ordem, sendo um á volta e um á estribeira. O publico applaudiu o festejado artista com justiça.

Adelino Raposo, não adianta um passo. Nos dois touros que lidou, sempre muito precipitado, citando mal e de vez em quando atirando com o cavallo para cima da trincheira. Teve dois ferros á volta bem postos e dois pares curtos, sendo um bem apontado.

Bandarilheiros. - Dos artistas de pé, sobresairam Theodoro e Cadete, que bandarilharam o 8.º touro magnificamente. Minuto, Calabaça e Raphael metteram tambem bons apres. Almendro e Primito, bem com as bandarilhas, principalmente o primeiro, que tambem teve passes de capote magnificos. No 10.º touro a pedido do publico, Guerrita cedeu a muleta a Theodoro, que compromettido nada fez, quando é certo que já o temos visto passar muito rasoavelmente e com valentia. Não tornamos as culpas a Theodoro, mas sim ao publico que colloca um artista n'aquella situação na presença do primeiro matador hespanhol. Theodoro que é um artista de bastante merecimento, não se devia sujeitar a espectaculos d'aquelles, accedendo ao pedido do publico. Nem todas as vontades se devem fazer, porque algumas são prejudiciaes. Bem sabemos que o culpado é uma parte do publico, mas não tenha pressa e esude porque tem um futuro brilhante.

Touros. - Pertenciam ao afamado ganadero sr. José Palha Blanco, a quem damos os parabens pelo excellente curro que forneceu. Sairam bravos e alguns mesmo finos. Apenas dois eram brandos. Apresentou bonitas esrampas e pintas de touros hespanhoes, lindas. O publico applaudiu o distincto creador.

Forcados. - Portaram-se á altura da corrida, fazendo boas pégas.

Direcção. - Um bravo ao Botas. Assim é que é. O publico applaudiu-o e elle agradeceu risonho e de penante na mão. É a lei das compensações.

In A TOURADA, Lisboa - 1 de Julho de 1894